Síria: À guisa de conclusão

Diplomacia incansável para salvar a Síria 

Como todos os observadores já viram, a situação na Síria evoluiu, de difícil, para ainda mais difícil. Os terroristas do ISIL estão avançando, EUA e Turquia preparam-se para "batalha ampla" (ostensivamente contra os terroristas, mas não há dúvidas de que atacarão o Exército Árabe Sírio), e já se vê que a guerra de Erdogan contra os curdos não passa de cortina de fumaça para implantar a tal "zona de segurança anticurdos" que encherão de terroristas anti-Damasco. 

6 meses para acabar o que começaram
EUA e seu aliado turco já se deram conta de que têm seis meses para acabar o que começaram e depor o presidente democraticamente eleito da Síria, antes que boa parte dos bilhões de dólares iranianos congelados sejam devolvidos a Teerã e imediatamente transferidos para colaborar para a defesa de Damasco. À luz das circunstâncias em rápida deterioração, e da urgência que está empurrando os EUA a apressar o fim do jogo no Levante, Rússia e Síria entraram numa rodada intensa de diplomacia de leva-e-traz [orig. shuttle diplomacy], num esforço para evitar guerra mais ampla e salvar a última sentinela avançada secular que sobrevive no Oriente Médio.

Nesse artigo, detalho algumas das reuniões significativas que já aconteceram, e discorro sobre os efeitos gerais de cada uma. Na sequência, comento as reuniões já previstas e a que podem eventualmente levar, em termos de acalmar a atual crise, a qual, se pode dizer, foi formalmente disparada pela ofensiva da Turquia de Erdogan contra a Síria e a decisão do governo turco de permitir que os EUA usem a base de Incirlik para bombardear a Síria. Na conclusão, sugiro uma medida à prova de falha, à qual a Rússia pode recorrer, no caso de a diplomacia não obtiver os dividendos desejados, e que, se aplicada, impedirá EUA e Turquia de atacarem posições do Exército Sírio Árabe, o que, por sua vez, impedirá que aconteça aquela 'mudança de regime'.

Breve relatório dos encontros 

Houve muitos encontros bilaterais e multilaterais, desde a eclosão da mais recente crise, e é útil listar alguns dos mais importantes, em progressão cronológica, para que todos possam ter melhor ideia de como as coisas evoluíram. Mas não se deve pressupor, de modo algum, que essa lista seja exaustiva, porque com certeza absoluta houve outros encontros (inclusive públicos) que não aparecem listados aqui para não estender demais a lista.

- Rússia-Arábia Saudita

Os dois lados estão realmente trabalhando fora do palco internacional midiático já, no mínimo, há alguns meses; os frutos desse trabalho só começaram a aparecer para o público 'externo' no Fórum Econômico Internacional de São Petersburgo, em junho. Naquele evento, não só os dois lados assinaram um acordo de cooperação no campo da energia nuclear, mas também se anunciou que o presidente Putin e o rei Salman trocarão visitas oficiais no final do ano. Nada se disse sobre consultas sobre a Síria, mas se posse assumir como evidente que com certeza falaram sobre a questão geopolítica mais premente, que gerava impedimento enorme à elevação das relações bilaterais. Considerando-se desenvolvimentos diplomáticos posteriores, que se examinam a seguir, parece não caber dúvidas de que aconteceu exatamente desse modo.

- Rússia-Síria-Arábia Saudita

Ghassan Kadi, ativista e analista, traduziu e explicou relatório de valor inestimável (matéria cuja veracidade ainda não foi nem negada nem contestada por ninguém), que detalha um encontro secreto que a Rússia organizou entre o diretor de Segurança Nacional da Síria e o ministro da Defesa saudita. Segundo aquela matéria, a reunião aconteceu em meados de julho, e o efeito mais importante foi que os sauditas afinal perceberam que o enxame wahhabista que eles mesmos cevaram e dispararam tornou-se incontrolável e que, portanto, é mais que hora de o reino saudita arrancar-se do pântano em que se meteu por conta própria na Síria, antes que a volta do chicote torne-se insuportável.

Além do mais, os interesses estratégicos dos sauditas no Iêmenultrapassam em muito quaisquer cuidados que possam ter em outras regiões. Para o establishment saudita da tomada de decisões estratégicas, melhor transferir para a mais recente aventura militar ao longo da fronteira sul, os recursos, dinheiro e tempo que há tanto tempo consomem na já comprovadamente fracassada guerra contra a Síria. Acrescentem-se a isso os medos paranoicos de Riad, de que o Iêmen converta-se em base para iranianos e aliados do Irã, e faz perfeito sentido que o reino aceite uma derrota na Síria, em troca de tentar salvar qualquer vantagem estratégica que ainda possa ser salva, no Iêmen (e, aliás, quanto mais depressa, melhor).

- Rússia-Arábia Saudita-Qatar (e EUA)

A parada seguinte do carrossel em que se move a diplomacia russa, foi o encontro entre Lavrov  e seus contrapartes saudita e qatari, em Doha na reunião do Conselho de Cooperação do Golfo, ocasião em que Lavrov também conversou com Kerry. Claro que a Síria estava na agenda, e é bastante provável que a Rússia tenha falado aos sauditas, sobre a possível retirada de seus 'agentes avançados'; aos qataris, sobre cortarem o apoio aos terroristas da Frente Al Nusra; e aos EUA, sobre aceitarem que não conseguiram 'mudar o regime' na Síria e das vantagens pragmáticas de aceitarem trabalhar com o presidente Assad. 

O que se sabe com absoluta certeza, contudo, é que a Rússia usou aquela ocasião para expor detalhes de sua mais recente iniciativa anti-ISIL - com uma coalizão de estados regionais (a Arábia Saudita incluída) trabalhando mãos-nas-mãos com o governo sírio, para varrer os terroristas. 

Não se prevê objetivamente que a proposta leve a resultados concretos no futuro próximo, mas é iniciativa muito importante: é a única ideia realmente em discussão, de uma coalizão anti-ISIL não comandada pelos EUA; como tal, é ponto de partida para que cada um dos atores relevantes comece a discutir detalhes do formato que a coalizão pode vir a ter - desde que todos (ou alguns deles) tenham vontade política para isso.

- Rússia-Síria-Irã

Quase no mesmo momento em que Lavrov visitava Doha, o enviado especial da Rússia ao Oriente Médio, Mikhail Bogdanov participava de reunião com os ministros de Relações Exteriores da Síria e do Irã, em Teerã. Não se conhecem detalhes exatos do encontro, exceto peloimportante anúncio de que o Irã em breve apresentará à ONU proposta de quatro itens para resolver a crise síria. Khaled Al-Aboud deputado do Parlamento sírio, falou sobre o assunto, e disse que, na essência, é esforço conjunto russo-iraniano, dado que esses dois paísestrabalham em estreita cooperação em tudo que tenha a ver com a Síria e complementam as atividades um do outro, no trabalho pela paz naquele país. 

A importância dessa reunião não está só no objetivo de agir ativamente para resolver conflitos, mas também na específica ocasião em que a reunião acontece, o que demonstra que a Rússia tem capacidade e meios para conduzir simultaneamente várias camadas de diplomacia para solucionamento de crises (Lavrov em Doha, Bogdanov em Teerã), para lidar com a guerra contra a Síria (o que ajuda a enfrentar os que - como Erdogan - só fazem repetir que a Rússia acabará por "desistir de Assad").

- Rússia-EUA

A rodada final de diplomacia por avião incluiu nova reunião de Lavrov com Kerry em Kuala Lumpur, paralela às sessões da Cúpula da Associação de Nações do Sudeste Asiático (ing. Association of Southeast Asian Nations; ANSEA/ASEAN), onde discutiram mais uma vez a Guerra contra a Síria. A notícia de maior impacto saída dessa rodada de conversas foi que EUA e Rússia concordaram com o rascunho de uma Resolução da ONU sobre uso de armas químicas na Síria. Deve-se dizer que essa iniciativa é um gambito de dois gumes para os dois lados: os EUA podem fazer acusações falsas sobre uso de armas químicas pelo governo (como já tentaram em 2013) para 'justificar' resposta militar de ataque total; mas a coalizão anti-ISILproposta pela Rússia também pode usar a prova de que terroristas usaram recentemente esse tipo de armas (e provavelmente continuarão a usar) para garantir legitimidade àquela campanha militar de coalizão. Seja como for, os EUA não podem ser previamente absolvidos do crime de usarem a desculpa nada ética de que seus próprios 'agentes' usaram armas químicas, para lançar formalmente mais uma campanha para derrubar governo eleito. 

A Resolução que está sendo redigida pode, é claro acabar por não ter qualquer consequência na corrente crise, mas, se se julga pelas aparências, pode também vir a ter papel bastante mais impactante do que creem atualmente vários observadores.

- EXTRA: Síria-EUA

Embora não oficialmente confirmada por nenhum dos lados dada a extrema sensibilidade dessas conversações, artigo publicado em Al-Akhbar e 
traduzido por Ghassan e Intibah Kadi, revelou que Síria e EUA estão em contato direto, secreto, e a visita do ministro Muallem, de Relações Exteriores da Síria, a Omã (primeira visita a país árabe, desde o início da guerra contra a Síria), pode gerar um encontro surpresa com o ministro de Relações Exteriores saudita. Outro veículonoticia que "o jornal al-Watan, com sede em Omã, disse que talvez aconteça encontro entre altos representantes de Síria, Omã, Irã e Arábia Saudita" - o que confere com a fonte e a análise de Al-Akhbar. Como esse jornal noticia, na tradução de Kadis, a visita de Muallem ao Golfo nunca seria possível sem que os EUA autorizasse o anfitrião a convidar o ministro sírio. É indicação forte de que os EUA podem estar seriamente abertos para um cenário sem mudança de regime na Síria. É indicação também de que, eventualmente, os EUA podem estar abertos a aceitar (por mais que venha a ser duro de engolir para alguns estrategistas em Washington), a proposta russa de uma coalizão anti-ISIL

É ainda muito cedo para saber a quê tudo isso está levando, até se está levando a alguma coisa, mas os relatos, ao que parece comprovados, de uma abertura Síria-EUA criam, com certeza, espaço para muita especulação, talvez até esperança, de que os EUA possam estar retrocedendo do movimento de invadir a Síria, projeto e aconselhamento do Brookings Institute.

Os passos seguintes 

A próxima semana verá a continuação da maratona diplomática sobre a Síria, com duas importantes visitas previstas para Moscou:

'Coalizão Nacional Síria' [orig. Syrian National Coalition]

A Rússia convidou a chamada 'Coalizão Nacional Síria' (CNS), principal organização que se opõe ao presidente al-Assad, a visitar Moscou semana que vem. Embora não seja a primeira fez que o convite é feito (já foi recusado uma vez), se o grupo concordar, será indício de que os patrões/financiadores estrangeiros reconhecem os esforços de mediação de Moscou, e estão abertos a permitir que seus agentes-procuradores tomem parte do Diálogo Inter-Sírios [Inter-Syrian Dialogue] que já aconteceu antes em Moscou, duas vezes. 

Nada autoriza a deixar que as esperanças se inflem, mas o fato de a Rússia ter mais uma vez convidado a 'Coalizão Nacional Síria' (CNS), precisamente nesse momento, também mostra o quanto os russos estão empenhados em dar nova vida aos esforços de reconciliação, antes que EUA e Turquia, como se deve prever que aconteça, iniciem guerra convencional total contra a Síria.

Ministro de Relações Exteriores da Arábia Saudita

Diferente da 'Coalizão Nacional Síria' (CNS), o ministro de Relações Exteriores da Arábia Saudita é convidado cuja presença estáconfirmada em Moscou na próxima semana (informação fornecida por fonte na Embaixada Saudita), onde se reunirá com Lavrov, supostamente para falar sobre a visita do rei Salman ainda esse ano. Embora com certeza esse item esteja previsto para a conversa, é improvável que os dois ministros de Relações Exteriores não falem sobre a Síria. Na verdade, pode bem ser que a Guerra contra a Síria seja a única razão da viagem do ministro saudita, e a explicação pública sobre preparativos para a viagem do rei não passe de explicação plausível, para desviar a atenção do real motivo do encontro. Cada vez mais e mais, Rússia e Arábia Saudita dão sinais de estarem seriamente empenhadas em alcançar um acordo sobre a Síria. E Riad pode estar procurando realmente por algum meio não vergonhoso para saltar fora da frigideira.


* * *


Pouco adiante, na mesma trilha, há dois outros grandes eventos prestes a acontecer e que merecem, no mínimo, rápida referência:

Encontro Putin-Erdogan

Erdogan deve visitar Moscou em novembro para discutir o gasoduto Ramo Turco (Ramo Bálcãs) [orig. Balkan Stream pipeline] (sobre o qual escrevi recentemente), o que porá o principal protagonista internacional pró-Síria (Putin) frente à frente com o principal antagonista do governo sírio (Erdogan). Ainda está longe e muito transpirará até lá, mas, na linha da desculpa oficial do ministro saudita para ir a Moscou na próxima semana, eventos desse tipo exigem preparação cuidadosa; não há nenhuma dúvida de que diplomatas russos e turcos estão já em contato bem próximo para resolver esse e outros assuntos de mútuo interesse (o principal dos quais é a Síria).

Assim sendo, bem como n o caso da reunião diplomática russos-sauditas que discutimos acima, diplomatas de alto nível dos dois lados pode encontrar-se no trabalho de 'preparar a grande visita', para conversar sobre temas que os ocupam, como a Síria. Recomento, por fim, a leitura do que escrevi recentemente sobre Erdogan (já linkado acima), para conhecer um pouco mais sobre a possibilidade (por enquanto ainda distante) de a Turquia fechar negócio com a Rússia envolvendo a Síria, em troca de preços de energia vantajosos e outros benefícios.

Encontro Putin-Salman

Em registro mais profundo que o encontro entre Putin e Erdogan, o presidente russo e o rei saudita devem trocar visitas oficiais, mais perto do final do ano. Como já se discutiu, é cobertura diplomática mais do que suficiente para discutir outros temas além de preparativos para a visita, como a Síria. Mas, dada a alta velocidade com que as relações russo-sauditas se aceleraram nos últimos meses, (por exemplo, em julho a Arábia Saudita anunciou que investirá $10 bilhõesna economia russa), algum grande anúncio pode acontecer na oportunidade da visita de qualquer dos dois governantes, à terra do outro.

Ainda nos limites do objeto desse artigo, e considerando o que parece mais provável no momento, pode acontecer de os dois lados anunciarem formalmente que passam a apoiar a Guerra ao Terror que a Síria faz. Pode parecer inverossímil hoje ter-se a Arábia Saudita como cruzado antiterror, mas (i) as relações russo-sauditas avançaram muito, muito depressa; e (ii) já restam poucas dúvidas de que o ISIL é ferramenta dos EUA para dissolver o reino saudita (ou, no mínimo, para pressioná-lo muito fortemente e fazê-lo aceitar todas as futuras demandas norte-americanas). Assim sendo, nada há de inverossímil que os sauditas venham a voltar-se contra a própria progênie, e disponham-se a ajudar a coalizão internacional proposta pela Rússia e concebida para derrotá-la.

Sugestão: uma medida à prova de falha

Até aqui, parece que a grande meta estratégica à que a Rússia visa é chegar a uma resolução a ser aprovada na ONU, ampla e inclusiva (inclui também o Exército Árabe Sírio, no que difere do formato atual e inefetivo proposto pelos EUA) que crie uma coalizão anti-ISIL que liderará a luta contra o terrorismo na região; a coalizão virá acompanhada de uma proposta diplomática russo-iraniana a ser aplicada paralelamente, para induzir uma reconciliação inter-sírios. 

No caso de nenhuma dessas ideias prosperar, e para impedir que seja consumado o festim diabólico urdido por EUA e Turquia para levar à 'mudança de regime' na Síria, a Rússia sempre pode recorrer à medida à prova de falhas de incorporar conselheiros militares seus nas posições de linha de frente em que o Exército Árabe Sírio está lutando.

Essa semana, ouviram-se conversas de que a Rússia está preparada para mandar Tropas Embarcadas para a Síria, se a decisão for tomada. Mas essas conversas foram rapidamente desmentidas pelo porta-voz do Kremlin Dmitry Peskov, que declarou firmemente que "essa possibilidade absolutamente não está na agenda de discussões." 

Mesmo assim, os sírios estão ativamente explorando modos pelos quais a Rússia pode ajudar ainda mais suas Forças Armadas nessa última arrancada, depois de quatro anos de campanha contra terroristas: três altos oficiais sírios chegaram a Moscou na 2ª-feira, para fazer precisamente isso. A ocasião não é coincidência, é claro, e acontece no momento de mais uma escalada na guerra que EUA e Turquia movem contra a Síria, e durante a atual crise sobre o que norte-americanos e turcos farão na sequência. Assim sendo, pode-se cogitar sobre que tipo, precisamente, de "trocas de experiências na luta contra o terrorismo" estão todos procurando, nesse momento crucialmente decisivo.

Deve-se inferir que a visita, muito provavelmente, tem a ver com os sírios terem requerido consultas estratégicas sobre como responder ao mas recente golpe da "Divisão 30" dos EUA - pequenos grupos de unidades avançadas a serem infiltradas na Síria, vindas da Turquia, sob a cobertura protetora de ataques aéreos norte-americanos. No mesmo dia em que representantes militares sírios chegaram a Moscou, circulou a notícia (que Moscou certamente já conhecia, graças à sua mundialmente afamada rede de coleta de informações), de que Obama autorizara o Pentágono a bombardear qualquer entidade que oferecesse resistência contra a tal "Divisão 30", incluindo o Exército Árabe Sírio, se o confronto acontecesse. Claro: é provocação que pode levar a grave escalada na Guerra contra a Síria, com os EUA pondo-se a bombardear toda e qualquer unidade militar ou prédio público do governo sírio, com 'mudança de regime' à moda ultrarrápida, como fizeram na Líbia. Evidentemente, esse desdobramento foi anotado e é objeto de grave consideração em Moscou. E também evidentemente já estão em movimento as áreas estratégicas, para impedir que se configure esse cenário terrível. O assunto certamente foi item de conversa com os altos militares sírios.

Se a Rússia está sendo absolutamente séria sobre remover o potencial de os EUA virem a usar um ataque do Exército Árabe Sírio contra a "Divisão 30" como gatilho para escalar o ataque e impor uma operação de 'mudança de regime' a ferro-e-fogo, nesse caso a Rússia fará muito bem se adotar a via corajosa e decisiva, de posicionar seus conselheiros militares enviados à Síria lado a lado com o Exército Árabe Sírio que combate os terroristas. 

É decisão que, realista e objetivamente, pode ser levada ao conhecimento dos EUA mediante canais formais/informais diplomáticos e de inteligência, para que Washington seja prevenida das consequências inenarráveis de atacarem os sírios que respondam às provocações da "Divisão 30". 

Embora pareça a alguns que essa é sugestão arriscada ou temerária, fato é que os militares norte-americanos nunca, em tempo algum, atiraram diretamente contra soldado russo. Sempre escolheram algum vassalo-procurador para fazer esse serviço sujo (fossem Mujahedeenno Afeganistão ou terroristas na Chechnya). 

A razão é bem clara - ataque direto pelos EUA contra unidade militar russa é causa flagrante de guerra, e, sob as tensas circunstâncias atuais, não há hipótese sob a qual os EUA atrevam-se a esse movimento impensável. Isso posto, se a Rússia implantar esses seus conselheiros militares e os puser em campo de combate lado a lado com os sírios, na luta contra a "Divisão 30", será como expor o blefe de Obama. E é meio para efetivamente impedir qualquer novo ataque pelo Pentágono, o que daria à Síria oportunidade para eficazmente eliminar os grupos terroristas, sem dar aos EUA a oportunidade para iniciar sua ofensiva para mudança de regime.

À guisa de conclusão

A situação na Síria tornou-se extremamente perigosa nas últimas semanas, com EUA e Turquia ameaçando o que parece ser um ataque de última fronteira para impor mudança de regime ao país. A Rússia tem mantido estrita oposição a esse golpe e, para esse objetivo, tem tomados todas as medidas razoáveis que encontra ao seu alcance, no front diplomático, para impedir que aconteça. 

Na sequência de recentes avanços nas relações com Riad, Moscou tem-se dedicado a cortejar o Reino, atraindo-o para a possibilidade de deixar para trás o jogo golpista e aceitar que inevitavelmente aquele jogo está perdido para os sauditas. 

Assim também, a Rússia buscou reforçar simultaneamente suas relações com o Irã, de modo que os dois principais aliados da Síria possam apresentar proposta conjunta com vistas a resolver as dificuldades domésticas dos sírios. 

Costurando todas essas medidas, a Rússia concebeu uma ambiciosa proposta de uma coalizão anti-ISIL, para (i) constituir a base de alternativa realista ao mal concebido, mascarado e fracassado esforço multilateral dos EUA para enfrentar o grupo terrorista; que também (ii) reduzirá a pressão sobre o governo sírio e lhe permitirá agir mais assertivamente para libertar seu estado soberano, sem medo de a dita 'coalizão' norte-americana vir a ser usada diretamente contra a Síria.

Por mais construtivas que sejam as propostas russas, não há qualquer garantia de que sejam bem-sucedidas, motivo pelo qual Moscou deve dar-se conta de que pode usar ainda uma medida à prova de falhas, para deter os EUA e Turquia e impedi-los de escalar sua Guerra contra a Síria convertendo-a em guerra total, do tipo padrão que os EUA usam para derrubar governos. Dado que os EUA ameaçaram bombardear qualquer unidade que ofereça combate contra uma tal "Divisão 30", incluindo na ameaça até o Exército Árabe Sírio, é inteiramente possível e previsível que esse tipo de confronto venha a ser usado como a senha para a campanha do Pentágono contra os sírios; assim sendo, esse é o cenário que se tem de evitar a qualquer custo. 

Não é realista supor que a Síria permitiria que o exército de mercenários dos EUA marchasse, a partir da fronteira turca, diretamente até Damasco, sem encontrar resistência. Implica dizer que, mais cedo ou mais tarde os dois lados inevitavelmente cruzarão espadas, o que seria como abrir a Caixa de Desgraças de Pandora de um ataque pelos EUA contra a Síria. 

Mas, se a Rússia tomar a decisão (difícil, mas estrategicamente necessária) de ordenar que seus conselheiros militares que operam na Síria disponham-se ao lado do Exército Árabe Sírio, na linha de combate contra os terroristas, nesse caso é possível impedir que os EUA bombardeiem a Síria, o que levaria os EUA a terem de abortar o plano de ataque para mudança de regime e salvaria a Síria de destino igual ao que desgraçou a Líbia.*****

6/8/2015, Andrew Korybko, The Vineyard of the Saker

 

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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