No Brasil, campanha presidencial vira ‘guerra santa’ entre católicos e protestantes

Por ANTONIO CARLOS LACERDA

Correspondente no Brasil

BRASILIA/BRASIL - No Brasil, a campanha eleitoral deste ano para presidente, governadores dos Estados, senadores e deputados federais e estaduais virou ‘guerra santa’ entre as igrejas católica e protestante, quanto ao apoio ou não à candidata indicada e apadrinhada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma Rousseff.

No Brasil, os protestantes se auto-denominam evangélicos, mas existe milhares de denominações e ramificações, entre elas outras milhares de seitas fanáticas, cujos líderes (bispos, pastores, apóstolos, missionários, obreiros, e outras patentes hierarquias) figuram diariamente no noticiário policial da imprensa nacional e respondem a um assustador volume de processos criminais e civis na Justiça.

Desde a sua fundação, em 1982, o PT, partido do presidente Lula e de Dilma Rousseff, uso a Igreja Católica como uma espécie de ‘muleta’ política para chegar ao poder em 2002, elegendo Lula presidente da República.

Alastradas por todo o território nacional, as poderosas comunidades eclesiais de bases da Igreja Católica foram as grandes e decisivas formadoras de opinião política usadas pelo presidente Lula para seduzir o eleitorado dos grandes bolsões de pobreza das regiões metropolitanas e do decisivo colégio eleitoral do Nordeste do país e se eleger presidente da República, duas vezes.

No poder, políticos do PT, partido do presidente Lula e de Dilma Rousseff, de caçadores de corruptos passaram a ser caçados, dia e noite, e se tornaram alvos de denúncias diárias da imprensa por conta de escândalos de corrupção e acusação de desvio de dinheiro público.

Acusada de responsável pela ascensão do PT e do presidente Lula ao poder no Brasil, a Igreja Católica deu início a uma estratégica retida do cenário político brasileiro, se declarando neutra nos processos eleitorais.

Até então, milhares de igrejas e seitas protestantes/evangélicas brasileiras, que sempre se postaram contra o PT e o presidente Lula, acusando-os de inimigos do evangelismo, optou por não emitir opiniões políticas, e trabalhar nas suas bases para eleger seus representantes no Congresso Nacional, Assembléias Legislativas Estaduais, e até dois governadores, Anthony Garotinho e sua mulher, Rosinha, no Rio de Janeiro.

A gota d’água que rompeu de vez as relações entre a Igreja Católica e o PT, partido do presidente Lula e de Dilma Rousseff, sua candidata a presidente da República surgiu em dezembro de 2009, quando o presidente Lula assinou decreto que tornou lei a terceira etapa do Plano Nacional dos Direitos Humanos (PNDH-3), fato que gerou, de imediato, uma reação em cadeia entre militares e a igreja católica em todos os cantos do Brasil.

As Forças Armadas reagiram contra a parte do PNDH-3 que cria a Comissão Nacional da Verdade, com o objetivo de esclarecer - inclusive autoria - casos de torturas, mortes, desaparecimentos forçados, ocultação de cadáveres ocorridos entre 1946 e 1988, período em que o Brasil viveu sob o governo dos militares.

Por sua vez, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), cúpula da Igreja Católica Brasileira, também reagiu, dizendo que reafirma sua posição em defesa da vida e da família, e contrária à descriminalização do aborto, ao casamento entre pessoas do mesmo sexo e o direito de adoção de crianças por casais homoafetivos, dispositivos do PNDH-3.

A cúpula da Igreja Católica no Brasil reagiu também à criação de “mecanismos para impedir a ostentação de símbolos religiosos em estabelecimentos públicos da União”, proposto pelo PNDH-3, por considerar que tal medida intolerante pretende ignorar nossas raízes históricas.

Vendo que não iria mais contar com o apoio da Igreja Católica para se sustentar no poder, o presidente Lula tratou logo de atrair o povo protestante/evangélico - inimigo declarado e em guerra com o católico - para dar conotação religiosa à campanha de Dilma Rousseff.

Vendo que a Igreja Católica tinha se afastado do presidente Lula, do PT e não iria apoiar Dilma Rousseff, oportunistas e profundamente interesseiros, os líderes de igrejas e seitas protestantes/evangélicas iniciaram uma lenta e cautelosa aproximação da candidata petista.

Ciente de que não iria contar com o apoio da Igreja Católica, Dilma Rousseff tratou logo de facilitar a aproximação do povo protestante/evangélico, indo ao seu encontro, o que lhe valeu o apoio declarado e público de representantes de 15 igrejas e seitas protestantes/evangélicas, entre elas a Assembléia de Deus, uma das maiores e mais poderosas igrejas do Brasil.

A manifestação de apoio ocorreu dois dias depois da polêmica envolvendo o bispo de Guarulhos, na Região Metropolitana de São Paulo, dom Luiz Gonzaga Bergonzini, que pregou o boicote dos católicos à candidatura de Dilma Rousseff, sob o argumento de que ela defende a descriminalização do aborto.

Ao se defender das acusações do bispo, Dilma Rousseff, devidamente treinada para usar o poder que convence e amedronta da linguagem bíblica, disse: “Eu sou a favor da vida em todas as suas manifestações e seus sentidos", enfatizou a petista, na sede da Convenção Nacional das Assembléias de Deus no Brasil.

Com discurso e gestos sob medida para seduzir e conquistar a platéia, Dilma citou passagens do Evangelho nas quais Jesus Cristo fala da vida em abundância. Depois, lembrando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, disse que vai "cuidar do povo" e da família, "como ele". "Quero pedir a vocês que orem por mim", insistiu a candidata do PT à Presidência do Brasil.

Diante de aproximadamente mil fiéis, a petista afirmou que o governo Lula encerrou "uma era de choro, desespero, medo, acomodação e desemprego" e prometeu dar continuidade ao projeto do presidente. "O choro pode durar toda uma noite, mas a alegria vem pela manhã. Nós vamos construir juntos a alegria que chega pela manhã."

Na chegada ao templo da Assembléia de Deus, acompanhada do chefe de Gabinete do Presidente da República, Gilberto Carvalho, Dilma foi saudada por um grupo de obreiras, mas teve de enfrentar um outro grupo que exibia uma faixa de protesto na qual se lia "Apoiar Dilma é negar a Bíblia. Aborto não".

Por ter sido seminarista, Gilberto Carvalho foi indicado pelo próprio presidente Lula para aproximar Dilma Rousseff dos protestantes/evangélicos, já que a Igreja Católica descartou todas as possibilidades de apoio a ela.

Inicialmente, a resistência do povo religioso brasileiro em apoiar Dilma Rousseff deve-se ao fato de ter sido ela uma das mentoras do PNDH-3 que, entre outros temas polêmicos, defende a legalização do aborto e o casamento gay.

Em seus pronunciamentos, Dilma Rousseff tem dito que não defende a interrupção da gestação a não ser em casos previstos em lei, como na gravidez resultante de estupro. Entretanto, diz que o Estado não pode ignorar o assunto, pois muitas mulheres, sobretudo as de baixa renda, usam métodos considerados "medievais" para pôr fim à gravidez.

Apesar de a candidata do PV, Marina Silva, ser da Assembléia de Deus, Dilma Rousseff vem conquistando o apoio dos protestantes/evangélicos, dos quais, muitos alegam que a ex-senadora não procurou o aval da sua igreja.

Por sua vez, o bispo católico de G

uarulhos, dom Luiz Gonzaga Bergonzini, disse que não recuará em mobilização contra Dilma Rousseff e levará sua manifestação de veto à presidenciável às missas e celebrações nas 37 paróquias da sua diocese.

Ele considera o PT favorável à descriminalização do aborto e divulgou comunicado recomendando aos católicos que boicotem a petista. Entretanto, Dilma nega defender aborto e diz que opinião de bispo não é uma posição da CNBB.

O prefeito de Guarulhos, Sebastião Almeida disse "Sou católico e respeito a posição do religioso. Mas não posso concordar com a transformação de uma posição doutrinária da Igreja Católica em apoio ou rejeição a qualquer candidato."

Em entrevista à imprensa, dom Luiz Gonzaga disse que não tem nada pessoal contra Dilma Rousseff, mas se declarou irredutível na sua decisão de combater a candidatura da petista.

"Ela [Dilma] segue o partido, ela é a candidata. Então eu vou matar a cobra na cabeça. Pessoalmente não tenho nada contra ela. Mas o direito à vida é o maior direito humano. O aborto é atitude covarde e criminosa. Eu não arredo o pé, não”, afirmou o bispo católico.

Sobre a recomendação da CNBB pela neutralidade na campanha, dom Luiz Gonzaga Bergonzini disse que ela (CNBB) não tem autoridade nenhuma sobre os bispos. “Eu segui a voz da minha consciência. Sou cristão de verdade e defendo o mandamento ‘não matarás’. Não tem esse negócio de meio termo”, afirmou o bispo de Guarulhos.

Perguntado se vai recomendar aos fiéis da diocese para não votar em Dilma Roussef, dom Luiz Gonzaga Bergonzini afirmou que os padres devem notificar ao povo a orientação do bispo. “Eu não vou arredar o pé, não importa as consequências que eu venha sofrer, mas o que importa é minha consciência e seguir o Evangelho. Eu não tenho medo”, disse o religioso.

Sobre tratar do assunto durante as missas na sua diocese, o bispo disse que vai enviar uma carta aos padres para notificarem as pessoas sobre a sua recomendação nas celebrações das missas. “Como cidadão, tenho direito de expressar minha opinião e, como bispo, tenho a obrigação de orientar os fiéis”.

Sobre a reação popular sobre a sua decisão, dom Luiz Gonzaga disse que tem recebido muitos e-mails, uns contestando e muitos apoiando. Segundo ele, as pessoas dizem que "finalmente alguém que usa calça comprida resolveu reagir".

Dilma nega defender aborto e diz que opinião de bispo não é uma posição da CNBB. Sobre o artigo de dom Luiz Gonzaga publicado no site oficial da CNBB, recomendando que não votem em Dilma Rousseff e em nenhum candidato petista por considerar o PT favorável ao aborto, a candidata do Palácio do Planalto disse que ele (o artigo) “parte do pressuposto incorreto. Tanto eu quanto o presidente Lula não defendemos o aborto. Defendemos o cumprimento estrito da lei", afirmou Dilma.

"Não se trata de uma convicção pessoal. Não conheço uma mulher que acha o aborto uma coisa fantástica e maravilhosa. É uma violência e um risco de vida", afirmou, ponderando que o tema não deve ser tratado de forma religiosa.

Dilma mudou o seu discurso sobre o aborto. Em outubro de 2007, ela se mostrou favorável à descriminalização. No entanto, em suas últimas manifestações públicas sobre o tema, a petista tem defendido o cumprimento da legislação em vigor. Atualmente, o aborto só não é considerado crime no Brasil em duas situações: estupro e risco de vida materno.

ANTONIO CARLOS LACERDA

PRAVDA RU BRASIL

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey