"Robber Barons" e o Brasil no século XX
por Pedro Augusto Pinho*
A história dos Estados Unidos da América (EUA) registra, no início de sua industrialização, diversos empreendedores, sempre alimentados pelo Estado Nacional, que ficariam conhecidos como "robber barons" (barões ladrões). Alguns tiveram notoriedade política, mas suas famílias ficaram conhecidas pela fortuna que acumularam: John Pierpont Morgan, Andrew Carnegie, Cornelius Vanderbilt, John Davison Rockefeller, Andrew Mellon, Charles Michael Schwab, Éleuthère Irénée Du Pont de Nemours e poucos outros.
Foram estes "pais da pátria" e a mídia de William Randolph Hearst e Joseph Pulitzer que colocaram, no pânico financeiro de 1893, a culpa nos socialistas, quando a recessão lançou 20% da população no desemprego.
Vê-se que as palavras e ações de Bolsonaros, antecessores e seguidores, precedem a própria revolução comunista de 1918. Estes empresários não conseguem assumir que usam o Estado para enriquecer e o culpam quando a tragédia provocada por suas ações revolta o povo.
Os "robber barons" originais também impulsionaram os EUA para guerra.
Narrando estes primórdios estadunidenses, escrevem Oliver Stone e Peter Kuznick (A História não Contada dos Estados Unidos, Faro Editorial, SP, 2015):
"Os socialistas, os sindicalistas e os reformistas norte-americanos protestavam, afirmando que as depressões cíclicas do capitalismo resultavam do subconsumo da classe trabalhadora. ..... Os líderes da classe trabalhadora defendiam a redistribuição da riqueza, de modo que os trabalhadores tivessem condições de comprar os produtos que produziam nas fazendas e fábricas norte-americanas".
Hoje poderíamos dizer: bons tempos em que os assaltantes do Estado se preocupavam em produzir.
Continuemos esta triste saga.
Ainda no final do século XIX, os "robber barons" e seus descendentes lançaram-se a conquista de mercados e mercadorias no exterior. Foi o exemplo europeu, enriquecer com a exploração colonial, influenciando os oligarcas estadunidenses.
A Ásia era o caminho natural de quem conquistava a oeste. E, como afirmam Stone & Kuznick, "o lucro estava no exterior, no comércio, na mão de obra barata e nos recursos baratos".
Em 1898, os EUA anexaram o Havaí. Forja-se uma situação de sabotagem pelos espanhóis, para justificar a "anexação" de Cuba, onde Rockefeller e Morgan tinham milhões de dólares investidos. E Cuba sai da exploração espanhola para a estadunidense. Explica-se, muito mais do que pela ideologia, o ressentimento e a vingança dos barões a Fidel Castro e ao povo cubano.
E, a partir do século XX, a guerra entra nos negócios dos EUA. Já não mais disfarçada em lutas pela liberdade ou democracia, mas para o enriquecimento da classe que tomara o poder no país. Um ponto alto desta relação será o "complexo industrial militar", impulsionador das guerras fria e das quentes na Ásia (Coreia e Vietnã).
No entanto, um outro poder, nascido e criado na Inglaterra, sustentado pela dívida, o financismo - que denomino "banca" - se empoderava nas fraquezas do industrialismo que era e é avaro na distribuição dos lucros, como já apontavam os sindicalistas no século XIX.
A banca vai se empoderando e, com Ronald Reagan, toma os EUA. Há uma revolução entre os "quatrocentos", como também se denominavam os antigos oligarcas. Ficam os que foram trocando as indústrias pelos bancos e financeiras, como os descendentes de J.P. Morgan e Charles M.Schwab.
Cito novamente Stone & Kuznick:
"Qual o verdadeiro legado de Reagan? .... investiu imensa quantidade de dinheiro nas forças armadas e, ao mesmo tempo, cortou programas sociais para os pobres. Reduziu os impostos dos ricos, dobrou tanto o orçamento militar como a dívida nacional, e, numa mudança revolucionária, transformou os Estados Unidos de maior credor mundial, em 1981, em maior devedor mundial, em 1985.
Reagan desregulamentou diversos setores da economia, erodiu as normas ambientais, arrancou de propósito as placas solares que Jimmy Carter colocara no telhado da Casa Branca, enfraqueceu a classe média, opôs-se aos sindicatos, incrementou as divisões raciais, aumentou a diferença entre ricos e pobres. Desregulamentou instituições de poupanças e empréstimos, levando ao primeiro resgate financeiro pelo governo de bancos "muito grandes para quebrar". Em 1995, isso custaria 87 bilhões de dólares aos pagadores de impostos".
E, ainda: "sob o pretexto da privatização e com o apoio da exaltação de Reagan em favor das forças do mercado, Wall Street entrou numa farra de pilhagem do tipo "a ganância é uma coisa boa", o que resultou, em outubro de 1987, no pior colapso da Bolsa de Valores desde a Grande Depressão".
Classifico a "Segunda-feira Negra" como a primeira "crise para o crescimento", da banca. A Bolsa de New York tem os ativos depreciados em 22,6% (Pedro Augusto Pinho, A Banca e as Informações Enganosas, Dinâmica Global, 17/01/2019).
E, sendo um governo da banca, Reagan ataca a imprensa, restringe a comunicação de massa às divulgações de interesses das finanças. Frauda as informações. Em Stone & Kuznic:
"Num presente de despedida para os futuros conservadores, em 1987, a Federal Communications Commission, com a ajuda de Reagan, revogou a Fairness Doctrine (princípio da imparcialidade), que exigira que as emissoras de rádio e tv, desde a década de 1940, oferecessem cobertura adequada e imparcial para pontos de vista antagônicos sobre questões de importância pública.
Enfatizando medos, ressentimentos e aversões ao governo, no final dos anos 1990, o Clear Channel, a Fox News, de Rupert Murdoch, a Talk Radio Network, a Salem Radio, a USA Radio Network e a Radio América, e também, uma proliferação de redes de tv a cabo criaram um movimento que reduziria muito o nível do discurso político norte-americano e condenaria as perspectivas de uma mudança progressista".
O Brasil, no século XXI, resolveu eliminar a esquerda. Como na França, de Mitterand a Hollande, direita e esquerda tinham a mesma política financeira pró banca. Quando muito algumas questões sociais as diferenciava, nunca as questões nacionais. Hoje, os coletes amarelos discutem questões do Estado, no Brasil os sem coletes discutem o azul e o rosa (!).
Sites de negócios e alguns, poucos, analistas mais escrupulosos, alertam para a crise financeira que nem a entrega das reservas de petróleo do Brasil conseguirá estancar.
E, por outro lado, parece que todo governo Bolsonaro pretende entregar as comunicações de massa a igrejas da caixinha, associadas à banca e, aparentemente, à lavagem de dinheiro do tráfico de droga.
E a industrialização brasileira, única capaz de solucionar as questões de emprego e renda, sem comoção social, fica subordinada ao cassino da banca e à corrupção política, ressuscitando os financiamentos de campanha, onde o caixa 2 deixa de ser criminalizado.
Concluo com Oliver Stone e Peter Kuznick em frase que pareceria, não fosse a lembrança de Teddy Roosevelt, dirigida ao Brasil de 2019:
"a diferença entre ricos e pobres alcançara proporções obscenas. Os "malfeitores da riqueza", como Teddy Roosevelt os qualificou, não tinham de violar a lei para pilhar a economia. Eles, por meio de seus advogados, lobistas e legisladores escolhidos a dedo, escreveram as leis preventivamente".
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