Huawei, Tik-Tok e WeChat

Primeiro, vamos eliminar a noção convencionada de que a China espia toda a gente e os espiões dos EUA não espiam ninguém. Há tantas provas públicas para destruir estas duas afirmações que não me vou dar ao trabalho de repeti-las. 

Por Larry Romanoff

No entanto, vou recordar aos leitores que, há alguns anos, a China proibiu, mais ou menos, o Windows 8 no país, porque se descobriu que o Sistema Operativo tinha uma porta traseira da NSA embutida[1] Parece que a Alemanha divulgou primeiro esta ocorrência, mas a prova devastadora foi numa conferência de Informática, quando um executivo da Microsoft foi interrompido durante um discurso precisamente com esta acusação.  [2][3][4][5][6][7][8][9] O orador não negou, porque o indivíduo que fez a acusação foi quem a descobriu e tinha consigo a prova, mas recusou-se a discuti-la e mudou de assunto.

Mas este assunto dificilmente é notícia. Há quarenta anos foi provado que todas as máquinas fotocopiadoras Xerox entregues a embaixadas e consulados estrangeiros nos EUA estavam "preparadas para executar funções de espionagem"[10][11] Além do mais, pelo menos, durante 20 anos e talvez muito mais, era do conhecimento geral que, quando qualquer embaixada, consulados, bancos e outras empresas estrangeiras encomendavam computadores e hardware semelhante a fornecedores americanos, essas remessas eram interceptadas pela UPS, entregues à CIA e/ou à NSA para instalação de hardware e software "extra", antes da entrega aos respectivos destinatários. Esta situação foi uma das confirmações de Edward Snowden[12][13][14][15] Qualquer pesquisa sobre este caso dar-lhe-á milhões de visitas, a menos que a Google escolha esse momento para ficar sem memória.

Huawei

Os problemas de Trump com a Huawei eram duplos. O mais óbvio é que a China está a criar uma política de medo quando se trata de inovação e invenção e Trump gostaria de abrandar esta situação destruindo a Huawei e está claramente a fazer todos os esforços possíveis a este respeito, incluindo intimidar e ameaçar metade do mundo conhecido contra a utilização dos produtos Huawei. Mas esta é a parte mais insignificante desta questão; o verdadeiro problema é a espionagem. Não vale a pena contestar a afirmação de que a Cisco e outras empresas americanas de hardware e software instalam back doors (uma forma não documentada de obter acesso a um computador ou aos dados nele contidos) em todo o seu equipamento para facilitar o acesso da CIA e da NSA. Mas, de súbito, a Huawei está a preencher a posição da Cisco e de outras empresas americanas com o seu equipamento melhor e menos dispendioso.

Essa parte está perfeita, mas como é que a CIA e a NSA podem abordar a Huawei e pedir à empresa que instale ‘back doors’ no seu equipamento para que os EUA possam espiar a China – com prioridade sobre todos os outros países? Não há outra solução para este problema senão destruir a reputação da Huawei, acusando-a de ser uma ameaça de espionagem e de conseguir que o equipamento dessa empresa seja banido. E isto aplica-se não só aos EUA, mas a toda a  Rede de Espionagem dos Five Eyes, que abarca os EUA, o Canadá, o Reino Unido, a Austrália e a Nova Zelândia. [16] Em resumo, esta Rede foi criada para infringir as leis, enquanto fingia que nenhuma lei estava a ser transgredida. De um modo geral, é contra a lei que um governo espie os seus cidadãos, mas essa lei não se aplica a um governo estrangeiro. Assim, o Canadá espia os cidadãos australianos e envia a informação para os espiões australianos que podem afirmar que não fizeram nada de mal. Lave as mãos e repita. A parte triste desta história é que a "inteligência", ou seja, ”a informação secreta” recebida é geralmente de pouco interesse para os quatro participantes menores, mas toda ela é partilhada com os EUA, que estão a ferver para espiar o mundo inteiro e apoderar-se de "todas as comunicações" de todo o tipo, em todo o mundo. Assim, não basta proibir a Huawei só nos EUA, porque o equipamento desta empresa iria anular o esforço da NSA nas outras quatro nações. Assim, existe a intimidação dos EUA para assegurar que cada um dos seus ‘five eyes’ se livre da Huawei. E esta é toda a história, quer gostem, quer não gostem.

Tik-Tok

O Tik-Tok não representa nada importante, excepto que está em concorrência directa com plataformas americanas semelhantes e provou ser demasiado popular e competitivo para ser permitido sobreviver. Isto é apenas um tiro saído pela culatra contra a China. Sem ameaça, sem nada. No entanto, tal como acontece com todos os produtos e plataformas semelhantes, contém muita informação pessoal especialmente útil para o marketing, que até agora tem sido propriedade privada de pessoas como a Google, Facebook e Twitter. Assim, Trump matava dois pássaros com uma só cajadada: ou simplesmente matava o Tik-Tok com alguma acusação falsa (se me permitem a expressão) de espionagem, ou forçava uma venda a uma empresa americana. Seja como for, a China perde maciçamente enquanto a opressão política e o valor de marketing dessa informação pessoal permanecer em segurança, em mãos americanas de confiança.

WeChat

Uma vez que poucos americanos estão familiarizados com o WeChat, deixem-me descrevê-lo. Muitas destas funções estão disponíveis no Ocidente através de várias plataformas, mas nem sempre na mesma medida nem com a mesma comodidade.

Com o WeChat podemos transmitir mensagens de texto e voz, fotografias e vídeos, e outros ficheiros de qualquer descrição, mesmo de muitos Mb de tamanho. Podemos enviar e receber tanto mensagens de texto como de voz em qualquer língua, porque o WeChat tem uma excelente função de tradução em combinação com um dos seus parceiros, que não só traduz texto e voz, mas extrai e traduz todo o texto contido nas fotografias, útil para menus de restaurantes se não conseguir ler chinês. Podemos fazer não só chamadas de voz, mas também chamadas de vídeo para qualquer pessoa em qualquer lugar que transmita através da Internet. É tão conveniente que o WeChat é a opção de comunicação padrão para grande número de pessoas com múltiplas finalidades. O WeChat tem também uma plataforma ‘Moments’ onde podemos publicar textos, fotografias, vídeos, que são visíveis para aqueles que constam nas nossas listas de contactos enquanto seleccionamos aqueles que podem ou não podem ver, reservando algumas publicações para os amigos próximos, e outras, para o público em geral.

Na China temos dois sistemas primários de pagamento online, um operado pela Alibaba (chamado Alipay) e o outro pela WeChat. A sua utilização é quase universal na China e ambos estes sistemas são gratuitos para o utilizador. Durante os últimos anos não me consigo lembrar de um único caso em que tivesse dinheiro no bolso (mesmo alguns trocos) quando ia a qualquer lado ou comprava qualquer coisa. Mesmo para comprar um pequeno ramo de cebolas verdes num mercado de rua, o vendedor tem um código QR que o meu telefone digitaliza e o pagamento na sua conta bancária é automático.

Com o WeChat, podemos enviar dinheiro uns aos outros. Se quisermos partilhar o custo do almoço, pode pagar a totalidade da conta e eu transfiro a minha parte para si através do WeChat. Se alguma vez precisar de dinheiro, posso ir a qualquer loja ou mesmo abordar um estranho e pedir 1.000 RMB e reembolsá-lo instantaneamente na sua conta WeChat. É frequentemente utilizado para transferir dinheiro internacionalmente desta forma, enviando dólares para um amigo num país e recebendo RMB para uma conta WeChat, na China. Instantâneo, seguro, e livre de todas as taxas. Tudo acontece num segundo, com uma mensagem de texto de confirmação do banco de ambas as partes da transacção. O WeChat é a principal razão pela qual as pessoas podem viajar para qualquer lugar na China apenas com um telemóvel, o passaporte (e uma muda de roupa). Deste modo, as pessoas podem comprar bilhetes de avião ou de comboio, pagar as tarifas de táxi e as contas do hotel, as contas de restaurante, através do WeChat.

Outra função útil do WeChat é a partilha de localização GPS em tempo real. Se um grupo estiver a viajar para um destino em vários carros, o WeChat exibe um mapa GPS activo mostrando todos os locais no espaço e tempo reais. Se me encontro com um amigo num centro comercial ou parque ou noutro local amplo, com esta função de GPS podemos ver a localização um do outro em tempo real e sei qual o caminho a percorrer para encontrar o meu amigo.

Temos grupos WeChat que podemos criar com qualquer número de participantes para qualquer fim conveniente. Durante o confinamento obrigatório do COVID-19 em Shanghai, tivemos um grupo temporário WeChat para comprar carne e verduras, que funcionava melhor do que qualquer supermercado e com muito menos problemas. Se eu quiser organizar uma festa de Natal, formo um grupo com as pessoas que tenciono convidar, e todas as nossas discussões e o planeamento têm lugar dentro dessa plataforma. A maioria das comunidades (pequenas porções de bairros residenciais) têm um grupo WeChat para notificação de eventos comunitários e partilha de informação importante.

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A questão das "sanções" de Trump contra o WeChat é, em primeiro lugar, o facto de que acabou por dificultar as comunicações internacionais de estudantes, cientistas, diplomatas, jornalistas, para todos aqueles nos EUA que têm comunicações frequentes com a China, efeitos sentidos mais seriamente pelos que estão na China, o que é uma vantagem para Trump. Em segundo lugar, a Administração Trump estava desconfortável, na medida em que o WeChat estava a invadir o território do Twitter, do Facebook,do WhatsApp, do Instagram e de outras redes sociais, com cerca de 100 milhões de downloads nos EUA e as suas acções eram destinadas a recuperar parcialmente esse território, proibindo simplesmente um meio concorrente que ameaçava tomar conta e prejudicar seriamente a popularidade das plataformas americanas com funções semelhantes.

Mas o mais importante foi o papel de espionagem e censura da iniciativa de Trump. À medida que o laço de censura se apertava em torno do Facebook e do Twitter, os americanos estavam, naturalmente, a mudar para o WeChat. A verdadeira questão não era que o WeChat representasse qualquer perigo para os EUA em qualquer sentido, mas, tal como com a Huawei, a CIA e a NSA não podiam abordar o WeChat e pedir a partilha automática de todos esses dados pessoais. Por conseguinte, sob o pretexto de que a China não era digna de confiança, o governo dos EUA simplesmente proibiu o WeChat e, portanto, ninguém nos EUA podia enviar ou receber qualquer mensagem sem que a NSA tivesse uma cópia. Uma enorme vantagem era que qualquer notícia que não se enquadrasse na narrativa oficial seria então estrangulada à nascença, como o Google, o Facebook e o Twitter estavam a fazer e continuam, agora, a fazer. Se a Microsoft ou outra empresa americana comprasse o WeChat, então tudo estaria bem, uma vez que são as empresas americanas, e não as chinesas, que partilham automaticamente com o seu governo, todos os dados dos contactos pessoais dos cidadãos.

*

A obra completa do Snr. Romanoff está traduzida em 32 idiomas e postada em mais de 150 sites de notícias e de política de origem estrangeira, em mais de 30 países, bem como em mais de 100 plataformas em inglês. Larry Romanoff, consultor administrativo e empresário aposentado, exerceu cargos executivos de responsabilidade em empresas de consultoria internacionais e foi detentor de uma empresa internacional de importação e exportação. Exerceu o cargo de Professor Visitante da Universidade Fudan de Shanghai, ministrando casos de estudo sobre assuntos internacionais a turmas avançadas de EMBA. O Snr. Romanoff reside em Shanghai e, de momento, está a escrever uma série de dez livros relacionados com a China e com o Ocidente. Contribuiu para a nova antologia de Cynthia McKinney, ‘When China Sneezes’  com o segundo capítulo, “Lidar com Demónios”.

 

O seu arquivo completo pode ser consultado em https://www.moonofshanghai.com/ e  http://www.bluemoonofshanghai.com/

 

Pode ser contactado através do email: [email protected]

 

Notas

[1] https://www.cnet.com/news/china-bans-windows-8-from-government-computers/

[2] https://www.rt.com/news/windows-8-nsa-germany-862/

[3] https://www.technobuffalo.com/nsa-windows-8-exploit

[4] https://wccftech.com/windows-nsa-backdoor-shadow-brokers/

[5] https://www.pcworld.com/article/2047332/is-windows-8-a-trojan-horse-for-the-nsa-the-german-government-thinks-so.html

[6] http://techrights.org/2013/06/15/nsa-and-microsoft/

[7] https://www.forbes.com/sites/daveywinder/2019/11/12/windows-10-security-alert-hidden-backdoor-found-by-kaspersky-researchers/

[8] https://www.neowin.net/forum/topic/1160914-how-nsa-access-was-built-into-windows/

[9] http://techrights.org/2013/06/15/nsa-and-microsoft/

[10] http://electricalstrategies.com/about/in-the-news/spies-in-the-xerox-machine/

[11] https://www.unz.com/lromanoff/state-sponsored-commercial-espionage-the-global-theft-of-ideas/

[12] https://www.extremetech.com/computing/173721-the-nsa-regularly-intercepts-laptop-shipments-to-implant-malware-report-says

[13] https://www.cbsnews.com/news/report-nsa-intercepts-computer-deliveries/

[14] https://www.computerworld.com/article/2487222/the-nsa-intercepts-computer-deliveries-to-plant-spyware.html

[15] https://www.infoworld.com/article/2608141/snowden–the-nsa-planted-backdoors-in-cisco-products.html

[16] https://americanfreepress.net/five-eyes-network-sees-all/

Traduzido em exclusivo para PRAVDA PT 

 

Copyright © Larry Romanoff, Moon of Shanghai, Blue Moon of Shanghai, 2021

 

Tradutora: Maria Luísa de Vasconcellos

Email: [email protected]

Website: Moon of Shanghai  + Blue Moon of Shanghai

 

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Author`s name Larry Romanoff
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