Chomsky: Bolsonaro Desacredita ao Estilo de Trump uma Eleição que Sabe que Perderá

Chomsky: Bolsonaro Desacredita ao Estilo de Trump uma Eleição que Sabe que Perderá

No Brasil, "um golpe militar não parece fora de questão", diz o analista mais renomado da nossa geração

Por Edu Montesanti

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido), capitão aposentado que militariza dramaticamente a política da já muito frágil democracia brasileira, está aumentando suas acusações infundadas ao sistema eleitoral e ameaçando a democracia como um todo, diariamente. Incluindo com um golpe militar - nada de novo quando Bolsonaro, ex-legislador que entregou apenas dois projetos ao longo de quase três décadas (1989-2018), está envolvido. Embora ultimamente, devido à quantidade e à forma, essas ameaças tenham adquirido níveis assustadores. Tanto quanto a passividade do Congresso, da Justiça e dos oponentes do Bolsonaro, diante de tudo isso.

“Uma das características do autoritarismo contemporâneo, é o discurso de que se eu perder houve fraude, rejeitando os outros, rejeitando que alguém que não seja eu, possa ganhar as eleições”, disse no início de agosto Luís Roberto Barroso, ministro do Supremo Tribunal Federal e presidente do Tribunal Superior Eleitoral.

Enquanto a economia do Brasil agoniza e a crise de saúde pode ser classificada como devastadora devido à pandemia do novo coronavírus, o presidente Bolsonaro está em queda livre em popularidade. Por outro lado seu principal adversário, o ex-presidente Lula da Silva (2003- 2011) do Partido dos Trabalhadores (PT), está liderando crescentemente as pesquisas de opinião sobre as eleições presidenciais de 2022.

Encontro de Bolsonaro com Diretor da C.I.A. 

No início de julho, tornando o cenário brasileiro ainda mais intrigante, um encontro secreto entre Bolsonaro e o diretor da C.I.A., William Burns, pegou o Brasil de surpresa. O encontro não estava na pauta oficial do presidente, o público veio a saber pela imprensa quando Burns já estava no país sul-americano e não houve nenhum relato do governo de Brasília sobre o real propósito do encontro.

Levando em conta o contexto brasileiro, isso foi algo "sugestivo" para Noam Chomsky, em conversa com este autor de sua residência em Tucson, Arizona.

Em entrevista a este jornalista, o denunciante John Kiriakou, ex-agente da C.I.A., concorda com Chomsky que a reunião saiu da normalidade: “um pouco estranha”, diz Kiriakou, mesmo reconhecendo que não é incomum que um chefe da C.I.A. encontre-se com qualquer chefe de Estado. "Especialmente quando aquele país e os Estados Unidos têm estreitas relações diplomáticas e quando os dois serviços de inteligência têm estreitas relações operacionais," ressalta Kiriakou.

Kiriakou lembra que, nos Estados Unidos, Bolsonaro é visto como amigo de Donald Trump, não de Joe Biden. "É uma surpresa para mim, então, que o diretor da C.I.A. de Biden tenha se reunido com Bolsonaro tão cedo na administração [americana]", disse o primeiro agente da inteligência estadunidense a denunciar as técnicas de tortura da inteligência dos EUA.

"Acredito que isso transmite uma mensagem perigosa, de que os Estados Unidos estão dispostos a trabalhar com líderes autocráticos não importando quem seja o presidente, e que um líder não precisa respeitar o Estado de direito para manter laços estreitos com os EUA", fala Kiriakou de sua casa, na Virgínia.

Militarização da Política Brasileira

Não é nenhuma surpresa que atualmente haja 6.157 oficiais militares ao serviço do regime de Bolsonaro, além de vários ministros militares.

Na verdade, desde o início de seu mandato em 2019 o capitão da reserva vem preenchendo seu regime de militares, o que passou despercebido pela opinião pública nos primeiros meses do seu governo. Essa reversão contra a democracia apenas piora ao longo de seus dois anos e meio na presidência.

O atual chefe de Estado brasileiro, que fez campanha em 2018 elogiando abertamente crimes contra a humanidade cometidos pela ditadura militar (1964-1985), falando até a favor da tortura contra aqueles que se opõem a seus pontos de vista de extrema direita, foi eleito com o apoio maciços dos militares.

Hoje em dia, os militares de alto escalão têm cruzado limites muito além dos deles: desde a coleta de informações regionais sobre a pandemia do coronavírus, até criticar publicamente as decisões da justiça e as políticas dos governadores estaduais (especialmente aquelas relacionadas ao novo coronavírus tais como lockdowns, apenas papagueando Bolsonaro em sua postura negacionista), passando pela ida às ruas a fim de resolver conflitos especialmente relacionados à segurança pública. Na maioria dos casos, desafia o Estado de direito ameaçando-o abertamente com um golpe militar.

A militarização da segurança pública brasileira não é um método fortalecido exclusivamente por Bolsonaro na historia brasileira mais recente . Desde a "redemocratização" do Brasil em 1985, teve momentos críticos principalmente durante o governo Dilma Rousseff (2011-2016), do PT de Lula. No entanto, aumentou dramaticamente no governo Michel Temer (2016-2018), sucessor de Dilma por meio de um "golpe suave", agora no regime de Bolsonaro atingindo níveis alarmantes.

A chamada "redemocratização" nunca foi aceita pelos militares, por alguns dos maiores veículos da mídia nacional nem por grande parte da sociedade brasileira, especialmente as classes dominantes - incluindo as instituições "democráticas" como o sistema de justiça, profundamente enraizado em métodos ditatoriais. A mentalidade elitista é fortemente sentida em todos os segmentos da sociedade brasileira, das mais diversas maneiras incluindo os menores detalhes.

Os governos Lula-Dilma, mais de 13 anos no poder, nada fizeram para mudar a "cultura da força", pior legado de 21 anos da ditadura militar ao país, nem para tirar o Estado da influência dos militares baseada na verticalidade e no uso da força para resolver conflitos.

Ambas as administrações, ao contrário, nunca sequer mencionaram a possibilidade de punição pelos crimes militares nos anos de ditadura, preconizada por vários organismos internacionais como a OEA (Organização dos Estados Americanos). Como presidente, Lula, vítima de prisão e tortura dos ditadores, elogiou o regime militar pelo que chamou de "sucesso econômico", o que não é verdade.

O PT nunca avançou um centímetro para mudar as relações de poder excessivamente excludentes e mafiosas no Brasil, aprofundadas pelos ditadores décadas atrás depois que o então presidente João Goulart (1961-1964) tentou reformar a sociedade, a economia e a política do Brasil, derrubado por um golpe patrocinado pela C.I.A.

Golpe Suave

“Não temos provas”, disse Bolsonaro em 29 de julho passado, referindo-se às suas acusações de anos afirmando que, sim, tinha provas de que as eleições anteriores haviam sido fraudulentas. Foi esse o dia que ele havia insistido que apresentaria definitivamente indícios de fraude, tanto nas eleições de 2014 quanto de 2018 (nesta última, segundo sua narrativa, uma fraude o impediu de vencer Fernando Haddad do PT no primeiro turno).

No dia 28 de julho, o presidente brasileiro disse que “o povo brasileiro vai reagir” se o país não houver “uma eleição democrática” no próximo ano. O que o regime de Bolsonaro pede são eleições em cédulas impressas, pressionando fortemente o Congresso e o sistema de justiça por isso.

Desde que os seguidores do ex-presidente Donald Trump atacaram o Capitólio em janeiro passado, tentando obstruir as eleições, vários militares brasileiros, ecoando Bolsonaro, ameaçam impedir as eleições presidenciais de 2022 com o argumento infundado de que o voto eletrônico não é seguro.

No final de julho o ministro da Defesa, Walter Braga Netto, general do Exército, ameaçou nos bastidores parlamentares a fim de que não permitam a realização de eleições a não ser por meio de cédulas impressas, de acordo com vazamento do jornal O Estado de S. Paulo. O vazamento revelou, também, que o ministro militar ameaçou pessoalmente parlamentares acompanhado por chefes militares do Exército, da Marinha e da Força Aérea.

Na verdade, o novo processo contra a frágil democracia do Brasil começou fortemente com a “Primavera” de 2013, muito provavelmente influenciada pelos EUA e pelos militares brasileiros. Tal "Primavera" desempenharia importante papel na derrubada da então presidente Dilma Rousseff, três anos mais tarde por meios vergonhosos, internacionalmente reconhecida como totalmente corrupta.

Nos protestos em massa de 2013, os cidadãos brasileiros (como testemunhado especialmente pela revista brasileira Caros Amigos e a TV venezuelana Telesur) simplesmente não sabiam explicar o que estavam fazendo nas ruas, contra o que e contra quem exatamente protestavam enquanto a grande mídia brasileira agia de forma muito semelhante em comparação com os dias anteriores ao golpe de 1964.

Por meio de reportagens, artigos e “pesquisas” tendenciosas, os jornais brasileiros mais lidos - Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo e O Globo - exaltavam os militares e, sutilmente, levavam a sociedade a elogiar, igualmente, o papel das Forças Armadas na política especialmente com "intervenção constitucional", por meio do controverso artigo 142 da Constituição.

Após a derrubada da presidente Dilma Rousseff, veio à tona que juízes e promotores brasileiros - como o líder da Operação Lava Jato “anticorrupção”, juiz Sergio Moro - foram treinados diretamente pelos EUA de acordo com um telegrama revelado por WikiLeaks.

A própria Lava Jato atuou em estreita colaboração com os EUA. Na verdade, a Casa Branca reconheceu, em junho passado, estar por trás dos “esforços anticorrupção” em toda a América Latina. Um filme de terror que a região conhece muito bem, através de golpes militares patrocinados por Washington. Em 2016, o próprio Sergio Moro foi agraciado com a Medalha do Pacificador pelos militares, reconhecimento mais importante das Forças Armadas do Brasil a um cidadão.

Uma mensagem de WhatsApp hackeada pelo advogado brasileiro Walter Delgatti que, em parceria com o site The Intercept, interrompeu a Operação Lava Jato com suas duras consequências para a democracia e a economia brasileira, revelou recentemente que o procurador Deltan Dallagnol agradeceu à CIA pela prisão do ex-presidente Lula da Silva: “Um presente do C.I.A.”, disse ele.

Dallagnol acusou injustamente o ex-presidente Lula de envolvimento em corrupção, abrindo caminho para que Bolsonaro fosse eleito presidente em 2018 por meio da campanha de mais baixo nível da história do Brasil baseada em uma impune torrente de notícias falsas e muita violência nas ruas de todo o país, graves crimes minimizados pela grande mídia local que foi decisiva, junto com a justiça brasileira, para eleger Bolsonaro.

Em um ambiente assustador em todo o país, em março daquele ano a ativista pelos direitos humanos e vereadora socialista, Marielle Franco, foi baleada e morta por forças do Estado no Rio de Janeiro. Enquanto a cidade vinha sendo, mais uma vez na história recente, ocupada por militares supostamente para “combater o crime organizado”, sob uma forte campanha contra ideias e personalidades progressistas, baseada na violência.

Menos de um mês depois, diante da possibilidade de Lula ser libertado da prisão, o general do Exército Eduardo Villas Bôas, então Comandante do Exército, ameaçou gravemente o Supremo Tribunal Federal - que acabou não fazendo, então, justiça ao ex-presidente do Partido dos Trabalhadores. Apenas adiando isso para novembro de 2019.

Segundo Chomsky, comentando o encontro de Burns com Bolsonaro e, posteriormente, com ministros e altos oficiais militares, é provável que esteja ocorrendo uma conspiração no Brasil para dar continuidade ao golpe suave que derrubou a ex-presidente Dilma Rousseff, em 2016.

“Há motivos para se preocupar, que algum tipo de operação possa estar avançando dentro de um plano para levar adiante o 'golpe suave' da última década”, destaca o professor de Linguística da Universidade do Arizona.

Desde que assumiu o poder, Bolsonaro comete crimes sobre crimes contra o Estado de direito e está, segundo evidências, envolvido em corrupção e com as violentas milícias do Rio de Janeiro.

Surpreendentemente, ele não sofre impeachment. “Dentro da estrutura do sistema parlamentar, muitas barreiras podem ser impostas”, avalia Chomsky. Questionado se essas barreiras para impeachment Bolsonaro são um tanto "artificiais", Chomsky avalia da seguinte maneira: "Isso ainda pode ser um 'golpe suave', como o impeachment de Dilma por um bando de gangsters corruptos, por motivos fraudulentos."

"Bolsonaro já está trabalhando abertamente no descrédito, ao estilo de Trump, de uma eleição que ele não ganhe." Questionado se ele quer dizer que o presidente brasileiro sabe que vai perder, Chomsky responde: "Ele espera perder a eleição".

'Golpe militar Não Está Fora de Questão': Chomsky

Bolsonaro disse publicamente, em março passado, que "é fácil aplicar um golpe militar no Brasil." Em reunião com seus ministros em 2020, ele afirmou o mesmo, vazado para a imprensa.

Ele e os militares têm ameaçado o Estado de direito de inúmeras maneiras, inclusive invocando o artigo 142 da Constituição brasileira, conhecido como “Garantia da Lei e da Ordem”, ameaçando com golpe militar.

“Queremos fazer cumprir o artigo 142 da Constituição. Todos querem fazer cumprir o artigo 142 da Constituição. E, se necessário, qualquer um dos poderes [federais] pode, certo? Basta solicitar às Forças Armadas que intervenham [com golpe militar], para restaurar a ordem no Brasil", disse recentemente Bolsonaro, apenas repetindo velho dito seu.

O artigo 142 é uma séria "brecha" na Constituição brasileira, perigoso trecho em meio a uma sociedade que, historicamente, vê as Forças Armadas não como subordinadas ao poder civil, mas como guardiãs do Estado.

Questionado sobre a visita de Burns a Bolsonaro, levando em conta o contexto brasileiro, Noam Chomsky considera, também, que Bolsonaro e os militares podem estar avançando mais do que um "golpe brando": "Um golpe militar não parece fora de questão".

Diante de qualquer adversidade, o Bolsonaro reage cada vez mais ferozmente contra a democracia, com total impunidade.

Seus seguidores não são mais as quase 58 milhões votarantes no segundo turno das eleições de 2018, longe disso. Mas são suficientemente violentos para derrotar seus oponentes. Fortemente empoderados pelo obscuro entorno do presidente brasileiro.

Se nos Estados Unidos uma violenta tentativa de golpe por parte de Donald Trump e seus seguidores pôde ser evitada, foi devido às instituições democráticas relativamente fortes na América. Algo longe de ser o caso do Brasil.

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