Brasil: a Anomalia da Taxa de Juros

Algumas das políticas que constituíram o muito elogiado Plano Real nos anos 1990s foram implementadas em detrimento da economia brasileira, como se vê hoje, 20 anos depois. [Mas hoje] o governo, exatamente como a oposição e os analistas 'midiáticos', todos, falam a mesma língua dos mercados financeiros, e é isso que domina toda a economia brasileira. É raro ver um analista construir crítica em nível mais amplo, mais completa, ou mais sistemática, da economia brasileira.

Um dos resultados mais negativos do muito elogiado Plano Real, implementado durante o governo de Itamar Francofoi que ali se estabeleceu uma das taxas de juros mais altas do mundo. 

Embora os juros tenham sido reduzidos durante os governos de Lula e Dilma, ainda continuam a ser os mais altos dentre todas as nações do G20, com exceção da Argentina. Nessa edição - quarta realização da parceria de Brazil Wire com o Le Monde Diplomatique Brasil, Silvio Caccia Bava entrevista Amir Khair sobre os últimos vinte anos da economia política brasileira, os ajustes de arrocho [a coisa não é 'austeridade', é arrocho (NTs)] e a taxa básica de juros.

Silvio Caccia Bava (SCB):
 O recente ajuste de 'austeridade' foi necessário? Estamos falando de bilhões de reais no gasto público a serem cortados esse ano - corte em aposentadorias, saúde e educação. São os únicos cortes no gasto público de que precisamos?

Amir Khair (AK):  O objetivo é criar melhor equilíbrio econômico e não aumentar a dívida bruta, porque o Brasil, diferente de outros países, tem uma taxa de juros sobre a dívida, que a transforma em gasto.

Quando as pessoas falam sobre os ajustes, só consideram a redução no gasto do governo federal, que é onde os cortes são feitos, e em reduzir taxas federais. Esse é o superávit primário no orçamento. E ignora-se a questão das taxas de juros.

Em 2005, tivermos o maior superávit no orçamento de toda a história, que alcançou 3,9% do PIB, mas tivemos também taxa de juro muito alta. O resultado foi déficit de 3,2% do PIB.

SCB: O que é o resultado primário?

AK: Você calcula toda a arrecadação federal, estadual e municipal do setor público, vê todos os custos e soma tudo. Se você exclui os custos financeiros, que são os pagamentos de juros e retornos financeiros, obtém-se o resultado primário. Quando você soma os custos dos pagamentos de juros e retornos financeiros, você obtém o resultado final, ou nominal, das contas públicas. Esse é o principal indicador observado em todo o mundo, por todas as instituições, as agências de classificação de risco, o FMI, o Banco Mundial, o Banco Interamericano de Desenvolvimento, etc. O resultado primário não é tão importante quanto o resultado final e sua irmã-gêmea, a relação entre dívida bruta e PIB.

Com resultado primário muito fraco - como vimos em 2005 -, mas taxas de juros mais baixas, o resultado foi déficit de 2,4% do PIB esse ano, que foi melhor que o de 2005. Não faz sentido algum falar sobre finanças públicas olhando exclusivamente para o resultado primário. É importante considerar o resultado primário junto com os pagamentos de juros, que é o resultado final.  É o que altera o relacionamento entre a dívida e o PIB - não o superávit primário ou os pagamentos de juros sozinhos.

A questão dos juros está soterrada sob as questões fiscais no Brasil. Difícil ver qualquer publicação ou análise publicada fora dos periódicos especializados, mesmo quando se entrevistam supostos especialistas no assunto, que fale sobre juros. Todos esses evitam a todo o custo o assunto, porque quem dá ordens nas questões fiscais são os grandes bancos.

SCB: OK, mas você não disse se considera necessários os ajustes em andamento...

AK: Acho importante que haja algum equilíbrio entre receitas e despesas, por uma simples razão. Cada vez que o governo gasta mais do que tem, o governo emite títulos, para cobrir a diferença. Ao fazê-lo, o governo aumenta seus gastos com juros - e era isso que estava acontecendo.

Agora, com o chamado ajuste em andamento, pelo qual o governo está lutando para conseguir um superávit primário de 1,2% do PIB, a conta dos juros alcançará 7,5% do PIB, porque o Banco Central continua a elevar a taxa Selic, o que faz subir as taxas de juros que pesam sobre a dívida.

SCB: E esses cortes, com a subida na Selic e nas taxas de juros, resolvem a questão do equilíbrio entre receitas e gastos públicos?

AK: Não. Haverá uma previsível escalada de custos no orçamento, mesmo que, com os reajustes, alcancem a meta de 1,2% do PIB. Temos muitas dívidas além dessa. Pode-se ver, num cálculo simples: se o que se paga como juros da dívida é 7,5% do PIB - e é o que esperamos que seja - e o superávit primário é de 1,2%, haverá déficit de, pelo menos, 6,3%. Déficit de 6,3% aumenta a relação entre dívida bruta/PIB em cerca de 5 pontos; e esse é o indicador que todos analisam.

Acho que escolheram um caminho politicamente difícil. Porque há dois tipos de cortes. O primeiro é o corte que pesa sobre as costas dos trabalhadores, em que se cortam direitos dos trabalhadores. É possível que haja abusos, mas com abusos ou sem, são direitos que estão sendo cortados. O segundo tipo corta isenções de impostos ou taxas para as empresas. Revogar essas isenções sempre provoca forte resistência de gente poderosa que influencia diretamente o Congresso. Muitos dos empresários que pagam por campanhas eleitorais de gente deles e põem gente deles dentro do Congresso para defender os interesses deles, beneficiam-se daquelas isenções.

SCB: Há estimativas de que essas isenções de impostos custaram ao país cerca de 100 bilhões de reais, ano passado.

AK: É, é possível. Não sei o número exato, mas é muita coisa, muita. É feito de modo confuso, e a conta dessas isenções cai sobre os trabalhadores, em cortes nos fundos para pagamento de pensões e aposentadorias. É uma contribuição de 20% da folha de pagamento, que foi eliminada e substituída por uma taxa de 1 a 2% da renda. Aqueles setores que têm folha de pagamento maior que a renda beneficiaram-se muito, porque não passam suas poupanças para o consumidor mediante preços mais baixos; só aumentaram suas margens. Se a meta do governo era fortalecer aquelas empresas, funcionou; mas foi o preço que pagaram para manter uma taxa artificial de câmbio.

SCB: E o que a taxa de câmbio tem a ver com isso?

AK: Essas empresas não competem só com outras empresas brasileiras, mas com empresas em todo o mundo, e está em curso uma guerra de preços terrível, desde 2008. Companhias dos EUA, Europa e Japão entraram pesadamente no disputa por mercado internacional e estão invadindo tudo. Quando se tem uma taxa de câmbio fora de lugar como o Brasil tem desde o governo de Fernando Henrique Cardoso e o Plano Real, cria-se uma situação difícil para empresas brasileiras, na competição por mercados internos, aqui no Brasil, e especialmente no mercado das exportações.

SCB: E o governo controla a taxa de câmbio?

AK: Sim, o governo controla a taxa de câmbio. É errado dizer que a taxa de câmbio estaria "flutuando". Na verdade, as taxas de câmbio em todo o mundo são todas muito mais administradas, que flutuantes. Com o aumento da taxa Selic, o governo atrai dólares e a abundância de dólares derruba o preço. O Brasil hoje está inundado de dólares. Há cerca de $300 bilhões aplicados aqui em investimentos de curto prazo. Durante os últimos 13-14 meses, o Banco Central lançou cerca de $114 bilhões emswaps cambiais, para manter o valor do real, porque, conforme a visão do governo, ele só deve controlar a inflação pela taxa de câmbio, o que facilita a penetração de produtos estrangeiros.

SCB: Que parte as empresas maiores e mais ricas estão pagando, no atual ajuste fiscal?

AK: Não houve nenhum movimento contra aquelas empresas. O BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) continua a garantir-lhes financiamentos, com taxas subsidiadas de juros e que são subsidiadas pela população em geral; e nenhuma das isenções de que gozavam aquelas empresas foram revertidas. Mas esses grandes grupos têm muito a perder, s a economia anda devagar. A renda delas diminui. A atual contraparte disso tudo é que as grandes companhias em geral têm geração fantástica de fluxo de caixa e gigantescas reservas financeiras guardadas para investir, se a oportunidade aparece. Dado que o investimento está paralisado, porque não há perspectiva futura de aumento no consumo, aquelas empresas investem no mercado financeiro, aplicando suas reservas em títulos; e às vezes aquelas grandes empresas ganham mais, no setor financeiro, do que produzindo o que existem para produzir.

SCB: Há outras estratégias para enfrentar a necessidade de reduzir o gasto público?

AK: Há. Mas são todas politicamente difíceis.

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"Como todos sabemos, o setor das comunicações [a imprensa-empresa] aqui no Brasil é diretamente conectado aos mercados financeiros. Praticamente não há nenhuma crítica aos mercados financeiros nos veículos da imprensa-empresa - nem nos jornais nem na televisão nem na Internet."
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AK: 
Se você trabalha com a taxa de juros sobre o consumo que é a maior do mundo, você paralisa o país, porque aquela taxa dobra o preço dos produtos comprados a crédito. Não vejo como andar adiante e tirar vantagem do potencial do consumo, a menos que se corrija a anomalia das taxas básicas de juros. Isso afeta a taxa de câmbio e as finanças públicas. Afeta o capital operacional [orig. working capital] para empresas que ganham 'resgates' financeiros dos bancos; e sacrifica o consumidor. Há alternativas, mas estou falando sobre outra estratégia.

Acho que seria inteligente conter os gastos, desde que  você esteja disposto a trabalhar com todos os itens de despesa, inclusive taxas de jutos. Mas, se se põe isso na mesa, você fará aliados e inimigos.

Quem seriam os aliados de uma política que mudaria as taxas de juros? Em primeiro lugar as federações do trabalho. Em segundo, uma parte das grandes empresas que perdem mais em renda do que ganham na finança, porque querem um mercado para os produtos delas. Em terceiro, as empresas que exportam, em geral grandes empresas que exportam tradicionalmente para Europa, EUA, América do Sul, etc. Esse grupo quer ver muito consumo. São empresas que se se alimentam de consumo e de tudo que as fortaleça para a concorrência no exterior. Esse grupo não quer taxas de câmbio artificiais, e é claro para todos que a atual taxa de câmbio é artificial, por causa de distorções causadas pela taxa Selic.

SCB: Se a Selic foi rebaixada, a quanto iria o dólar?

AK: Não posso dizer com certeza, mas estimo que chegaria a algo entre R$4 e R$5. Acompanho essa questão desde 1980, e a análise mostra que estamos ainda no fundo do poço com a atual taxa de câmbio de R$3. A média histórica é acima de R$4.

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"Se o Banco Central parar de intervir na taxa de câmbio, o dólar subirá para entre R$4 e R$5. Com isso, produtos importados ficarão mais caros e o consumidor brasileiro comprará mais produtos fabricados aqui. Empresas que tenham mais tradição com mercados internacionais poderão reativar as exportações."
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AK: 
Aprende-se muito quando se reativam as exportações, porque é disputa difícil. A tecnologia melhora, a produtividade melhora, a inovação melhora, tudo mediante os desafios externos, onde a concorrência é mais complicada.

Quando a crise começou em 2008, os EUA, Japão, Europa e China depreciaram as respectivas moedas e injetaram dinheiro na economia. O Brasil fez o contrário. Recolheu-se. Por quê? Porque o grande mantra do sistema brasileiro é o "fantasma da inflação". Cada vez que um governante tenta qualquer outra medida, imediatamente começa ataque violento, liderado pelos bancos, que dizem que a tal medida  nova gerará inflação.

E pode-se ver que há outros modos para combater a inflação, sem aumentar a taxa Selic. 80% da inflação brasileira nada tem a ver com a Selic. Tentar controlar a inflação mediante exclusivamente ações do Banco Central é erro básico, numa economia na qual as políticas fiscal e monetária não são integradas.

Sou cético quanto à possibilidade de baixar as taxas de juros, mas isso não invalida a necessidade de começar a trabalhar na área social, principalmente sobre o impacto que essas taxas de juros têm sobre a vida dos brasileiros. Para fazer isso, é preciso aumentar o apoio à sociedade brasileira como um todo. O governo nunca se mobilizou para isso. Não tem nenhuma estratégia para enfrentar a anomalia do mercado financeiro brasileiro.

SCB: A crise atual ameaça cadeias produtivas, como de petróleo e gás. É crise passageira? Continuaremos a desenvolver essas cadeias produtivas internas?

AK: As políticas iniciadas no início do governo de Rousseff tentaram usar a Petrobrás e a Eletrobrás como escudo contra a inflação, e isso criou situação financeira complicada para essas companhias, que tinham planos estratégicos para grandes investimentos que hoje elas já não têm recursos para realizar. Hoje, a Petrobrás está com investimentos atrasados. Isso afeta outras empresas, que são forçadas a demitir e deixam de ver perspectivas promissoras nos investimentos que estavam planejados e foram cancelados. A Petrobrás está cortando seus investimentos de grande escala, para cobrir pagamentos de juros e dívida externa. E nada disso seria necessário.

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"Foi política errada subsidiar preços da gasolina através da Petrobrás, em vez de usar o Tesouro Nacional."
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SCB: Você disse que o grande medo usado para justificar todos esses cortes é a inflação. Há outros meios para combater a inflação, que não sejam os que têm sido usados?


AK: A inflação brasileira pode ser dividida em três fatores, que são os que compõem o IPCA [Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo], o indicador oficial que mede a inflação. Um grupo é o dos preços chamados "livres", no qual está a indústria de bebidas e alimentos, que contribui para 25% do IPCA. Significa que se você, por exemplo, tiver inflação de 10% num determinado mês na indústria de bebidas e alimentos, essa inflação fará subir o IPCA naquele mês, em 2,5%.

Outro grupo é o setor de serviços, que gera quase 70% do PIB. Aí estão milhões de empresas e pessoas, cozinheiros, motoristas, manicures, cabelereiros, restaurantes, etc. O setor de serviços é forte, e o comércio é muito diretamente ligado a ele. Os serviços operam pela lei de oferta & demanda, porque é mercado competitivo, com milhões de consumidores e milhões de provedores de serviços.

Em minha opinião, o maior legado de Lula foi ter incluído 30-40 milhões de pessoas na classe média. Esse grupo quer celulares, TVs, carros e variedade imensa de coisas. Quer serviços, muitos serviços que antes não tinham. 40 milhões de novos consumidores de serviços criaram desequilíbrio entre oferta e demanda. Criou-se assim uma inflação de demanda que chegou em média a 8,5% ao ano, nunca foi inferior a 8%. Dado que os serviços correspondem a 35% do IPCA, se se fazem as contas, vê-se que 35%, a 8%, faz subir o IPCA em 2,8 pontos.


Os preços são definidos pelo mercado
Esses preços não são controlados pelo Banco Central. Os preços dos serviços são definidos pelo mercado, e os da indústria de alimentos são controlados, principalmente, pelas condições climáticas.

Finalmente, o terceiro grupo é o dos preços monitorados, quer dizer, preços que dependem de decisões governamentais nos três níveis, federal, dos estados e dos municípios. Quais são? Energia elétrica e combustíveis são controlados pelo governo federal; preços de água e esgotos, são controlados pelos governos estaduais; e preços dos transportes coletivos são controlados, principalmente, pelos governos municipais.

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"Diferente do que Lula e Fernando Henrique Cardoso viveram, o governo de Rousseff sofreu quatro anos de castigo pelo setor de alimentos. Pouco se ouve falar sobre isso."

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SCB: A inflação daqueles anos vem principalmente desses preços monitorados, que estão voltando aos níveis em que estavam antes de começarem a ser 'segurados', mantidos baixos.

AK: 
E há um quarto grupo, que corre por fora, chamado de "bens comerciais". São bens sujeitos à concorrência internacional. Se uma empresa quiser aumentar o preço do azeite de oliva produzido aqui, sempre haverá azeites de oliva produzidos na Espanha, Portugal, Itália, onde for, que lhe farão concorrência. O/A chefe de família vai ao supermercado, examina a prateleira e, se algum preço aumentou, ele/ela testará algum outro produto. Nesse setor, portanto, a concorrência é ligada a fatores externos.

Ora, ninguém combate preços monitorados, com taxa Selic; ninguém combate preços de serviços, com taxa Selic; e ninguém controla preços de alimentos, com taxa Selic. Nesses três grupos está 80% da inflação. Com taxa de câmbio, só se combatem 20% das forças inflacionárias - e é o que o Banco Central faz, jogando duro com uma taxa Selic elevada, que atrai dólares especulativos.

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"Se você tem muitos dólares fluindo para cá, sua moeda se fortalece, e essa é a política suicidária que foi implantada no Brasil desde o início do Plano Real."
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AK: 
Quando tem havido mais custos que rendas no contexto total da finança pública, incluindo pagamento de juros, o que o Brasil fez foi, simplesmente, emitir papéis da dívida pública. O Banco Central é proibido de lançar papeis, mas o Tesouro Nacional, não. Então, o Banco Central pede ao Tesouro que lance os papéis da dívida pública. Se o Tesouro fosse fiscalmente responsável, não emitiria. Tem de haver um limite para a dívida federal. 

A Lei da Responsabilidade Fiscal tentou impor limites obrigatórios aos governos federal, estadual e municipal, mas nem Fernando Henrique Cardoso, nem Rousseff nem Lula quiseram regulamentar e fazer aprovar no Congresso a parte dos gastos federais. Queriam ter liberdade para aumentar a dívida, e todos definiram as taxas de juros sobre essa dívida. Se você regulamentar essa parte da Lei de Responsabilidade Fiscal, esse grupo terá de pensar duas vezes antes de lançar papeis da dívida pública

Outro modo de financiar a dívida é emitir moeda. O governo injeta recursos na economia, mas automaticamente os que são contra o governo se põem a dizer que emitir moeda gera inflação, porque põe mais dinheiro em circulação. Se disso fosse verdade, a inflação seria estratosférica nos EUA, que praticamente triplicou a base monetária desde a crise de 2008. Europa, China e Japão fizeram o mesmo. Nem por isso estão hoje com medo de alguma deflação.

A base monetária do Brasil está em torno de 4-5% do PIB. Em todo o mundo, a base monetária é superior a 30-40% do PIB. 

Com a política atual, o governo brasileiro segura a economia brasileira por todos os meios possíveis e passa custo fiscal gigante para o setor público, da ordem de 7-8% do PIB, quando, no resto do mundo, esse custo fiscal da dívida está em torno de 1-2% do PIB.

SCB: Por que não fazemos o que fazem outros países?

Falam a mesma língua dos mercados financeiros
AK: Porque o governo, exatamente como a oposição e os analistas 'midiáticos', todos, falam a mesma língua dos mercados financeiros, e é isso que domina toda a economia brasileira. É rato ver um analista construir crítica em nível mais amplo, mais completa, ou mais sistemática, da economia brasileira.

SCB: Olhando adiante, considerando a situação em que estamos, como poderemos sair dessa espiral descendente que os ajustes fiscais estão induzindo?

AK: Às vezes, acho que a própria crise nos indicará o caminho. Se insistirmos no caminho atual, acabaremos o ano com redução de 2% no PIB. Não acontece há décadas, e a estimativa de crescimento para o próximo ano está entre 0-1%. Quais serão as repercussões disso, em termos sociais? Desemprego aumentando. Haverá tensão social, as pessoas reagirão com cautela, sem querer comprar, e os lucros também cairão. A situação social e econômica que afeta o país piorará e podemos chegar a um ponto muito próximo da ruptura. Ainda não estamos lá, porque ainda há um fiapo de esperança de que os chamados ajustes fiscais funcionem.

Não é possível sentar calmamente, depois que se compreende que a coisa só pode piorar. É preciso começar a procurar aliados nesse processo. É preciso pôr a boca no trombone.

SCB: Procurar aliados implica que serão reunidos, para entregar uma agenda mínima. Qual é essa agenda e quem são os aliados?

Classe trabalhadora
AK: Falando em termos da classe trabalhadora, a maior aliança é aliança para defender o emprego; em segundo lugar, para buscar melhorias nos salários e nos benefícios. Com a classe empresarial, há aliados a buscar entre as empresas que tentam aumentar os próprios ganhos. Não há empresário que não queira aumentar seus ganhos, melhorar sua posição competitiva, e esses passos estão necessariamente associados ao crescimento econômico. Aí há também importantes aliados a buscar. 

E, por fim, um aliado que está surgindo no Brasil e tem muita força é a sociedade civil, a própria população que se organize e reclame por melhores serviços do setor público. Esse grupo ainda é amorfo, do ponto de vista de propostas, etc., mas é grupo que grita e agita. É preciso falar também a esse grupo, que pode ser aliado maravilhoso. Não quem fala em termos de impeachment-sim, ou impeachment-não, ou de volta da ditadura militar, mas  dos militares, mas gente que, sim, dará muito trabalho ao governo Rousseff, se o governo tentar responder com mais impostos.

SCB: No caso de Curitiba, no momento, são os professores.

AK: Esse é um dos exemplos fortes. E mobilizador. Os professores têm relação muito estreita com o governo, de quem eles dependem como trabalhadores assalariados do setor público, são grupo organizado, que faz barulho, e as redes sociais multiplicam os protestos e o poder desse tipo de grupo. Quando você começa a fazer coisas concretas... 

Por exemplo, o programa Mais Médicos é excelente programa governamental, que começou a pôr médicos em lugares onde jamais antes houvera médico. Assim você cria uma opinião pública favorável, e o grupo que se opõe ao Mais Médicos começa a perder poder. Há tantas coisas já feitas, a questão é realmente pôr tudo isso a operar. *** FIM DA ENTREVISTA ***

 


Silvio Caccia Bava é cientista político e editor-chefe de Le Monde Diplomatique BrasilAmir Khair é Mestre em Finanças Públicas e ex-secretário de Finanças na gestão da prefeita Luiza Erundina em São Paulo (1989-1992). 

27/7/2015, Silvio Caccia Bava entrevista Amir Khair,* Brasil Wire (traduzido)

 

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey