Quo Vadis, Portugal?

De acordo com as cifras da União Europeia, emitidas esta semana, Portugal conseguiu um feito inédito: ser ultrapassado pela Estónia numa classificação que mede o poder de compra/PIB e descer para o 20º lugar na tabela dos 27 membros da Fortaleza Europa.


A noticia provocou uma chuva de críticas em Portugal contra as políticas do Primeiro Ministro José Sócrates, aclamando alguns que após dois anos, o Socratismo simplesmente não funciona, enquanto outros tentaram proferir explicações, esclarecendo que o subsidio de desemprego é demasiado alto para permitir uma retoma económica. Foi o caso de Vítor Constâncio do Banco de Portugal.


Dois bons exemplos da ignorância que camufla o mal que reside em Portugal. No primeiro caso, qualquer pessoa sabe que o ciclo político de quatro anos nem chega para fazer nada, quanto mais dois. O que o Primeiro Ministro Sócrates anda a fazer terá de ser medido daqui a sete anos para tirar conclusões a longo prazo, embora é claro que deve haver uma maneira mais humana de chegar à Convergência Social. No segundo caso, Vítor Constâncio (economista brilhante) pode ter razão, no papel, e frisamos aqui que não é uma pessoa ignorante, mas sim que ignora a realidade. E é aí que existe o cerne da questão - quantos dirigentes em Portugal sabem e sentem a realidade vivida pelo cidadão comum? Será que o Dr. Vítor Constâncio entende como é ser desempregado?


O desemprego neste momento é um drama, um pesadelo e um resultado directo das politicas, ou falta delas, dos governos PSD/PP ao longo dos últimos 33 anos, se podemos tomar a Revolução como ponto de partida. Para aqueles que não sabem como é, o recém desempregado fica de um momento para outro a receber pouco acima de metade do vencimento, sem que o sistema tenha qualquer pena dele/a relativamente a aquilo que lhe é exigido.


Depois é chamado para uma reunião no Centro de Desemprego, onde lhe dizem que tem de aceitar o primeiro emprego, seja qual for (sem isso ser um requisito legal). Mas quais são os empregos em oferta neste Portugal da geração dos 500 Euros? Call centres, que pagam o salário mínimo e que não dão garantias nenhumas, só uma vaga promessa de firmar um contrato depois de um período de experiência, talvez. Assim, o desempregado fica com um pseudo emprego em que vai receber menos ainda do que recebia do fundo de desemprego, vai ter de suportar os custos de transportação e alimentação para provavelmente três meses depois se encontrar novamente desempregado, desta vez sem direito ao subsidio.

Pedem sacrifícios há décadas


Vivo em Portugal há 27 anos e há 27 anos ouço os Governos a pedirem sacrifícios aos portugueses e cidadãos estrangeiros a residirem em Portugal, desde o PS do Mário Soares (apertem o cinto), a Década Dourada do PSD, do então Primeiro Ministro Aníbal Silva (em que jorraram pelo pais dentro biliões de Euros), ao Governo de PS de António Guterres (que tinha um fraco por abrir institutos e gastar dinheiro) ao PSD de José Barroso (aquele do discurso e políticas de tanga, que fechou o IPE, um dos únicos braços empresariais com peso fora do país porque entendeu que estava cheio de Socialistas), do Pedro Lopes nem se fala porque mal tinha tempo para aquecer o lugar, e continuam hoje, sob o Governo PS de José Sócrates, a pagar uma altíssima factura, espelhado no relatório da União Europeia.

Até quando?

Uma coisa é pedir sacrifícios de curto e médio prazo e os cidadãos verem algo em troca. Outra coisa é exigir que a classe média se sacrifique, enquanto a classe alta enche os bolsos. Até quando?


A resposta será até sempre, enquanto os males fundamentais não serem tratados. E quais são estes males? Principalmente, foi instaurado nos portugueses pelo antigo regime um conformismo com o inaceitável - dificultar quanto baste qualquer iniciativa - e as pessoas, se tiverem praia para jogar a bola e vinho barato, encolham os ombros, dizem 'é assim em todo o lado e quem não está bem, que se mude'. Sistema 1 – Povo 0.


Segundo, quem tenta fazer algo é ridicularizado - se as Finanças caírem por cima de uma empresa por não pagar os impostos, é porque são rigorosos demais. Porém quem não deve ao Fisco, não deve temer o Ministério das Finanças, que apenas faz aquilo que foi criado para fazer. Fugir ao Fisco em Portugal parece ser um joguinho entre os que têm mais dinheiro para pagar, mas quem fica apanhado na rede é geralmente o coitadinho que nem sabia o que fazia, ou então que foi enganado pelo contabilista, que também não sabia o que fazia.


Inúteis são aquelas tentativas de desculpar a situação, dizendo que o país é pequeno (e o Luxemburgo, no topo da mesma classificação da UE?) que não tem recursos (e as praias, o sol e os milhões de quilómetros quadrados de mar? Quantos outros países já teriam projectos de energias alternativas a funcionar já há tempos) que os recursos agrículos são pobres (e o Israel, que fez do deserto uma oásis?) ou que os portugueses não sabem trabalhar (mais que um quarto da população do Luxemburgo são portugueses, povo que tem fama de ser uma grande mais-valia para qualquer empresa no resto da Europa precisamente porque é trabalhador e não causa distúrbios sociais, nem se rebentam com explosivos em sistemas metropolitanos).


Sintomas, mas não causas, são os casos de nepotismo (familiares e amigos em lugares de destaque, às vezes no dia a seguir a tomada de posse de um ministro), de abuso (há quem compre cinco carros de luxo, por exemplo, enquanto pedem paciência e contenção ao povo) e de injustiça (quando as leis são feitas para safar aqueles amiguinhos que são apanhados com as calças na mão, não para proteger o cidadão comum, em cuja cabeça cai o sistema todo se cometer uma única infracção).


O mal é um: falta de ambição causada por uma irresponsabilidade politica pelos dirigentes (que curiosamente nunca são eleitos - passou-se de uma ditadura de um regime das 100 famílias para uma ditadura dos que se sentam na Assembleia Nacional e o resultado é o que se vê) e por um sistema ineficaz, basicamente porque a intrusão politica chega a níveis demasiado profundos.

Malta já ultrapassou Portugal

Há trinta anos, Portugal se situava por cima da Irlanda na mesma tabela (custo de vida/PIB). Hoje, Irlanda figura em segundo lugar e Portugal não só conseguiu ser ultrapassado por todos os países membros da Europa dos 15, como também por 5 dos 12 recém chegados (Eslovénia, Chipre, República Checa, Malta e Estónia). Malta, por cima de Portugal.

Plano Nacional de Desenvolvimento

Por quê? Todos estes países, como a Irlanda, não têm muitos recursos minerais, são de pequena dimensão, têm populações pequenas. Mas têm algo que Portugal nunca teve. Chama-se um plano nacional de desenvolvimento. Na Irlanda, por exemplo, os sectores público e privado sentem-se regularmente à mesa para traçar planos e estabelecer objectivos reais, não sonhos em papel, e avaliam de forma constante o progresso com indicadores objectivos. E os projectos ficam vacinados contra influências políticas, enquanto em Portugal, quantos dossiers vão para o shredder quando muda o partido?

Em Portugal, quem assume a responsabilidade quando as coisas correm mal? Ninguém. O coitado da vítima é tratado como bola de pingue-pongue, como palhaço, até que desista de qualquer eventual reclamação.

Em Portugal, será que todos estão geneticamente dispostos ou capazes de sentarem à mesa com quem quer que fosse para debater planos nacionais? Ou será mais provável observar o fenómeno “não vou sentar com aquele tipo na mesma mesa”? A divisão entre os Mouros, geneticamente transportado para Portugal. Ainda no século XXI.

Com falta de plano nacional e com influência política a níveis chocantes, é natural que Portugal estagnou-se e limita-se a ver os navios passar. Depois é natural que não consiga produzir riqueza para pagar salários decentes (nem se consegue imaginar a ginástica que a família normal tem de fazer para colocar comida na mesa, quanto mais o resto) e daí, resulta uma força de trabalho desmotivada e derrotada.

Sem um plano nacional, não há movimentação, nem progresso. Os sistemas continuam na mesma, dificultando iniciativas, o imposto sobre as empresas continua a ser pesado e inflexível e daí, quem tem duas ideias foge do país, como de Portugal sempre fugiu quem pudesse, até Durão Barroso. Portugal nunca soube aproveitar-se dos dons únicos que tem, nunca soube capturar o espírito do seu povo, espírito que lhe deu e garantiu a Independência como Nação e a historiografia sublinha as minhas palavras: por exemplo, no século XVIII, quando a produção de ouro estava no ponto mais alto, foi precisamente no mesmo período que as receitas do Fisco estavam em baixa.

Escorregaram fortunas pelas mãos dos portugueses naquela altura, tal como aconteceu durante a década depois de Portugal aderir à Comunidade Europeia. Não se pode dizer que isso aconteceu porque Portugal não estava preparado para entrar na CE, que não tinha condições para entrar na Eurozona ou que não tem capacidade para chegar à Taxa de Convergência, por serem desculpas.

Há que reagir e nem tudo está mal. Num inquérito feito pela PRAVDA.Ru a 100 universitários que fizeram o programa Erasmus, 94% compararam eles próprios favoravelmente aos outros universitários de outros países da União. Por isso parece que apesar de tudo, o sistema de educação sobreviveu várias tentativas de o arruinar. Além disso, Portugal conseguiu atrair 31 novos projectos de investimento em 2006, criando cerca de 10 mil postos de trabalho e o crescimento de 2% no PIB é para celebrar, criando um clima de optimismo que se espera transitar para o comportamento da economia.

Porém, sem um plano, sem mobilidade, sem dinâmica, Portugal continuará a ter salários totalmente desfasados dos preços de necessidades básicas e por isso não vai ter uma força de trabalho empenhada e activa. Continuará a grassar o ambiente de laissez-faire ou fazer o mínimo possível porque o patrão não está na loja.

Se vai continuar assim, seria melhor entregar o país ao Joe Berardo (aquele bilionário que caiu de pára-quedas de repente e aparece nas fotografias com os braços estendidos, em posição de crucifixo; não se sabe se tenta imitar o Senhor ou se é na qualificação de crucificado) até que Portugal chegue à 27ª posição dos 27 membros da U.E. e então poder-se-á aplicar a regra de noves fora, nada.

Timothy BANCROFT-HINCHEY

PRAVDA.Ru

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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