Educação: O extraordinário início do ano

Na segunda aula tenho quinze alunos, o mesmo número que da primeira. Entre todos apenas três estiveram nas duas aulas. Isso não é novidade. Faz anos que vou reparando que os alunos se revezam de modo a evitarem a maçada das aulas o mais que podem sem, todavia, boicotarem completamente a possibilidade de haver aula. Ao mesmo tempo, as condições de ensino pioram, concretamente o tamanho das turmas aumenta, sem que isso se reflicta no trabalho docente: afinal mantemos o volume da audiência. Talvez facilite é o planeamento de desdobramento de horários entre os alunos.

A presença dos alunos nas aulas, muitos nos queixamos, parece inerte. É realmente difícil estabelecer algum diálogo com eles. Há, evidentemente, também alguma inépcia pedagógica da nossa parte. Os docentes universitários imaginam eventualmente que os jovens já acompanham raciocínios básicos – para nós – quando ninguém os ensinou – a eles. A minha questão é esta: de que serve queixarmo-nos da inércia ou apelarmos à participação dos alunos nas aulas, de que serve tentarmos melhorar as nossas práticas pedagógicas, se os alunos estão principalmente preocupados em fazer corpo presente nas aulas apenas o suficiente para fingirem – connosco, docentes – que elas funcionam?

Esta questão é tanto mais importante quanto estamos a viver uma profunda reforma no ensino superior. Até agora temos assumido que a maturidade dos estudantes do universitário era um dado e que os resultados académicos eram da sua responsabilidade pessoal, não dos docentes ou da escola. A partir da reforma instalou-se um sistema oposto, tão estúpido quanto o precedente digo eu. O desempenho da escola é medido em sucesso escolar (despachar alunos entre os anos) e no prazer que os alunos tenham tido no convívio com o professor – que por sua vez responsabiliza estes últimos pelo sucesso da escola, através de uns questionários aos alunos sobre o valor dos professores. O futuro dirá se esta descrição é demasiado simplista – afinal, dirão alguns, há avaliações internacionais da qualidade do ensino. A ver vamos, digo eu.

Até agora a reforma significou, no meu caso, encontrar formas de evitar o abandalhamento visivelmente crescente da vivência das aulas: converseta é praticamente inelutável. Entradas tardias e saídas precoces tornaram-se vulgares e recorrentes, às vezes praticadas em acumulação pelo mesmo aluno(a). Os sinais de olhos que três ou quatro anos atrás eram suficientes para acabar uma conversa mais prolongada são actualmente imperceptíveis para os alunos. Avisos explícitos ou mesmo ralhetes têm efeito por dez minutos.

Claro que os alunos têm o direito de não gostar do que lhes é oferecido. Têm é, digo eu, a obrigação de reclamar explicita e racionalmente contra o que entendem estar mal, para que seja possível melhorar. Não é isso uma reforma? Mas será isso que lhes é pedido? Ou o facto de estarem a ser usados como armas para responsabilizar os professores pelas (más) qualidades do ensino (ficando as gestões e as políticas com os eventuais méritos) não lhes estimulará a irresponsabilidade, prática de resto anteriormente já conhecida nos graus de ensino não superiores? Quem irá acabar por ganhar com isto?

Pela minha parte, e isso é extraordinário, escrevi um regime disciplinar para as minhas aulas. Jamais pensei em vir um dia a fazê-lo. Mas ele aí está.

No fim da aula uma das três alunas que esteve nas duas aulas e que, eventualmente por coincidência, interveio numa aula de exposição levantado questões sobre o sentido do que dizia, tendo em conta matérias aprendidas no ano anterior, desculpou-se dizendo que é o entusiasmo pelos assuntos e não outra coisa qualquer que a levou a interpelar-me. “Os meus colegas acham que o faço para dar nas vistas, mas não é. Vou tentar conter-me!”. Por email, uma aluna do ano passado pediu-me uma opinião e um conselho. Trocámos três ou quatro emails. Por fim pediu-me desculpa e para não interpretar o contacto como um pedido de uma cunha.

A reforma será capaz de libertar e prestigiar os alunos que querem aprender ou não será. O caminho que está a levar, pelos vistos, não mudou o essencial

António Pedro Dores

Professor Associado de Sociologia (com agregação)

ISCTE Lisboa

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey