Questão de polícia

Jolivaldo Freitas

Estou cada vez mais intrigado por que tem tanto PM, notadamente oficiais, acima do peso. Quando eu morava na Boa Viagem, em Salvador, Bahia, Brasil, ainda menino, gostava de subir no muro do Quartel da Polícia Militar e olhar os soldados se acabando nas ginásticas diariamente ou o vendo correr atrás das emas (havia um criatório dessas aves e também de cavalos e de cães pastores alemães) para mostrar que estavam mais preparados fisicamente que centurião romano. Os meninos do meu bairro copiavam o que viam e a gente se esfalfava tentando fazer abdominais, pular corda, correr e subir em cordas. Todos no meu bairro paravam quando nas primeiras horas da manhã passava um pelotão de soldados vestindo calções, camisetas e tênis Bamba correndo e soltando gritos de incentivos uns para os outros. O sargento dando o exemplo e puxando a turma. A gente corria atrás. Hoje, acho que não tem mais nada disso.

Outra coisa que me intriga é a queixa de muitos moradores de áreas conflituosas com a presença de facções, sobre a atuação dos policiais. Sempre estou sabendo ou ouvindo algo do tipo: quando aparece uma equipe de TV os soldados aparecem na área. Quando a equipe se vai eles seguem em frente também. Acaba a operação. Li em algum lugar que recentemente numa área do subúrbio, pelas bandas de Coutos, acho que de nome Tanque, um homem tentou matar um comerciante e o revólver falhou. Os policiais da área foram chamados – estavam a certa distância – ao invés de irem atrás do problema, de quem tentou matar, ficaram trocando mensagens pelo WhatsApp e quando um morador perguntou se ele não ia ver o problema e policial teria respondido “vá você”. Onde já se viu?

Mais uma coisa que sei é da dificuldade de cuidar de uma cidade imensa como Salvador ou de um estado gigantesco como é a Bahia. Sei que nunca seria possível ter um posto policial em cada esquina. Mas sei que no mundo inteiro se trabalha com a chamada “inteligência” e principalmente com a prevenção. Essa sendo a atitude de prever, antecipar, sair na frente. Vejo que em muitas das ocorrências se tratam de fatos “anunciados”, que todos sabem que irão acontecer, mas a polícia não sai na frente. Isso serve para as questões amiúdes em bairros conflituosos ou bairros de classe mais abastada.

Conversando com um policial perguntei por que não se vê uma ação para “asfixiar” as gangues que atuam nos bairros mais conhecidos. Ele até me explicou direito que é algo complexo, pois se a polícia “espreme” um bando num bairro, ele corre para outro. Perguntei então por que não impedir a fuga ou fazer uma ação coordenada que impeça a chegada deles em outra área. Não soube me responder. Mas também me disse que a polícia está desanimada pela prática constante de “enxugar gelo”, ou seja: o policial mete as caras, coloca a vida em risco, prende e dias depois o bandido está nas ruas. Neste ponto o PM tem razão. Parece coisa de Sísifo. Lembra? Aquele grego que leva toda a eternidade carregando pedra montanha acima e quando chega lá ela rola para baixo e começa tudo de novo.

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Escritor e jornalista. Email: [email protected]

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Author`s name Freitas Jolivaldo
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