Assim como nós não perdoamos o desamável que nos tem ofendido

"O amor verdadeiro deveria ter perdão para todas as vidas, 

menos para as vidas sem amor" (Oscar Wilde)

por Fernando Soares Campos

"Bolsonaro está apavorado, querendo uma anistia, um acordo de não punição", diz o relator da CPI da Covid, senador Renan Calheiros.

Quem propõe um acordo de não punição em seu próprio benefício é, certamente, aquele que reconhece sua própria prática transgressora, seu comportamento criminoso. É réu confesso.

Anistia é ato do poder público em que se concede perdão no mais amplo sentido,  anulando-se condenações e suspendendo possíveis diligências persecutórias. Entretanto, o perdão não deve ser entendido como mero "esquecimento" de algum ato criminoso, punível ou simplesmente condenável pelas regras e preceitos que estabelecem o tipo de comportamento social aceitável. Assim compreendido, como em geral compreendemos o significado da palavra "esquecer", empregada para definir uma situação em que, supostamente, poderíamos decidir sobre aquilo que devemos lembrar ou olvidar. É como se a memória resultasse de processo mental dependente de sistemática percepção das realidades, imprimindo-se acurada atenção, que impulsionariam a inteligência, gerando discernimento sobre nossas expressões afetivas e emotivas. Seria assim? Creio que não, pois o perdão tem uma relação bem mais estreita com as nossas mais frequentes manifestações emotivas, aquelas que se originam nas órbitas dos mais nobres sentimentos, aparentemente nos dotando de real capacidade para harmonizar interesses conflitantes. 

Perdoar é uma atitude sobre a qual nos comportamos de forma mais intuitiva que intelectiva.

"Perdoe seus inimigos, mas não esqueça seus nomes", frase atribuída a John Kennedy.

Esquecer uma ofensa pessoal ou mesmo um ato criminoso que alguém possa ter cometido contra qualquer de nós quer dizer apenas que não devemos nos lembrar daquela agressão guardando profundo sentimento de pesar, colocando-nos em angustiante estado de abatimento moral pela simples lembrança de, por exemplo, ultrajante calúnia.

De nada adianta o perdão que vem de fora se não nos ocorrer o autoperdão. Contudo, perdoar a si próprio exige profundo autoconhecimento e, nessa condição, expressar sincero arrependimento pela agressão praticada contra alguém. Porém, em se tratando de Jair Bolsonaro, não se reconhece nele qualquer traço de sinceridade, portanto, toda expressão de arrependimento que ele possa esboçar terá sido mera camuflagem de sua extrema egolatria. 

Bolsonaro quer anistia, roga perdão, quer que a Nação esqueça suas práticas criminosas, mas ele próprio não é favorável à concessão de anistia aos seus adversários políticos, a quem ele considera potenciais inimigos da Pátria.

Nas vésperas do segundo turno da eleição presidencial de 2018, antevendo sua possível vitória, Bolsonaro gravou vídeo afirmando que "Esses marginais vermelhos serão banidos da nossa pátria". 

Nesse vídeo, exibido em manifestações a seu favor na avenida Paulista, em São Paulo, Bolsonaro começa dizendo: "Perderam ontem, perderam em 2016 [referindo-se ao golpe aplicado contra a presidenta Dilma Rousseff] e vão perder a semana que vem de novo. Só que a faxina agora será muito mais ampla. Essa turma, se quiser ficar aqui [no Brasil], vai ter que se colocar sob a lei de todos nós. Ou vão pra fora ou vão pra cadeia". Certamente, isso quer dizer que com ele não tem perdão, não tem anistia. Em terras brasileiras, Bolsonaro, o ditador imbrochável, só aceitaria a permanência de quem conformar-se a viver sob o seu tirânico domínio, o big stick caboclo, e rezar pela sua cartilha ideológica.

Mais adiante, ele diz que, com a sua vitória na eleição para presidente, os opositores "vermelhos" devem sair do país ou vão para a cadeia, garantiu Bolsonaro, acreditando que, a partir de sua posse, viria a se tornar ditador vitalício. Com isso, ele e seus filhos estariam protegidos pelo manto da impunidade.

Em outro momento, Bolsonaro afirmou: "Petralhada, vão todos vocês pra Ponta da Praia". Com a expressão "Ponta da Praia”, militares dos tempos da ditadura pós-64 referiam-se à Restinga da Marambaia, no Rio de Janeiro. Esse era um dos locais em que praticavam tortura e execução de presos políticos, isso no auge daquele regime que tinha o apoio da uma imprensa que atuava sob censura prévia.

Confira aqui: 

https://www.uol.com.br/carros/videos/assistir/?id=bolsonaro-diz-que-se-eleito-marginais-vermelhos-serao-banidos-da-patria-04024D983372D4A96326).

Conceda-se anistia a Bolsonaro e, muito em breve, teremos ondas de crime, “no atacado”, chacinas por todo o País, como em maio de 2006, em São Paulo, e tudo será debitado na conta do PCC. Isso quer dizer que, na guerra “milicianos cariocas vs PCC”, pode haver atentados de falsa bandeira.  

Agora, digamos juntos: "Pai, ele sabe o que faz, portanto não o perdoai, assim como nós não perdoamos esse desamável que nos tem ofendido".

  Fernando Soares Campos é autor de "Saudades do Apocalipse - 8 contos e um esquete", CBJE, Câmara Brasileira de Jovens Escritores, Rio de Janeiro, 2003; "Fronteiras da Realidade - contos para meditar e rir... ou chorar", Chiado Editora, Portugal, 2018; e  "Adeildo Nepomuceno Marques: um carismático líder sertanejo" (em parceria com Sérgio Soares de Campos), Grafmarques, Maceió, AL, 2022. 

 

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