Plano de Direitos Humanos corre risco de encalhar no Congresso

Com as eleições gerais deste ano no Brasil, a terceira etapa do Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH3) - que chegou abrir uma guerra declarada entre militares das Forças Armadas e ex-militantes da esquerda armada no País - pode encalhar no Congresso Nacional e só entrar na pauta de discussão no Parlamento Brasileiro ano que vem.

Em ano eleitoral as duas casas do Congresso (Câmara dos Deputados e Senado Federal) ficam vazias - sem quorum para discussão, e muito menos para votação, devido à ausência dos deputados e senadores que não deixam suas bases eleitorais em busca de votos para a reeleição de seus mandatos.

E como o PNDH3 já virou guerra político-ideológica mesmo antes de ser colocado em discussão ninguém vai querer entrar em rota de colisão com eleitores contra ou a favor da “Comissão da Verdade”, um dispositivo previsto no PNDH3 que prevê a apuração de crimes praticados pelo governo militar.

O PNDH3 prevê o tratamento de temas desde a investigação e punição de crimes durante o governo militar até o conteúdo das emissoras de televisão e a reforma agrária. A abrangência do plano é tão grande que ocorreu uma forte reação dos militares, da ativa e da reserva, das Forças Armadas e Polícia Militares em todo o Brasil.

Entretanto, a reação dos militares da ativa e dos ex-militantes da esquerda armada que ocupam cargos no Governo Federal foi facilmente contida pelo próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Afinal, é raro alguém que ocupa um cargo de invejada remuneração, além das mordomias e benesses, ousar descartá-lo por credo político-ideológico.

È claro dentro do Congresso Nacional a pré-disposição de não se colocar em discussão temas polêmicos antes das eleições gerais em Outubro, primeiro turno, e Novembro, segundo turno, deste ano. Por conta das eleições, as possibilidades de votação, até mesmo de temas urgentes e sem polêmicas, ficam muito reduzidas.

A proposta de criação da Comissão da Verdade foi violenta e veementemente criticada pelo ministro da Defesa, Nelson Jobim, por comandantes das Forças Armadas e pelo pessoal da ativa e reserva das Polícias Militares. O argumento dos militares é que a criação de uma comissão para trazer à tona fatos ocorridos durante o Governo Militar fere a Lei da Anistia de 1979.

O PNDH3 também trem como alvo os interesses dos grandes grupos econômicos de telecomunicações, prevendo censura e intervenção no conteúdo das empresas de rádio e TV, com a aplicação de sanções, desde multas até cassação da concessão, em caso de conteúdos programáticos que ofendam os direitos humanos.

Uma das maiores resistências que o programa do governo deve enfrentar no Congresso se refere às questões de acesso à terra. Os ruralistas têm declarado que a proposta fere o direito à propriedade, aumenta a insegurança jurídica e se mostra preconceituosa em relação ao agronegócio. Entre os pontos mais criticados, está a criação de um comitê de acompanhamento e de monitoramento para avaliar decisões judiciais e liminares de reintegração de posse.

O presidente da Sociedade Ruralista Brasileira, Cesário Ramalho da Silva, enfatizou que “quando o agronegócio reivindica uma melhor garantia do direito de propriedade, o governo ao invés de melhorar, faz um decreto que traz mais insegurança jurídica. Isso é chocante. Posso ter uma invasão e antes de falar com a Justiça, tenho que falar com o invasor. Esse é um rompimento de parâmetros da legislação e da democracia”.

O programa também sugere maior rigor para a legislação no sentido de coibir o trabalho escravo e adotar medidas para coibir práticas de violência contra movimentos sociais que lutam pela reforma agrária. O programa desagradou os ruralistas também por assegurar a demarcação de terras de quilombolas e indígenas e reforçar a necessidade de atualização dos índices de produtividade da terra.

Outro ruralista, o deputado Ronaldo Caiado, líder do DEM na Câmara, disse que o PNDH3 nada tem a ver com direitos humanos por ser “um documento baseado em teses revanchistas, uma espécie de golpe branco, que tenta desrespeitar e atropelar a Constituição”.

O líder do DEM na Câmara dos Deputados disse também que o PNDH3 “foi um golpe de esperteza e vigarice do governo, mas o Congresso tem ampla maioria para rejeitar todos esses projetos, feitos para revogar o direito de propriedade, e não vejo nenhuma chance de avançar”.

Entidades ligadas à defesa dos Direitos Humanos estiveram na Câmara dos Deputados discutindo estratégias com a Comissão de Direitos Humanos e Minorias. A intenção é se defender da artilharia que virá dos ruralistas, das grandes empresas de comunicação e dos militares, os setores que mais demonstraram reação às idéias do plano.

Segundo o presidente da comissão, deputado Luiz Couto (PT-PB), a maioria dos integrantes do colegiado vai pressionar pela retomada do texto original do decreto presidencial, alterado pelo presidente Lula para conter a reação dos militares. Couto disse que “com violação de direitos humanos, não se negocia, não tem concessão”.

Lula retirou a expressão "no contexto da repressão política", que antes limitava a investigação sobre “violação dos direitos humanos” na época do regime militar. Com a expressão, a possibilidade de investigação ficava reduzida às violações cometidas pelo Estado, sem condições de se analisar crimes praticados pelos grupos de esquerda. Sem a expressão, essa possibilidade se abre.

Luiz Couto diz que as entidades de direitos humanos querem que a definição da Comissão da Verdade seja ampliada. “Vamos lutar pelo direito à memória, à verdade e também à Justiça. Não basta a família saber onde estão enterrados os desaparecidos. É preciso que haja um encontro dessa verdade com a Justiça, e isso só pode haver se existir vontade política de dialogar”.

O deputado do PT enfatizou que pontos polêmicos do programa, como a descriminalização do aborto e a união civil de pessoas do mesmo sexo (que arrancaram protestos até da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) responsável pela ascensão de Lula e do seu partido ao poder), além da mudança nas regras para desapropriação de terras para reforma agrária, “serão decididos pelo próprio Congresso, através de projetos de lei na Câmara e no Senado”.

ANTONIO CARLOS LACERDA

PRAVDA Ru BRASIL

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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