Não há desenvolvimento dependente

Dei ao artigo anterior o título "Crescimento do Subdesenvolvimento.   Só posso atribuir à desinformação o fato de tanta gente crer em desenvolvimento do Brasil, após 1954,  e,  mais ainda, continuar-se, até hoje, a falar de modelo de desenvolvimento e de retomada do desenvolvimento, como se ele tivesse existido nestes 60 anos.

2. É a velha confusão entre os dois termos.  Para  dizer se um país se desenvolve ou não, basta olhar as estatísticas de crescimento e verificar se taxas expressivas de incremento se mantiveram ininterruptamente durante longos períodos, pelo menos de 25 anos.

3. Isso jamais ocorreu no Brasil. Nos últimos 60 anos, os únicos períodos com taxas reais ininterruptas  acima de 7% foram 1968/1974 (sete anos) e 1957/1961 (cinco anos).

4. Taxas baixíssimas verificaram-se em  1956; 1963/1965; 1981/1983 (taxa média negativa); 1988/1990  (taxa média negativa); 1996/1999; 2000/2003; 2009/2014, com um único ano (2010) apresentando 7,5% positivos.

5. Esse lastimável quadro - e seria ainda pior se os dados fossem os mais relevantes (PNB em vez de PIB) comprova o desastre que é  o modelo dependente, pois uma gestão apenas regular teria conduzido a resultados incomparavelmente superiores, compatíveis com os prodigiosos recursos naturais do País.

6. Evidente, portanto, que esse modelo, caracterizado pela crescente ocupação pelo capital estrangeiro de todos os setores da economia,  formou  péssimas estrutura e infraestrutura.

7. A lavagem cerebral faz acadêmicos e jornalistas, da direita à esquerda, se regozijarem com os "investimentos" estrangeiros por os julgarem indicadores da vitalidade econômica do País, pensando que se trata de  investimentos reais.

8. Ignoram ou fingem ignorar que esses "investimentos" provêm, na maior parte, de subsídios públicos e que, em razão das transferências das subsidiárias das transnacionais às suas matrizes, acarretam pesadas perdas líquidas de capital para o País.

9. Na realidade, o valor das remessas de recursos materiais e financeiros ao exterior constituem grandes múltiplos da entrada efetiva de capitais estrangeiros, devido não só às saídas pela conta de lucros e dividendos, mas, mais ainda, por outras contas do balanço de  transações correntes, notadamente através do superfaturamento de importações e do subfaturamento de exportações, além do pagamento de serviços superfaturados e até fictícios.

10. Ora, os governos que se sucederam no Brasil têm tido por prioridade máxima manter as boas graças do sistema financeiro mundial, sem as quais creem que sofreriam retaliações financeiras insuportáveis.

11. Acuada pela hostilidade dos demais poderes de Estado e de outras instituições, ademais da dos meios de comunicação social - a atual presidente  - viu-se obrigada, diante das crises fiscal e externa, a adotar políticas que degradarão ainda mais a situação econômica e financeira do País.

12. Se não o fizesse,  o País perderia o "investment grade",  ou seja, a avaliação das agências de risco de crédito faria cortar o crédito por parte de instituições financeiras e investidores estrangeiros.

13. Mas manter o grau de investimento para quê? Isso significa para o  Brasil apenas continuar recebendo grande fluxo de  capitais, como acontece há muito tempo, com o único efeito de desnacionalizar, desindustrializar e deteriorar sua economia.

14.  Desde os anos 80, o percentual da indústria de transformação no PIB caiu  de 33% para 11,5%. Ou seja: a desindustrialização fez-se notar,  cerca de 25 anos após o início da desnacionalização em grande escala,  e tornou-se aguda, a partir do momento em que esta foi acelerada.

15. Como mostrei no artigo anterior, as  crises econômico-financeiras no Brasil são recorrentes, por terem causa estrutural, e é justamente a estrutura econômica que costuma ser deteriorada em consequência  da política econômica que se diz anticrise.

16. Então, que fazer?  Eliminar  as causas do mal, em vez de  aumentar a dose dos "remédios" que sempre foram aplicados com péssimos resultados.

17. Para sobreviver como País, é imprescindível construir uma economia competitiva, o que exige sua nacionalização, pois o interesse das transnacionais é importar matérias-primas essenciais, a preço vil, e transferir ao exterior lucros estupendos, além de monopolizar o controle da tecnologia, inviabilizando  o desenvolvimento de tecnologias que pudessem competir com aquelas de que são proprietárias.

18. São indispensáveis  infraestruturas de energia, transportes e comunicações baseadas em recursos naturais e tecnológicos locais, voltadas para propiciar custos baixos para a indústria  e demais setores de uma economia nacional integrada, muito diferente da atual, construída em função de interesses estrangeiros.

19. A economia deve  ter espaços abertos a empresas privadas -  médias e pequenas -  e grandes estatais, inclusive na área financeira.  Emissões monetárias do Tesouro e títulos públicos com juros baixos assegurarão baixo custo para os recursos financeiros aplicados na produção de bens e serviços. Entre as prioridades, investimentos  nas Forças Armadas, especialmente em seus projetos de elevado conteúdo tecnológico.

20. Além de recrutar e financiar profissionais brasileiros  para reconstituir o setor privado nacional desconcentrado e para empregá-los em estatais, o Brasil poderia importar engenheiros e técnicos de países com forte base industrial,  atualmente assolados pela depressão econômica.

21. É evidente que tudo isso é intolerável para o sistema imperial e  acarretaria sanções econômicas contra o Brasil,  mas elas não nos causariam mal.

22. O Brasil só tema ganhar buscando o desenvolvimento no quadro de um modelo relativamente autárquico,  podendo formar espaço de maior dimensão econômica em associação com a Argentina, e intensificar  a cooperação com  membros do BRICS, excluída a relação em moldes centro-periferia.

23. A história política e econômica subsequente ao golpe de 1954 mostra  continuidade - velada pelas diferenças formais e ideológicas  dos diversos regimes e governos - caracterizada pela consolidação e aumento, a cada etapa,  da desnacionalização e do  enfraquecimento estrutural da economia,  juntamente com o incremento da submissão política às imposições imperiais.

24. O capitalismo levou a economia e as finanças a espantoso grau de concentração, o que foi realizado, infringindo as regras - em geral frágeis, devido à força política dos concentradores -  instituídas por alguns Estados para  que o sistema guardasse alguma semelhança com o modelo favorável à economia de mercado e à  concorrência.

25. Entre os meios usados pelos carteis estão as fraudes, o uso de advogados especializados em encontrar brechas na legislação, e a própria corrupção de autoridades públicas e  no seio de concorrentes.

26. É mais um sinal da deterioração e do enfraquecimento do sistema político no Brasil que um juiz de Vara federal no Paraná esteja cerceando, seletiva e amiúde injustificadamente,  o que resta de empresas nacionais de grande porte, dotadas de tecnologias competitivas, e prejudicando atividades da Petrobrás.

27. O mesmo é demonstrado pela urgência concedida para a tramitação do projeto do senador José Serra que atende as reivindicações das companhias estrangeiras de petróleo, interessadas nas fabulosas reservas descobertas pela Petrobrás, tal como ele prometera ao Embaixador dos EUA, conforme revelações do Wikileaks.

28. No mesmo sentido, a intervenção do Banco Central podadora da capacidade de investimento da Petrobrás, impedindo o  BNDES de financiá-la: medida reprovável, coerente com a tradição do BACEN, hostil às atividades produtivas, e determinante do eterno desequilíbrio das contas públicas, através da política de juros exorbitantes.

29. Também, atitudes do Executivo,  como a de Petrobras ter posto à venda, para serem desnacionalizados, 49% das ações da subsidiaria Gaspetro, que participa em 19 distribuidoras estaduais de gás natural. A venda é conduzida pelo Itaú-BBA, que estaria convidando  as japonesas Mitsui, Marubeni e Itochu, a chinesa Beijing Gas, a franco-belga GDF Suez e a espanhola Gás Natural.

30. Em suma, a experiência histórica, de séculos, demonstra que quanto mais os países periféricos ricos em recursos naturais, cedem às imposições imperiais, mais ficam enfraquecidos e empobrecidos. Portanto, ou o Brasil toma rumo muito diferente do dos últimos 61 anos, ou o destino de seu povo será de lastimar.

Adriano Benayon * - 29.06.2015

* - Adriano Benayon é doutor em economia pela Universidade de Hamburgo e autor do livro Globalização versus Desenvolvimento.

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