O nazismo esteve para Einstein, como o fascismo está para o Almirante Othon

"O único modo de escapar da corrupção causada pelo sucesso é continuar trabalhando", afirmou Albert Einstein. Não sei se o Almirante Othon Pinheiro da Silva conhece a frase do consagrado cientista alemão, sei apenas que as minhas observações sobre sua conduta me levam a crer que ele sempre agiu de acordo com esse preceito einsteiniano.

por Fernando Soares Campos

O almirante e cientista Othon Luiz Pereira da Silva (77 anos),  ex-presidente da estatal Eletronuclear, foi alvo da Operação Lava Jato, preso e condenado a 43 anos de prisão, acusadode crime de corrupção passiva, entre outras imputações de conduta delituosa, tais como:lavagem de dinheiro, embaraço às investigações, evasão de divisas e participação em organização criminosa. Tudo relacionado com empreiteiras que executam as obras da Usina Nuclear Angra 3, principalmente em contratos firmados com a empreiteira Andrade Gutierrez.

A denúncia contra o cientista foi acatada pelo juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba, em setembro de 2015, porém o ministro Teori Zavascki,  relator dos processos da Operação Lava Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), transferiu o caso Othon para a 7ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro, sob a titularidade do  juiz Marcelo da Costa Bretas, a quem coube a decisão condenatória.  

A acusação de corrupção passiva diz respeito ao recebimento de propina num total de R$ 4,5 milhões. A defesa do almirante Othon afirma que os repasses feitos por empreiteiras para a Aratec Engenharia Consultoria & Representações, empresa criada por ele, estão relacionados a serviços de tradução prestados por sua filha, em 5 anos de trabalho, entre 2009 e 2014.

Ana Cristina Toniolo, filha de Othon, também condenada a 14 anos de prisão em regime fechado, é engenheira e tradutora de documentos técnicos da área de engenharia, portanto não se trata de traduções comuns, mas, sim, um trabalho que exige alta qualificação do tradutor, conhecimentos específicos e habilitação profissional que possa lhe conferir crédito para a sua realização, além de que os pagamentos não foram feitos diretamente a um profissional liberal, mas, sim, a uma empresa legalmente estabelecida. "A Aratec não é uma empresa de fachada",afirmam os advogados.  A empresa foi fundada quando o almirante foi reformado (é como se designa aposentadoria de militar), em 1994.

Uma mídia extremamente factual e sucinta

 

Por que o caso do almirante Othon não é tratado pela mídia empresarial com os mesmos destaques que ela dedica a determinados elementos envolvidos em esquemas de corrupção na Petrobras, investigados pelos agentes da Polícia Federal que atuam na Operação Lava Jato e denunciados pelo Ministério Público Federal?

 

O caso Othon, ou melhor, o escândalo da Eletronuclear foi noticiado de maneira a fazer o público absorvê-lo simplesmente como mais uma ação da Operação Lava Jato, que teria culminado com a prisão de agente público supostamente envolvido com os escândalos da Petrobras. Hoje uma ínfima parte da população brasileira tem algum conhecimento de detalhes desse caso. Prova disso tive ontem, quando, conversando com um jovem médico, constatei que ele desconhecia qualquer informação sobre esse episódio da espetaculosa Operação Lava Jato.

 

Excetuando as poucas especulações e mesmo suspeições levantadas por alguns veículos da chamada mídia progressista, o caso do mais brilhante cientista brasileiro na área de pesquisa de energia nuclear foi noticiado pela imprensa empresarial em seus portais na internet através de pequenas e poucas reportagens, mesmo assim, apenas nos momentos em que os fatos aconteciam, logo as notícias cessavam, dando lugar a inúmeras matérias sobre delações que pudessem envolver os nomes do ex-presidente Lula e da presidenta Dilma, mesmo que fosse apenas o palpite de um delator insinuando que os dois "provavelmente" sabiam das falcatruas que os corruptos aprontavam na estatal. Uma dessas ilações chegou a ser manchete de jornais e revistas como se fosse fato comprovado: "Eles sabiam de tudo", escrito entre as imagens de Lula e Dilma.     

 

O almirante cientista com a CIA nos seus calcanhares

 

"Formado em 1966 em Engenharia Naval pela Escola Politécnica de São Paulo, com especialização no Instituto de Tecnologia de Massachusetts em 1978.

 

"Foi o fundador e responsável pelo Programa de Desenvolvimento do ciclo do combustível nuclear e da propulsão nuclear para submarinos da Marinha do Brasil entre 1982 e 1984. Os detalhes deste programa foram mantidos sob sigilo de Estado durante a ditadura militar [até o presente, o são]. O programa levou ao desenvolvimento de centrífugas de enriquecimento de urânio. Foi diretor de pesquisas de reatores do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares entre 1982 e 1984. Durante esta época foi ativamente vigiado pela CIA que mantinha um agente, Ray H. Allar, morando no apartamento ao lado daquele do almirante em São Paulo. Junto com Marcos Honauser, Othon controlava contas secretas pela qual eram aplicadas verbas em programas nucleares paralelos. Descoberto pela jornalista Tânia Malheiros, que publicou o livro "Brasil, a Bomba Oculta", o caso foi alvo de inquérito, arquivado em 1988 pelo procurador Sepúlveda Pertence [grifo nosso]

 

"Em 1994 se aposentou como vice-almirante e abriu uma empresa de consultoria para projetos na área de energia." (Wikipédia, verbete Othon Luiz Pinheiro da Silva)

  

Apesar de o Programa de Desenvolvimento do Ciclo do Combustível Nuclear e da Propulsão Nuclear para Submarinos, implementado pelo governo brasileiro, ter caráter pacífico, objetivando apenas a geração de energia, tal atividade desperta a atenção de outros países, que alegam possível criação de armas nucleares, contudo esse argumento visa tão somente impor obstáculos ao programa brasileiro, visto que o avanço do Brasil nessa área pode gerar implicações de ordem econômico-financeira e possível ascensão do nosso país em liderança geopolítica.

  

Analogia por semelhança entre os casos e por fatos opostos

 

O nazismo esteve para Einstein, assim como o fascismo caboclo do Brasil está para o Almirante Othon Pinheiro da Silva. A diferença está nos aliados a quem o almirante poderia hoje recorrer. Se Einstein refugiou-se nos Estados Unidos para escapar da Alemanha nazista, Othon, para se livrar da perseguição do fascismo caboclo, teria atualmente a opção de buscar refúgio na Rússia ou no Irã.

 

A perseguição e prisão do almirante Othon também podem ser compreendidas como um caso às avessas do caso Julius e Ethel Rosenberg, acusados de espionagem e revelação de segredos científicos para instituições de pesquisa nuclear da antiga União Soviética (URSS), o que pode ter sido a chave que os soviéticos precisavam para fabricar a bomba atômica. Os dois foram condenados à morte e executados em cadeira elétrica, na prisão de Sing Sing, EUA, em 1953. O próprio Einstein protestou veementemente contra a condenação do casal.

 

Por que afirmo que se trata de casos opostos? Porque as acusações de lá e de cá são esdruxulamente díspares. Enquanto o casal Rosenberg foi acusado de entregar segredos científicos da área de estudos da energia nuclear ao inimigo, o cientista almirante Othon se recusou a revelar ou vender os segredos do desenvolvimento de centrífugas de enriquecimento de urânio e de propulsão nuclear para submarinos aos americanos, que já possuem suas próprias tecnologias nessa área há muitos anos, porém o que aqui em nosso país se desenvolveu interessa a eles, como já afirmei, por questões econômico-financeiras e geopolíticas.

 

A delação e a ilógica de propina para enriquecimento ilícito

 

Rogério Nora de Sá, ex-presidente da Andrade Gutierrez, delator na Operação Lava Jato, declarou à Justiça Federal que o almirante Othon, na condição de presidente da Eletronuclear, pediu "contribuição política" para o PT e para o PMDB, além de "contribuição científica" para seus próprios "projetos futuros", o desenvolvimento de turbinas. "Rogério disse ter concordado com o pedido, sendo definido que, quando os contratos passassem a ter eficácia, haveria o pagamento da 'contribuição política' e da 'contribuição científica'".

 

"Indagado a respeito do benefício que a Andrade Gutierrez esperava ter ao realizar os pagamentos de propina para Othon Luiz, Rogério Nora respondeu que não esperava benefício em relação à lucratividade da obra, mas sim que a empresa não fosse prejudicada ou sofresse algum tipo de represália que atrapalhasse o seu andamento. Ao final, esclareceu não ter participado de qualquer situação ilícita envolvendo a licitação para a montagem eletromecânica." Assim declarado, consta do depoimento do delator. Nisso não se pode afirmar que Othon tenha achacado o executivo. Deduz-se apenas que Rogério Nora deve ter amargas experiências em relacionamento com responsáveis pela fiscalização de obras executadas por sua empresa, elementos que tenham criado obstáculos, reprovando métodos, equipamentos, produtos e serviços, sob a alegação de que não atendiam especificações e normas técnicas, até que uma polpuda propina fosse paga para aprovação das etapas realizadas e liberação das parcelas de pagamento.

 

A acusação aponta que Othon "determinou a abertura de contas bancárias das offshores Hydropower Enterprise Limited para lavar parte dos ativos sujos oriundos dos crimes praticados em detrimento da Eletronuclear".

 

Esse fato lembra o que ocorreu entre os anos 1980 e 90, quando Othon controlava contas secretas pela qual eram aplicadas verbas em programas nucleares paralelos. Descoberto pela jornalista Tânia Malheiros, que publicou o livro "Brasil, a Bomba Oculta", o caso foi alvo de inquérito, arquivado em 1988 pelo procurador Sepúlveda Pertence.

 

Em trecho da sentença, o juiz federal Marcelo da Costa Bretas afirma que o réu "atuou ativamente na organização criminosa criada para fraudar contratos da Eletronuclear (...), isso com o fim de obter, já na fase derradeira de sua vida profissional, vantagens indevidas, possivelmente para garantir uma aposentadoria mais confortável, usando para tanto sua notoriedade profissional e importância do cargo, fato que considero altamente reprovável".

 

Até posso imaginar que o militar tenha proposto ao executivo a tal "contribuição para projetos futuros", mas é evidente que o almirante e cientista Othon Pinheiro da Silva não precisaria se arriscar recebendo propinas de empreiteiras brasileiras para enriquecimento ilícito, simplesmente porque, se ele quisesse se tornar mais abastado do que já era ou mesmo multimilionário, bastaria entregar os segredos industriais dos programas de desenvolvimento de tecnologia para a produção de urânio enriquecido e propulsão nuclear de submarinos a empresas e governos estrangeiros sofregamente interessados em obtê-los, além da prestação de consultoria e assessoria técnica, segredos esses até hoje protegidos por lei e, em certos detalhes, conhecidos apenas pelo próprio almirante Othon.

 

A diferença entre a centrífuga norte-americanas e a desenvolvida no Brasil está no custo, conforme Othon compara: "Digamos que sejam necessárias 20 centrífugas brasileiras para produzir o que uma americana produz. Acontece que o custo de 20 brasileiras é menor que o de uma americana".


Em 1994, o Vice-Almirante Dr. Othon Pinheiro da Silva, com 55 anos, teve de deixar o projeto ao completar seu tempo de serviço militar ativo. Os detalhes desse projeto ainda são mantidos a sete chaves, sob pena de prisão pelo vazamento de segredos científicos.

 

Othon jamais entregou o ouro ao bandido, entretanto, 21 anos depois de se reformar, foi preso por, talvez, ter pedido a um megaempresário contribuição para manter seu sonho, a autonomia do nosso país na produção de itens fundamentais, no campo da energia nuclear, com tecnologia própria. Isso é muito provável que tenha acontecido. Pena que as investigações não caíram nas mãos de um novo Sepúlveda Pertence.

 

*** 

Jornal GGN - SEG, 01/12/2014 

 

Quem é Othon Luiz Pinheiro da Silva?

  

ENVIADO POR ATHOS 

 

No dia 14 de Setembro desse ano (artigo de 2011), o Dr. Othon Luiz Pinheiro da Silva recebeu o título de Pesquisador Emérito do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN) durante a comemoração dos 55 anos do instituto (veja o evento nesse link). Chamado até de "lenda viva" na cerimônia, há quem diga que conhecer a carreira de Othon é conhecer a História da energia nuclear no País.  

 

E você leitor, sabe quem é "esse cara"?

CURRICULUM VITAE

Nascido em 1939 em Sumidouro (RJ), Othon formou-se pela Escola Naval em 1960, iniciando sua carreira na Marinha no quadro de Oficiais do Corpo da Armada. Formou-se em Engenharia Naval pela Escola Politécnica de São Paulo em 1966, atuando como engenheiro naval do Arsenal da Marinha do Rio de Janeiro (AMRJ) entre 1967 e 1974. Em 1978, Othon obteve sua especialização em engenharia nuclear no Massachussetts Institute of Technology (MIT). 

Foi Diretor de Pesquisas de Reatores do IPEN entre 1982 e 1984 e foi fundador e responsável pelo Programa de Desenvolvimento do Ciclo do Combustível Nuclear e da Propulsão Nuclear para Submarinos entre 1979 e 1994. Exerceu o cargo de Diretor da Coordenadoria de Projetos Especiais da Marinha (COPESP), atual Centro Tecnológico da Marinha em São Paulo (CTMSP), de 1986 a 1994. 

É o autor do projeto de concepção de ultracentrífugas para enriquecimento de urânio e da instalação de propulsão nuclear para submarinos. 

Atingiu, na Marinha do Brasil, o mais alto posto para os Engenheiros Navais: o de Vice-Almirante. 

Desde outubro de 2005, exerce a presidência da Eletronuclear - Eletrobrás Termonuclear, empresa sediada no Rio de Janeiro, responsável pela construção e pelo gerenciamento das usinas nucleares brasileiras. 

Já recebeu diversos prêmios, entre os quais a Grã-Cruz da Ordem Nacional do Mérito Científico por serviços prestados à ciência e à tecnologia, prêmio este oferecido em 1994 pelo então presidente da República Itamar Franco.


OTHON E O PROGRAMA NUCLEAR DA MARINHA

"Othon começou o projeto de separação isotópica do Urânio com muita criatividade, liderança e engenharia reversa", disse o Dr. Spero Penha Morato, ex-superintendente do Ipen, em seu discurso em homenagem ao Dr. Othon, na cerimônia de entrega do título de pesquisador emérito. 

O projeto, que começou em 1979, produziu os primeiros resultados em laboratório já em 1982: a conversão do yellowcake (U3O8) em hexafluoreto de urânio (UF6), etapa que antecede o enriquecimento isotópico. O passo seguinte foi a produção de 24 toneladas de hexafluoreto de Urânio através do financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Para o enriquecimento isotópico, Othon desenvolvia, paralelamente à conversão e de forma secreta, centrífugas de última geração, com mancais magnéticos que minimizam o atrito. A única forma de entender rapidamente o funcionamento destes mancais naquela época era serrando uma bomba de vácuo com o mesmo tipo de mancais que havia no IPEN. E Othon fez isso, irritando, claro, muitas pessoas no projeto. Mas, foi com lances ousados como este - acrescentou o Dr. Spero Morato - que Othon pôs o seu projeto para frente.

O jornalista Lourival Sant'anna publicou, em 2004, uma reportagem no jornal O Estado de São Paulo revelando alguns fatos interessantes que marcaram o projeto. Reproduzo, abaixo, boa parte dessa matéria.

Em 1974, Othon Luiz Pinheiro da Silva, então um capitão-de-corveta de 35 anos, foi escalado para acompanhar a construção de submarinos brasileiros da classe Tonelero num estaleiro da Inglaterra. O jovem oficial estava indo a contragosto. Um mês antes de sua sombria partida, no entanto, um almirante sugeriu ao então ministro da Marinha, Geraldo Azevedo Henning, que o enviasse para o Massachusetts Institute of Technology, nos EUA, para uma pós-graduação em engenharia nuclear.

O ministro Henning, que havia feito uma viagem da Bahia para o Rio em um submarino nuclear americano e ficara entusiasmado, acatou a sugestão. Até então, o contato mais estreito de Othon com energia nuclear tinha sido uma visita ao reator do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), em 1967, quando terminava o curso de engenharia naval na Politécnica da USP.

O Brasil já havia comprado em 1972 o reator de Angra 1, da americana Westinghouse, com a promessa de fornecimento de combustível - processado nos EUA - por 30 anos. Mas, em 1974, começou-se a levantar dúvidas sobre as garantias desse fornecimento. No ano seguinte, o general Ernesto Geisel firmava o acordo nuclear com a Alemanha, que incluía não só as centrais, mas também o ciclo de enriquecimento de urânio.

Até a década de 70, o minério era enriquecido por "difusão gasosa". Um novo método, mais eficiente e econômico, o da ultracentrífuga, vinha sendo desenvolvido, e o primeiro a dominá-lo em escala comercial foi o consórcio Urenco, formado por Inglaterra, Holanda e Alemanha. O Brasil queria essa tecnologia.

Na última hora, no entanto, os alemães informaram que não poderiam incluí-la no pacote, porque a Holanda, por pressão americana, tinha vetado sua venda ao Brasil. Em seu lugar, os alemães ofereceram aos brasileiros o jet nozzle, um método "muito promissor", segundo eles, de separação do urânio 238 do 235. Enriquecer urânio é aumentar o teor de 235. Na natureza, o urânio 235 representa apenas 0,7% do minério e o 238, os outros 99,3%. "Quem tivesse feito um curso razoável de física no ensino médio já não compraria esse método", ironiza Othon. O professor Manson Benedict, um papa do MIT em energia nuclear, deu na época uma aula sobre o jet nozzle, concluindo: "Os brasileiros acreditaram e compraram isso".

Em 1979, quando Othon voltou ao Brasil, a Marinha não sabia o que fazer com ele. Depois de quatro ou cinco dias de hesitações, levaram o recém-promovido capitão-de-fragata até o diretor-geral de Material da Marinha, o almirante Maximiano da Fonseca. "Você, que cursou esse negócio, quais as nossas chances de ter uma produção nuclear aqui no Brasil?", perguntou-lhe, de chofre, o almirante. Othon pediu três meses para redigir um relatório. O oficial ficou subordinado à Diretoria de Engenharia. Ao se apresentar, ouviu de seu novo chefe: "Evidentemente não pode ficar um oficial por conta só dessas coisas nucleares". Othon passou a dividir sua carga horária com o cargo de gerente de um projeto de navio de apoio fluvial. Assim começava o programa de pesquisa nuclear brasileiro: com um oficial em meio expediente.

Othon propôs que o Brasil desenvolvesse sua própria tecnologia. Em outubro de 1978, o então contra-almirante Mário César Flores, do Estado-Maior da Marinha, convocou Othon para dar explicações, depois de ouvir especialistas. A caminho de Brasília, Othon se encontrou no aeroporto com o comandante João Maria Didier Barbosa Viana, que também tinha feito engenharia nuclear no MIT. "Segui o seu caminho", contou-lhe Othon. "Então você deve estar indo a Brasília pelo mesmo motivo que eu", especulou Didier. "Tem um louco dizendo que é possível desenvolver o ciclo do combustível nuclear no Brasil."

Othon passou o dia inteiro respondendo às perguntas que um capitão-de-mar-e-guerra pós-graduado em Monterey (Califórnia) formulava, enquanto Flores fingia ler um jornal. O oficial saiu com a sensação de que tinha ido a Brasília à toa. Pouco mais de um mês depois, foi chamado de novo. "Vai ser outra chatice", pensou. "Este oficial foi escalado para uma das missões mais importantes que um oficial da Marinha já teve no Brasil", anunciou solenemente o vice-chefe do Estado-Maior da Marinha, Arthur Ricart da Costa, apresentando Othon ao seu chefe, o almirante Carlos Auto de Andrade. "Deus o ilumine."

Othon veio para São Paulo e começou a "costurar alianças" com instituições como o Ipen, o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) e o Centro Técnico Aerospacial (CTA), em São José dos Campos, que estava desenvolvendo um método de enriquecimento de urânio com raio laser. Depois de consultar especialistas, Othon constatou que a opção do laser não seria viável nos próximos 20 anos, e se fixou na ultracentrífuga.

O objetivo último da Marinha era desenvolver reatores e todos os demais equipamentos da propulsão para submarinos movidos a energia nuclear. Se um submarino movido a diesel - como os que o Brasil usa - partir da Baía de Guanabara, em sua velocidade máxima, antes de chegar a Cabo Frio terá de se aproximar da superfície para o snorkel tomar ar, para pôr em funcionamento seu motor e assim recarregar as baterias. Navegando próximo à superfície, pode ser captado com facilidade por sensores infravermelhos. Para ficar no máximo dez dias no fundo, um submarino a diesel tem de se manter praticamente parado. O submarino nuclear projetado pela Marinha trocaria de combustível em dez anos. O limite de permanência no fundo seria de 45 dias.

Entretanto, a Marinha concluiu que em primeiro lugar era preciso viabilizar o ciclo do combustível e adquirir capacidade de enriquecer urânio. "Autonomia é muito importante", diz Othon, que aos 65 anos tem hoje uma empresa de consultoria na área de energia. "Inspirei-me na solução que eu imaginei que os americanos estavam desenvolvendo na época em que eu era aluno do MIT, mas com a qual nunca tive contato", conta o almirante. "É óbvio que a centrífuga americana é muito mais espetacular que a nossa." Mas, segundo ele, a brasileira sai muito mais barato e os materiais importados necessários para sua fabricação não entram no rol dos itens nucleares sensíveis, sujeitos a embargos internacionais.

O programa capacitou indústrias brasileiras a fabricar as válvulas, sensores e medidores das centrífugas. Othon recrutou cientistas e técnicos do Brasil todo. "Onde tivesse alguém que pudesse ajudar, a gente ia conversar." O sigilo era resguardado por um termo de compromisso. "Foram 14 anos da minha vida, cada dia um desafio", lembra o hoje almirante da reserva, que dirigiu o programa entre 1979 e 94. Inicialmente, o projeto era secreto e ficou abrigado num departamento fictício, criado para isso, chamado de Coordenação para Projetos Especiais (Copesp), dentro da Comissão Naval de São Paulo.

A primeira dificuldade de Othon foi formar equipe. Quando assumiu, em 1979, o general João Baptista Figueiredo baixou portaria proibindo contratações no setor público. Othon recorreu ao Estado de São Paulo - e a uma artimanha. Fez um memorando à Secretaria de Ciência e Tecnologia, solicitando a contratação de 20 engenheiros e 40 técnicos para trabalhar no Ipen, num "projeto de interesse das Forças Armadas". Se assinasse sozinho, no entanto, ficaria fácil para a secretaria pedir a análise do Estado-Maior da Marinha, onde o memorando provavelmente pararia. Então Othon pediu a um tenente-coronel da FAB que também assinasse. "Assim, não vão saber para que Força perguntar." Deu certo.

De posse dessa contratação, Othon, na época capitão-de-fragata, atreveu-se a saltar a hierarquia e procurar o então ministro da Marinha, Maximiano da Fonseca: "Almirante, estou numa situação complicada. O Estado de São Paulo colocou 20 cientistas no projeto, liderado pela Marinha, e ela não colocou nenhum". No fim, conseguiu convencer o ministro a contratar o dobro de cientistas e técnicos. "Fiquei com um exército de 60 engenheiros e 120 técnicos", exulta Othon. No seu auge, no início dos anos 90, o programa chegaria a ter 680 engenheiros trabalhando internamente e outros 300 do Departamento de Pesquisa de Reatores do Ipen, do qual Othon era chefe.

Mas nem tudo era ciência: habilidade e jeitinho também contaram. Othon lembra que uma centrífuga antiga, importada na década de 50, utilizada para treinar equipes e dissimular o esforço principal do projeto, havia parado porque tinha um eixo flexível que quebrava com frequência e tinha de ser trazido da Alemanha. "Eu tinha um técnico, Zequinha, muito habilidoso, que fazia um eixinho novo em três dias. Levei para ele o projeto e fizemos o primeiro juntos", conta Othon. "No Arsenal de Marinha, não precisava importar. Era só ligar para o Zequinha." 

Em 1987, num gesto de distensão, o então presidente José Sarney decidiu trazer seu colega argentino, Raúl Alfonsín, para a entrada em operação de um conjunto de 48 centrífugas em Aramar. A inauguração estava marcada para 15 de março. Algumas semanas antes, o indiano naturalizado brasileiro Kesavan Nair, doutor em física de reatores mas também astrólogo, procurou Othon, com uma expressão preocupada: "Quinze de março 'não bom'", disse, mostrando uma listagem de computador, na qual uma nuvem negra cobria a data.

Othon ligou para o então ministro da Marinha, almirante Henrique Saboia. "Você acredita nisso?", perguntou o ministro. "Não", respondeu Othon. "Eu também não, mas, por via das dúvidas, pergunte quando está bom para inaugurar." A partir de 28 de março, informou o indiano. Saboia foi falar com Sarney. Mais tarde, ligou para Othon: "Não se preocupe. O presidente é mais supersticioso que nós dois juntos." A cerimônia ficou para 8 de abril.

Othon guarda até hoje uma planilha de todos os custos do projeto, ano a ano. No total, foram gastos US$ 663 milhões. Aí estão incluídos: o desenvolvimento do ciclo de combustível (projeto Ciclone), da propulsão do submarino (projeto Remo), do submarino propriamente dito, e a infra-estrutura.

"Desafio a me mostrarem no mundo todo um desenvolvimento do ciclo do combustível e da propulsão nuclear com esse custo", diz ele. Quando deixou o programa, havia quase 700 centrífugas na "colônia", em Aramar, pelas quais o urânio vai passando e enriquecendo-se gradualmente. A centrífuga americana enriquece bem mais do que a brasileira. A diferença está no custo, que Othon ilustra assim: digamos que sejam necessárias 20 centrífugas brasileiras para produzir o que uma americana produz. Acontece que o custo de 20 brasileiras é menor que o de uma americana.


Em 1994, o Vice-Almirante Dr. Othon Pinheiro da Silva, com 55 anos, teve de deixar o projeto ao completar seu tempo de serviço militar ativo. Os detalhes desse projeto ainda são mantidos a sete chaves, sob pena de prisão pelo vazamento de segredos científicos.

O fato é que o desenvolvimento da tecnologia de ultracentrifugação de urânio é um marco de sucesso na história tecnológica do Brasil e o Dr. Othon teve um papel fundamental nisso guiado pelo lema do CTMSP: "Tecnologia Própria é Independência".

Uma salva de palmas!

*** 

Leia também entrevista com o almirante Othon, em O DefesaNet.

11 de Dezembro, 2011

Imperdível! 

Use o link... http://www.defesanet.com.br/prosub/noticia/17298/Almirante-Othon---concluir-o-submarino-nuclear-e-um-gest o-de-independencia-/

 

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey