Convenção Contra a Tortura, Constituição e Polícia moçambicana

Josué Bila

A televisão privada moçambicana, STV, publicou, há duas semanas, imagens em que agentes da Polícia moçambicana espancavam brutalmente um cidadão, que, juntamente com seus co-manifestantes, na indústria de Alumínios de Moçambique (Mozal), exigia o pagamento de indemnizações a que afirmam ter direito. Tal barbaridade policial sucedeu quando os reivindicadores eram impedidos de se manifestar.

Porque, em tela televisiva, o número era calculável, contabilizou-se sete agentes da Polícia que cacetavam, açoitavam, pontapeavam e esmurraçavam aquele cidadão, desumanizando-o. Infelizmente, esta acção, a que os polícias-torturadores estão sujeitos a incorrer em crime, acontece poucos dias depois de o Governo moçambicano ter desvalorizado o conteúdo do relatório sobre a situação dos direitos humanos em Moçambique, publicado pelos Estados Unidos da América (EUA), através da sua embaixada, em Maputo. O documento norte-americano anual sobre direitos humanos em Moçambique colocou, mais uma vez, a instituição policial e os polícias moçambicanos na linha dos sectores do Estado que mais violam os direitos dos cidadãos, ora torturando-os, ora baleando-os (até à morte).

O caso pode desdobrar vários cenários

Primeiro: Em solo moçambicano, a Constituição da República de Moçambique, em seu artigo 40, proíbe a tortura a cidadãos, ao consagrar que “todo o cidadão tem direito à vida e à integridade física e moral e não pode ser sujeito à tortura ou tratamentos cruéis ou desumanos”.

Segundo: A lei número 8/91, de 18 de Julho, que regula a liberdade de reunião e de manifestação, no seu artigo 16, considera criminoso “todo aquele que intervir na reunião ou manifestação, impedindo ou tentando impedir o livre exercício desses direitos”. Continua: “Incorrerá no crime de desobediência previsto e punido nos termos do artigo 188 do Código Penal”.

Terceiro: O Estado moçambicano ratificou a Convenção contra a Tortura, através da Resolução 4/93 de 2 de Julho de 1993, passando, por consequência, a fazer parte do ordenamento jurídico moçambicano. Assim, é dever dos agentes da Polícia e de autoridades públicas tratarem os cidadãos com humanidade.

Somente os três cenários colocados acima revelam que o Estado moçambicano teoricamente subordina-se à Constituição e às leis, incluindo aos instrumentos internacionais de direitos humanos, por si ratificados (porque assim o diz a Constituição em seu artigo 18, alíneas 1 e 2 respectivamente).

Recorrendo à brochura Polícia e Direitos Humanos , 2005, da Liga Moçambicana dos Direitos Humanos, o Estado (moçambicano) não deve permitir ou tolerar a tortura ou outros tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes, e que, segundo dispõe o artigo 58 da Constituição, o mesmo (Estado moçambicano) “é responsável pelos danos causados por actos ilegais dos seus agentes, no exercício das suas funções, sem prejuízo do direito de regresso nos termos da lei”.

Por assim dizer, o Estado é responsável por prevenir a tortura, devendo proibir e punir a tortura e outros tratamentos degradantes cometidos pelos agentes policiais. Paralelamente a isso, deve iniciar inquéritos judiciais e administrativos para esclarecer os casos de tortura e assegurar a produção de manuais de formação e educação cívica que possam desencorajar a prática de tortura, onde o cidadão, na sua condição humana, será o epicentro da dignidade humana.

Este é, a meu ver, um caminho para que a República Moral, sonhado por Kant, se constitua em Moçambique, no caso concreto.

*Jornalista moçambicano ([email protected])

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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