O Bolsonarismo é um Balão Inchado?

O Bolsonarismo é um Balão Inchado?

Mário Maestri

Durante as eleições de 2018, propôs-se que o confronto era entre a civilização e a barbárie. Entre Haddad e Bolsonaro. Quase não se falou sobre o golpismo em consolidação. Jurou-se que a vitória de Bolsonaro abriria as portas para maré fascistizante de massa. Milhões de direitistas galvanizados pelo triunfo atacariam esquerdistas, sindicalistas, intelectuais, homossexuais. Promoveram-se cursos e intelectuais se especializaram sobre o fascismo . Muitos, que podiam, começaram a pensar no exílio. O Jean Wyllys e a Márcia Tiburi surfaram a onda e foram estudar no exterior, desde onde pontificam sobre a resistência. A consigna foi resistir, sem atacar: "Ninguém solta a mão de ninguém". 

O segundo governo golpista se instalou, montou ministério dos horrores, seguiu atacando os direitos da população, como o primeiro, de Temer. As privatizações dos bens públicos  e as  grandes iniciativas golpistas seguiram a trote-galope mas o tsunami dos camisas verde-amarelas jamais se materializou. Já no Carnaval, a rua deu seu veredicto. Milhões de foliões mandaram, em uníssono, o neo-presidente àquele lugar. Em vez de ordenar que suas tropas reprimissem o esculacho a porretes, o neo-presidente postou um videozinho pornográfico. Se fosse vivo, Mussolini perguntaria: - O que é isso, companheiro!?

A Banda de Música do Grande Capital

A destruição das condições de vida e existência da população e da nação seguiram o roteiro golpista e o consenso eleitoral obtido pelo Mito nas eleições, com apoio da  da mídia, do grande capital e do imperialismo, seguiu precipitando, apenas com velocidade menor. Em fins de agosto de 2019, apesar da tradicional boa vontade dos órgãos aferidores da opinião pública com o conservadorismo, registrou-se que os desgostosos com o governo superava os defensores, mesmo passivos. Se as eleições fossem hoje, o "fenômeno" não se elegeria, nem com a banda de música do grande capital.

Os sintomas de enfraquecimento do governo eram anteriores. O bolsonarismo jamais conseguiu construir uma base parlamentar sólida. O golpismo seguiu sendo dirigido no Parlamento por Rodrigo Maia e pelo Centrão, que fizeram não poucas desfeitas ao presidente - Coaf, emendas impositivas, porte de armas, acesso a informação, etc. Políticos, intelectuais e artistas bolsonaristas, em 2018, começaram, em 2019, a virar casaca ou mergulharam na clandestinidade -  o deputado pornográfico Alexandre Frota; o cineasta José Padilha; o jornalista Rodrigo Constantino são apenas exemplos excelentes. 

Alguns dos ratos mais graúdos, como o MBL e o próprio Temer, já tentam abandonar o barco que faz água. O presidente-vampiro da Paraíso da Tuiuti ganhou a taça da hipocrisia, ao propor que  jamais apoiou e que foi contra o golpe, morrendo de amores por Dilma e Lula. Centenas de milhares de direitistas de carteirinha juram agora que votaram no Amoedo, no primeiro turno, e em branco, no segundo. Com os olhos postos em 2022, o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, membro babando sangue, rompeu com o presidente troca-letras. O governador de Santa Catarina, o comandante Moisés, eleito pelo PSL, já procura um novo partido. Quatro presidenciáveis da extrema-direita - Witzel, Dória, Moro, Mourão - registram a falta de liderança hegemônica do paspalhão do Alvorada. A união da direita, em 2018, no segundo turno, explodirá, já no primeiro, nas eleições de 2020.

As propostas sobre um governo fascista ou semi-fascista, sustentado por base social militante de massas, mostraram-se fantasias infundadas. Atualmente, elas são mantidas apenas por aqueles que conviver e se acomodar ao golpismo, domesticando-o, em algo, se possível. Nesse caminho, propõem um frente anti-bolsonarista no qual cabem todos, mesmo os direitistas "democratas" e os golpistas "racionais". Todos contra Bolsonaro e sua família celular e ampliada. 

Bolsominis roxos

Mas se é verdade a proposta perda de apoio, quantos seriam os bolsominis roxos? E sobretudo, quem são eles? Essa tropa seria formada, segundo se propõe em artigos acadêmicos, textos políticos e postagens no Facebook, sobretudo por pobres inconscientes, por desempregados desesperados, por segmentos desfavorecidos da população, todos cativados pela demagogia extremista de direita. O núcleo duro do apoio ao Capitão Nero seria formado, realmente, por setores populares desesperados e pouco instruídos.

Segundo parece, esse retrato falado do apoiador fechado do presidente iletrado se afasta muito da realidade. Estudo apoiado no levantamento do Datafolha de 29-30 de agosto  restringiu os  adeptos "duros" de Bolsonaro a 12% do eleitorado.  E, na outra margem do rio, os opositores sem contemplação, que o veem como a incarnação do mal e do capital,  seriam mais de 30%! Ou seja, como vão as coisas, logo a vanguarda da resistência intransigente será três vezes superior à dos bolsominis incondicionais! 

O perfil dos 12% de adoradores do Mito surpreende mais mais que a rápida retração numérica de suas filas. O núcleo duro seria  formado sobretudo por homens maduros - apenas 5% dos incondicionais tem de 16 a 24 anos, enquanto  19% estariam na faixa de 60 ou mais anos. Portanto, o ideário bolsonariano penetraria com dificuldade a juventude e se aninharia melhor entre os mais idosos. E as mulheres  parecem não querer nada com ele, o que já era sabido. 

Ricos que querem ferrar os pobres

Apenas 5% dos camisas verde-amarelas duros e puros ganhariam um salário mínimo, enquanto 25% possuiriam renda superior a dez mínimos. Assim sendo, o trabalhador explorado pode até votar no homem, empurrado pela mídia, mas não se abraça e morre de amores por ele. E,, já começa sentir a vontade de chutá-lo! No mesmo sentido, o eleitorado com formação educacional superior [16%] supera os com apenas o ensino fundamental [12%]. E como o primeiro núcleo é nacionalmente muito inferior ao segundo [apenas 15% dos brasileiros tem um diploma superior], os diplomados seriam uma das trincheiras bolsominis! 

Quanto à cor, brancos e pretos [somados aos pardos] se equilibrariam. E, para os que não acreditam na consciência, mesmo inconsciente, da população brasileira, os trabalhadores sem carteira não gostariam nem um pouco do homem [8%], os com carteira apenas um tiquinho mais [12%], dominando no apoio do Capitão Nero os empresários [32%]. As donas de casa não  o querem ver, contando ele com maior sustentação entre os  aposentados. Porém, cruzando os dados, o apoio seria sobretudo entre os bem aposentados! Dentre os 12% dos ainda fiéis, 23% seriam neopentecostais, porcentagem importante. Os sem religião, ao contrário, seriam 7%, valor que corresponde ao dos  descrentes no país  -  8%, 

Homem, maduro, instruído, bem pago, rico e pentecostal seria o perfil dominante do apoiador incondicional de Bolsonaro, fatia reduzida a uns  12% do eleitorado em fins de agosto de 2019. Ou seja, a pregação e o programa liberal extremada bolsonarista expressa político-ideologicamente, no geral, o setor dominante do núcleo duro que o sustenta. Trata-se, portanto, de movimento que tem o apoio eleitoral incondicional dos ricos que querem trotar, no rústico calçamento de pedra do capitalismo brasileiro, ferrando literalmente os trabalhadores e a população.

Porém, por duas grandes razões, esse núcleo duro pode debandar como  rebanho de bovinos assustados, enviando o  Profeta ao seu redil inicial de milicianos,  policiais desviados e militares golpistas. Com o aprofundamento da  crise econômica e social, parte dos atuais intransigentes tende a retrair-se. E os pequenos e médios empresários estão sendo atingidos na raiz de seus privilégios sociais - suas empresas. Sobretudo, com a fragilização de Bolsonaro como direção do segundo governo golpista, os apoiadores ricos e instruídos migrarão, sem constrangimentos, em direção de liderança de burguesa alternativa. Em movimento de manada, tomarão o sentido contrário na estrada que os levou a aderir ao desconjuntado candidato em 2018.

O Mito Esfaqueado

Bolsonaro tem radicalizado e não moderado seus pronunciamentos estrambólicos, consciente da  impossibilidade de conquistar o apoio de larga faixa da população. Isso só seria possível com o recuo acelerado do desemprego e melhorias substantivas das condições de vida da população. Como o golpismo aponta em sentido oposto, o Mito esfaqueado centra-se na alimentação-defesa do núcleo duro de seu eleitorado. Com ele, procura proteger-se de substituição  vinda do interior do golpismo e impedir que as eleições de 2020 explicitem a crise de seu apoio.

Sobretudo, a reafirmação do bolsonarismo de "raíz" procura constituir um partido de extrema-direita duradouro. Entretanto, a pregação irracional, misógina, homofóbica, anti-democratica, privatista radical, tendo como guru o astrólogo Olavo de Carvalho e quadros iluminados com os filhos um, dois e três; Damares, a virgem da Goiabeira; Salomão, o Ignorante; Ernesto Araújo, o chanceler de bolso, e tanto outros de igual jaez, não consolida movimento sem o apoio substancial do grande capital, que não aposta em cavalo manco. Ainda mais quando o fuhrer verde-amarelo é um afásico e analfabeto funcional, incapaz de memorizar o hino nacional, após fazê-lo, por anos, ao amanhecer, no quartel de onde foi expulso. 

É difícil negar a crescente fragilidade de Jair Bolsonaro. Já um pouco grogue, contra as cordas, não cai de nariz na lona por que ninguém o saqueia forte. O golpismo deixa tudo para depois da aprovação da destruição da previdência, da reforma fiscal, das últimas grandes privatizações. Mede o custo-benefício de mantê-lo ou substituí-lo antes de 2022. Despreocupa-se com umaa queda impulsionada pela população, que o faria também recuar, pois a oposição parlamentar se nega a exigir o "Fora Bolsonaro, eleições limpas já!", já que, em verdade, tem coisa melhor a fazer. Preocupa-se com a participação nas s eleições de 2020, esperando 2022, seja lá como aquele ano chegar.  Eleger-se, é preciso! Derrubar Bolsonaro e o golpe, não é preciso. [Duplo Expresso, 19.09.2019.]

  

Mário Maestri, 71, historiador, é autor de: Revolução e contra-revolução no Brasil. 1530-2018. https://clubedeautores.com.br/livro/revolucao-e-contra-revolucao-no-brasil#.XW2RdS3Oogt

 

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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