Por ANTONIO CARLOS LACERDA
BELO HORIZONTE/BRASIL - PRAVDA.RU
Em um cínico e atrevido desafio a dispositivo da Constituição Federal e a uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), o Governo de Minas Gerais providenciou a aprovação, rápida e rasteira, de uma lei que proíbe a divulgação dos nomes de ex-governadores e viúvas deles que recebem as chamadas milionárias aposentadorias/pensões vitalícias dos cofres públicos do Estado.
Logo que surgiram denúncias na imprensa nacional sobre as aposentadorias/pensões vitalícias pagas a ex-governadores de Estados Brasileiros, o Governo do Estado de Minas Gerais - para esconder da opinião pública nomes e valores de quem recebe aposentadorias - rapidamente providenciou a aprovação, na surdina e a toque de caixa, de uma lei proibindo a divulgação dos nomes de ex-governadores e viúvas deles que recebem aposentadorias do governo, pagas, é claro, com o dinheiro do povo.
A Lei de Minas Gerais, destinada a esconder da opinião pública o que é pago a ex-governadores do Estado e suas viúvas, foi criada para proibir que sejam divulgados os nomes de aposentados/pensionistas.
Para livrar a cara dos ex-governadores Aécio Neves e Itamar Franco, eleitos senadores, o governo de Minas Gerais disse que eles não recebem aposentadoria vitalícia. Os próprios senadores Aécio Neves e Itamar Franco confirmaram, por meio da assessoria, que não recebem o dinheiro. Entretanto, ninguém acredita nessa informação, a não ser quem acredita em Papai Noel.
Embora não tenham se negado a dar informações, a exemplo de Minas Gerais, os governos dos estados do Acre, Alagoas, Maranhão, Pará e Piauí também não disseram valores nem quais os ex-governadores e viúvas que recebem aposentadorias ou pensões vitalícias do Estado.
O governo mineiro argumenta que leis de 2004 e deste ano impedem que sejam divulgados os salários de pensionistas sem a autorização expressa deles.
A lei deste ano, usada como justificativa, foi assinada pelo governador Antonio Anastasia no último dia 13 e trata de consignação em folha em pagamento de servidores inativos ou na ativa.
O governo mineiro afirma que, apesar de serem agentes políticos, ex-governadores se transformam em "servidores públicos inativos" quando passam a ser beneficiários da pensão. Portanto, disse, se enquadram na legislação. "Nós cumprimos a norma", disse o governador de Minas Gerais, Antonio Anastasia.
Os Estados brasileiros gastam ao menos R$ 30 milhões por ano com aposentadorias e pensões para ex-governadores ou suas viúvas. Com esse valor seria possível erguer 800 casas populares.
Apesar de a Constituição Federal de 1988 ter eliminado as pensões para ex-presidentes, os benefícios continuam sendo pagos a ex-governadores de ao menos dez Estados: Amazonas, Maranhão, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Paraná, Rondonia, Rio Grande do Sul, Sergipe e Santa Catarina.
Em outros oito, apesar de a aposentadoria ter sido extinta, quem obteve o benefício anteriormente segue recebendo. Ao todo, o pagamento beneficia 127 pessoas, entre ex-mandatários e viúvas.
No Paraná, nove ex-governadores recebem R$ 24,8 mil, o que é previsto na Constituição do Estado. O pagamento inclui até o 13º salário.
A viúva de Leonel Brizola - ex-governador do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul, morto em 2004 -, Marília Guilhermina Martins Pinheiro acumula pensão dos dois Estados, recebendo um montante de R$ 41 mil por mês, para o resto de sua vida.
A concessão de aposentadorias vitalícias a ex-governadores já foi alvo de cinco ações de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal (STF), que extinguiu a pensão do ex-governador de Mato Grosso do Sul, Zeca do PT, em 2007. O tema deve voltar ao plenário.
A aposentadoria para os ex-governadores do Mato Grosso do Sul foi promulgada pela Assembléia Legislativa no apagar das luzes da administração Zeca do PT.
Além de vitalícia, a pensão era extensiva aos herdeiros em caso de morte, uma afronta à ética e à moral, além de robustecer a falta de caráter de muitos homens públicos.
Os ministros entenderam que a aposentadoria vitalícia era inconstitucional e que atentava contra o princípio moral por criar regalias a ex-governadores.
Ministros do STF esperavam que, com o julgamento do petista, as Assembléias Legislativas Estaduais fossem rever os pagamentos, o que não ocorreu e não foi nenhuma surpresa.
No STF devem ser necessárias análises de mais ações para que seja editada súmula vinculante, estendendo a derrubada das aposentadorias de ex-governadores para todos os Estados.
No gabinete do ministro Dias Toffoli está uma ação da Procuradoria-Geral da República que questiona a aposentadoria de ex-governadores do Maranhão.
A OAB diz que a maioria dos trabalhadores comuns deve recolher contribuições por longos 35 anos e cumprir outros requisitos rigorosos. Isso, segundo a entidade, demonstra o tratamento desproporcional que esse tipo de benefício ocasiona, ferindo inclusive o princípio da igualdade. Então, não é razoável que um governador de Estado, por mais legitimado que tenha sido pelo voto popular, receba um tratamento desmedido e que agride preceitos da Constituição federal.
Sobre a questão de Mato Grosso do Sul, a ministra Cármen Lúcia, relatora da matéria, afirmou que o termo "subsídio" foi usado de forma errada pela Assembléia Legislativa. E ressaltou que a Constituição Federal estabelece que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza.
"A benesse instituída pela assembléia sul-mato-grossense em favor de ex-governador daquele estado e como pensão devida ao seu cônjuge supersite, desiguala não apenas os cidadãos que se submetem ao regime geral da previdência como também os que provêm cargos públicos de provimento transitório por eleição ou comissionamento", disse a ministra.
Quanto à destinação dos recursos públicos, a ministra Cármen Lúcia destacou que o constituinte estadual, ao fazer as normas, violou os princípios da impessoalidade e da moralidade e que, no caso, não houve alegação de interesse público.
O então presidente nacional da OAB, Cezar Britto, comemorou a decisão do STF de acabar com o que chama da bolsa-pijama. "O Estado não pode ser visto como a casa da mãe Joana, que serve para financiar todas as pessoas que pensam que ali é uma atividade privada."
Único a declarar a constitucionalidade da lei, o ex-ministro Eros Grau defendeu que a pensão especial criada pela lei não configura benefício previdenciário. Eros Grau citou Aristóteles ao afirmar que o Direito prevê que os "desiguais devem ser tratados desigualmente".
O ministro Cezar Peluso, atual presidente do STF, considerou a lei um "abuso legislativo", e o ministro Ricardo Lewandowski disse que acompanhou integralmente o voto de Cármen Lúcia porque havia um vicio formal, de iniciativa na emenda, e que também "foi ferido o principio da isonomia, da igualdade e da moralidade administrativa".
ANTONIO CARLOS LACERDA é Correspondente Internacional do PRAVDA.RU no Brasil. E-mail:- [email protected]
Subscrever Pravda Telegram channel, Facebook, Twitter