O delírio capitalista e a deriva climática - 2

O delírio capitalista e a deriva climática - 2

Segundo a Comissão Europeia, no período 1990/2016, no espaço comunitário, a redução de gases com efeito de estufa foi de 22%; mas, o aumento do PIB foi de 54%, ligeiramente acima dos 2% anuais, um ritmo que constitui a meta que se pretende manter até... 2050!

1 - Katowice rima com aldrabice

                       

Segundo a Comissão Europeia, no período 1990/2016, no espaço comunitário, a redução de gases com efeito de estufa foi de 22%; mas, o aumento do PIB foi de 54%, ligeiramente acima dos 2% anuais, um ritmo que constitui a meta que se pretende manter até... 2050! A disparidade entre a evolução das emissões e a do PIB é grande e resulta da redução da atividade industrial, na Europa e nos EUA, em paralelo com o fundamental contributo do impacto dos negócios financeiros no PIB, que não estarão, entre as entidades mais agressivas no capítulo ambiental[1]. O gráfico seguinte evidencia, por consequência, que o PIB mundial retomou o seu crescimento acelerado, depois da crise financeira, numa evolução muito mais dinâmica do que o observado para as emissões de CO2 que se mantiveram numa mesma evolução, ascendente e regular, que vem do passado; e que resulta, essencialmente, das áreas não europeias ou norte-americanas, como observaremos com maior detalhe, mais à frente.

 

De modo mais preciso e para o caso da UE (v. figura abaixo), depois da passagem das emissões de gás de efeito de estufa de 5716.4 M t equivalentes de CO2 em 1990 para 4451.8 M t em 2017 (menos 468 M ton/ano) pretendem-se reduções de ... 1935 M ton/ano até 2050 até se atingir o patamar das zero emissões!

  • Acharão que toda a indústria sairá da Europa?
  • Que os transportes coletivos vão expulsar o automóvel privado? Ou que estes serão todos elétricos, com toda a energia motriz produzida a partir de fontes renováveis ou importada de fora da Europa? Ou, que a limitação da circulação automóvel, prevista para o centro De várias cidades europeias, será suficiente para tal?
  • Que o intenso trânsito de camiões nas estradas europeias ou de navios nos portos vai abrandar substancialmente?
  • Que o espaço aéreo vai ficar menos saturado com um afundamento da indústria turística? E que será massificada a produção de aviões baseados em energia solar?

 

  • Será plausível que as atividades emissoras deslocalizadas mantenham o CO2 produzido concentrado em seu redor, sem se espalhar pelo planeta de modo mais ou menos uniforme, não distinguindo os espaços territoriais dos países deslocalizantes dos que receberam as atividades nocivas?

Planear irresponsavelmente nunca foi difícil, sobretudo para quem provavelmente não assistirá à chegada do calendário a 2050. Quem lá chegar que cuide da questão... pensarão os burocratas de Bruxelas.

 

Porém, as coisas são mais complicadas do que o acima referido desempenho, previsto pela UE, enunciado, para brilhar recentemente na cimeira de Katowice. Há um paralelismo histórico entre a produção de energia e as emissões de CO2 (v. figura abaixo); e a substituição de uma forma de apresentação da energia fóssil por outra, deixa sempre na base uma produção de CO2. Pode começar-se a cozinhar numa fogueira, passar daí a um fogareiro a petróleo, depois um outro a gás ou elétrico que sempre haverá uma fatia de combustível libertadora de CO2; a não ser que a energia tenha origem numa fonte renovável ou numa central... nuclear. 

 

                                                                    Energy 2018

 

Entretanto massificou-se o uso irracional do automóvel pessoal, o uso do avião, as longas viagens nas cadeias logísticas e na distribuição, em prejuízo, por exemplo, do comboio; como se massificou a utilização de tomadas elétricas, pilhas e baterias numa infinidade de objetos e aparelhos, na indústria, nos serviços, nos lares, nos bolsos ou nas orelhas. No fundo, só uma parcela pequena provém de energia hídrica, solar ou eólica... como se observará, neste texto, nos Anexos 1 e 2.

 

O problema da reciclagem dessas pilhas e baterias e a raridade dos metais usados em telemóveis e afins, cruza-se com a selvajaria e a economia do crime que rodeia muita da sua extração, em África, o continente mais rico naqueles metais. O combustível das centrais nucleares, sem emanarem CO2, obriga a soluções para os resíduos radioativos, que são caras quando minimamente decentes; ou, mais baratas, se aqueles são despejados em alguns países, contra um despejo de moeda forte num offshore, às ordens dos oligarcas locais. Para além do encaminhamento dos resíduos, há a considerar os casos devastadores, ainda que atípicos, de Chernobyl ou Fukushima; e isso, a despeito de cientistas conceituados como Lovelock entenderem que o nuclear seria uma solução excelente para a produção de energia, uma vez que não produz efeitos de estufa.   

                                                                 

As distintas fases de desenvolvimento capitalista que coexistem no mundo correspondem a diferentes patamares de consumo energético. Nos países mais ricos, a acumulação de capital e as disponibilidades de tecnologias permitem, por um lado, investir em formas menos poluentes de produção energética; e, ao mesmo tempo, exportar as indústrias mais "sujas" ou, deslocalizar apenas segmentos - ou mesmo toda uma fileira - que enforme um dado produto final, para os locais onde o trabalho seja mais barato e as normas salariais ou ambientais menos exigentes.

 

Nos países pobres, as pessoas não gostam de viver com carências, alimentares, na saúde, na educação, com menor longevidade ou, no meio de lixo e poluição; mas gostariam de ter os bens e serviços que existem nos países mais desenvolvidos. E, por isso, aceitam ser um misto de beneficiários e vítimas da enviesada distribuição da produção capitalista que tem como principais determinantes e beneficiárias as grandes multinacionais sedentas de lucros e que delegam em oligarcas e corruptos nacionais o papel de manageiros dos seus próprios povos, tratados como gado. 

 

No seguimento dessa "exportação" de lixo ou poluição, os países mais ricos podem apresentar-se como ambientalmente mais avançados, com um alto nível de apuro ambiental e mostrar-se muito ecológicos; e centrar-se nas áreas de negócio onde a rotação dos capitais é mais rápida e o investimento material menor - a área financeira e os serviços exigentes de maiores qualificações - consultadoria, publicidade, conteúdos, gestão da informação... O seu azar é que o planeta é só um, que as suas diversas parcelas estão integradas através de crescentes e mais densas interligações; com a deslocalização, as emissões apenas mudam de local do planeta onde se produzem, não alterando nada, em termos planetários.

Ler o original e na íntegra

http://grazia-tanta.blogspot.com/2019/02/o-delirio-capitalista-e-deriva.html

 

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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