Somente a candidatura de Lula não é suficiente

João Pedro Stédile, do MST do Brasil: "Somente a candidatura de Lula não é suficiente, temos que apresentar ao país um novo projeto que supere o neo-desenvolvimentismo, que já se esgotou".

Por Carlos Aznarez

-A poucos dias do 29 de agosto, de que depende para que Dilma possa ter possibilidades de voltar ao governo nas atuais circunstâncias?

- Dilma tem possibilidades reais de voltar. Mas ainda é uma incógnita porque há muitos fatores que influenciarão o Senado brasileiro. Primeiro, existe uma possibilidade real de que alguns senadores mudem o voto ou simplesmente não compareçam ao julgamento. Segundo, o desempenho desastroso do governo golpista. Terceiro, as denúncias de que muitos senadores estão envolvidos em processos de corrupção, quarto o ânimo produzido pela força das mobilizações populares, e quinto as articulações locais em torno das perspectivas eleitorais em cada um dos Estados dos senadores, que sempre se candidatam a reeleição ou disputam os governos estaduais, além da má fama dos golpistas, pode retirar deles muitos votos.

- Se o impeachment for adiante e Dilma for destituída definitivamente, há outra saída possível para os setores populares que não seja esperar as próximas eleições? É o Lula a única grande esperança?

- Se o golpe se consolidar, haveria então várias formas de continuar a luta contra Temer. Por um lado, entrar com um recurso junto ao STF (Supremo Tribunal Federal) porque Dilma seria afastada do governo sem cometer qualquer crime porque não há base legal para que isso. Além disso, continuar as mobilizações contra o governo para disputar com ele nas ruas. Terceiro, é possível que o governo Temer se desgaste muito diante da opinião pública y a própria burguesia o trocaria por outro. Para isso basta impugná-lo, já que existe um processo no Tribunal Superior Eleitoral e isso o afastaria do governo em janeiro ou fevereiro do próximo ano. A substituição dele seria por eleições indiretas no Congresso. E, nesse caso, a burguesia já tem o candidato, que é o ministro da Fazenda e golpista, o banqueiro Henrique Meirelles.Ao não se concretizar nada disso, os movimentos populares continuaremos na luta para derrubar o governo Temer e exigir um plebiscito popular para que o povo possa decidir sobre temas levantados pelos diferentes movimentos populares, a saber:

a) se está de acordo em antecipar as eleições presidenciais (que serão em outubro de 2018)

b) se está de acordo em realizar eleições gerais e...

c) se está de acordo que se convoque uma Assembleia Constituinte exclusiva para realizar uma reforma política no sistema eleitoral brasileiro.

- Neste período em que o governo Temer tomou o governo através de um golpe palaciano, quais são, no seu entendimento, os maiores retrocessos para os setores populares?

- Temer fechou o Ministério de Desenvolvimento Agrário, responsável por todas as políticas públicas para a agricultura familiar e camponesa. Fechou os três ministérios que protegiam os direitos humanos, as mulheres e a comunidade negra. Implementou uma política econômica tipicamente neoliberal, aprofundando a crise econômica e a taxa de desemprego na indústria é de 15%, chegando a 30% entre os jovens. Além disso, Temer implementa uma lei que rompe a lei atual do petróleo, permitindo a privatização das reservas do pré-sal. De fato, a Petrobrás, sob seu comando, já vendeu ativos e privatizou um dos poços de petróleo mais ricos em jazimentos. Um poço que valia US$ 80 bilhões foi vendido às transnacionais por US$ 8 bilhões. Agora, ameaça com a culminação do golpe realizar a reforma da previdenciária com o aumento em 10 anos de idade mínima para a aposentadoria. Vai realizar uma reforma nas leis trabalhistas que prevê, inclusive, aumentar a jornada de trabalho. Vai impor que os acordos laborais sejam assinados apenas entres as partes, trabalhadores e patrões. E promete aprovar uma lei no Congresso que libera a venda de terras ao capital estrangeiro.

 

- Temer e seu governo estão instáveis como quando começaram ou se consolidaram nestes meses? Continuam sendo os "preferidos" dos que os impuseram a partir do exterior ou também estes setores podem estar pensando em substituí-los?

 

- Acho que o governo Temer, além de golpista e ilegítimo, é totalmente provisório. Por isso está tratando de fazer da forma mais rápida as mudanças neoliberais que nenhum governo com base eleitoral faria. Além disso seu ministério está totalmente envolvido em corrupção. Então, acho que embora derrubem a Dilma no dia 29 de agosto, a burguesia não manterá Temer até dezembro de 2018. Ele apenas está fazendo o trabalho sujo para depois abrir espaço para um candidato mais aceitável da direita nas próximas eleições.

 

- A esquerda popular brasileira na qual tu e o MST estão integrados, estão satisfeitos com o nível de resistência até agora? O que se propõe para o futuro para enfrentar o governo Temer?

 

- Claro que não estamos satisfeitos. Temos muitos desafios no curto prazo para poder enfrentar os golpistas. A classe trabalhadora continua em casa, não se mobilizou e quem está se mobilizando são os militantes, os setores mais organizados. Mas 85% da classe trabalhadora continua vendo telenovelas.Para isso temos que redobrar os esforços como movimentos populares para mobilizar a classe operária e mostrar a ela os graves riscos que corremos, estimulando sua participação nas ruas. Estamos discutindo a viabilidade de uma greve geral contra o golpe, mas já faz 28 anos que não se faz greves políticas. A classe operária não está educada para isso.Continuaremos com as mobilizações no curto prazo, como por exemplo, agora n dia 5 de agosto na abertura das Olimpíadas e depois durante a semana de votação do impeachment contra Dilma. No médio prazo o desafio principal é que devemos continuar organizados na Frente Brasil Popular como um novo espaço de unidade popular, e debater a necessidade de construir um novo projeto de país que, por enquanto, a esquerda não tem. Por isso, apesar de que a direita fará todo o possível para inviabilizar uma candidatura de Lula para 2018, sua só presença no pleito não será suficiente. Temos que apresentar ao país um novo projeto que supere o que foi o neo-desenvolvimentismo, que já se esgotou. De qualquer maneira, vejo o futuro com otimismo, apesar das dificuldades atuais e das derrotas que sofremos. A crise abre um novo tempo de mudanças. E, para isso, as forças populares necessitam redobrar esforços para recuperar o trabalho popular e debater um novo projeto para o país, que represente mudanças estruturais na sociedade. De modo que teremos dois anos de muita disputa, de luta de classes, de batalha de ideias.

Fonte

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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