A vaia do Maracanã

* Murilo Badaró – Presidente da Academia Mineira de Letras

Nelson Rodrigues consagrou a sentença de que o “Maracanã vaia minuto de silêncio e até mulher nua”. Especialmente quando as manifestações populares daquele grande estádio estão voltadas para personalidades políticas ou que estão sendo objeto de pública contestação ou confronto. O povo tem várias maneiras de manifestar seu desagrado ou aplauso.

Certamente, jamais será pelo mecanismo criado pelos institutos de pesquisa, cujos questionários são às vezes tão herméticos e confusos a impedir o inquirido de uma resposta satisfatória. No curso da história há vários casos de manifestações populares contra governos e governantes.

O mais eminente é aquele protagonizado por Mirabeau na Assembléia Francesa, quando o líder indagado pelos membros de um plenário perplexo com os acontecimentos que colocavam a nobreza aos pés do cadafalso, sobre a forma que deveriam recepcionar o rei Luiz XIV, respondeu: “Em silêncio, porque o silêncio dos povos é a lição dos reis”. Com apupos ou em silêncio o povo manifesta espontaneamente tudo aquilo que lhe vai n’alma.

Não obedece a nenhuma regra pré-estabelecida. A vaia não tem regente, o som brota da alma do povo. O governante ou líder político que tem formação democrática tem obrigação de receber estas manifestações, tanto as de desagrado quando as de regozijo, com o espírito aberto para poder retirar delas as lições a que se referiu Mirabeau. O que aconteceu no Maracanã na abertura dos jogos pan-americanos deve ter causado grande surpresa ao Presidente, cuja personalidade tem sido cultivada com exagero pelos veículos de publicidade, não raro a soldo do próprio governo que contrata.

O que é, evidentemente, uma contrafação, mas a que infelizmente vamos nos acostumando pela sua repetição quase automática na vida de todos os governos e em todos os níveis. Apanhado de surpresa pelo insólito da manifestação popular, gravada com o timbre da espontaneidade e até mesmo do deboche que sua sensibilidade deve ter acusado, o Presidente reagiu mal humorado em demonstração distante de seu estilo democrático e liberal. Do ponto de vista psicológico, um tremendo choque deve ter-lhe causado grande impacto, pois navegando ondas tranqüilas de popularidade e de certa forma viciado com platéias dóceis e devidamente aclimatadas para o objetivo a que foram convocadas, jamais teria passado em sua cogitação o ato bisado seis vezes e por ele taxado de “molecagem”.

O Presidente é homem de estrela brilhante e dotado de privilegiada inteligência e gosto pelo poder. O episódio servirá para ele como inesquecível lição sobre a fatuidade do poder e dos aplausos de claques organizadas. De nada adiantará seus áulicos proclamarem que os 90 mil espectadores não pertenciam às classes populares e sim à classe média que teve recursos para custear o preço dos ingressos.

A espontaneidade da manifestação é algo muito mais profundo do que pode supor a vã filosofia do Presidente. Ela reproduz o que está latente no inconsciente coletivo com relação ao descuido do governo com aspectos moralizadores da administração, às recorrentes manifestações de desleixo e desatenção presidencial para com repetidas lesões à ética. Tudo isto foi se assentando vagarosamente no espírito de cada cidadão, especialmente naqueles nascidos na formosa e irredenta terra carioca, tão irreverente na crítica quanto generosa no aplauso.

Paradoxalmente, a vaia do Maracanã faz ainda mais brilhante a poderosa estrela de Lula. Chega a ele em momento preciso, distante do episódio político de sua sucessão, a tempo e a hora de permitir-lhe profundas reflexões sobre o rumo de seu governo e de seu partido, este do qual precisa urgentemente desvencilhar-se sob pena de demonstrar não ter aprendido a lição propiciada pela já histórica vaia do Maracanã . Os políticos brasileiros, de uma maneira geral, estão decaídos na estima pública. Não será necessário gastar tinta em dizer o porquê desta grave crise que assola o Congresso, os partidos e os governantes em geral.

Tal e qual para Lula, a vaia é a grande lição dos políticos e governantes. Que todos saibam retirar dela os preciosos ensinamentos que tão generosamente lhes foram ofertados.

Subscrever Pravda Telegram channel, Facebook, Twitter

Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
X