Brasil: A tortura esquecida

Brasil: A tortura esquecida

Quando era vereador de Porto Alegre, o hoje deputado Pedro Ruas propôs que a Prefeitura desapropriasse o casarão do número 600 da Rua Santo Antônio, a uma quadra da Avenida Independência, para transformá-lo num Museu da Memória, mas pelo jeito a ideia não prosperou.

No local, nos primeiros anos da ditadura, entre 1964 e 1966, funcionou um centro clandestino para prisão e tortura de pessoas opositoras do golpe.

Como havia o DOPS (Departamento de Ordem Política e Social) da polícia gaúcha, onde os presos políticos (principalmente comunistas e brizolistas) eram mantidos publicamente sob custódia, mas também torturados clandestinamente, os militares do Exército montaram uma estrutura paralela, onde podiam esconder os seus presos sem que seus familiares e amigos pudessem saber onde estavam.

Ironicamente, chamaram o local de Dopinha, criando para os presos uma graduação no mundo subterrâneo da repressão: nos dois, os presos eram torturados, mas no DOPS oficial, outras pessoas, pelo menos sabiam onde eles estavam presos.

No Dopinha, tudo era clandestino e sua estrutura só se tornou conhecida quando do caso do sargento Raimundo, que apareceu morto no Guaíba com as mãos amarradas e ficou se sabendo que ele tinha sido uma das vitimas do Dopinha.

Enquanto no Brasil se pratica a política do esquecimento, na vizinha Argentina a situação é bem diferente.

Em Córdoba, a segunda cidade do país em população (3 milhões de habitantes)  existe um museu destinado a lembrar às novas gerações o horror da sua longa ditadura militar.

 No prédio do Cabildo, uma pequena porta, na Pasage Santa Catalina, que liga a Plaza San Martin à Plazoleta del Fundador, ao lado da sua imponente catedral, era a entrada para o local onde funcionou durante 10 anos o Departamento de Informações da Polícia, um eufemismo para indicar que no local se instalou um Centro Clandestino de Tortura e Extermínio.

Segundo dados do próprio Centro, entre os anos de 1971 e 1982, passaram pelo local cerca de 20 mil pessoas. Eram pessoas, na maioria jovens estudantes, acusados de praticar um delito tipificado genericamente como "la subversión" .

Na Argentina, a perseguição ideológica contra grupos políticos considerados "peligrosos", tem sua origem na chamada "Ley de residência", aplicada contra imigrantes anarquistas e socialistas desde o início do século XX. 

Hoje, o próprio local onde funcionava este centro clandestino se transformou no chamado "Museo de la Memoria". O local foi mantido praticamente igual à época da ditadura. Apenas partes das paredes foram demolidas, para que os visitantes possam ter uma visão mais completa desse mundo infernal.

Foi a sociedade civil organizada, através de associações de ex-presos políticos, familiares de desaparecidos e presos por razões políticas e a Universidade Nacional de Córdoba, que levou os poderes executivo, legislativo e judicial a dar vida a este museu.

Nele está contada toda a história desses anos de terrorismo do Estado contra os cidadãos. Numa das salas que mais emocionam os visitantes, estão afixados nas paredes os retratos de pessoas ainda "desaparecidas" depois de 30 anos, enquanto pelas mesas se espalham álbuns e diários que contam a história de suas vidas interrompidas abruptamente pela violência policial.

Em outra, denominada apropriadamente "sala de escrache", é exposta a história do "Departamento de  Informaciones de la Policía de Córdoba", com um organograma de seu funcionamento e as fotos dos repressores que fizeram parte do grupo operativo que atuou nesse local.  

Já que a prefeitura, na administração passada, foi incapaz de levar a ideia adiante e possivelmente a atual, não teria nenhum interesse no assunto, por que as entidades que defendem os direitos humanos, os partidos políticos que combateram a ditadura, as associações que representam os jornalistas, a Universidade Federal, através do seu curso de História, não seguem o exemplo de Córdoba e criem um projeto semelhante para Porto Alegre?. 

Marino Boeira é jornalista, formado em História pela UFRGS

 

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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