SÃO PAULO - Os historiadores do futuro, quando se debruçarem para estudar as razões da estagnação econômica do Brasil e da maioria das nações latino-americanas neste começo de século XXI, certamente, vão concluir que foram decisões políticas equivocadas que contribuíram decisivamente para esse quadro. Provavelmente, vão perceber que foram razões ideológicas do tempo da Guerra Fria (1945-1991), que já não se justificariam àquela época, que levaram os governos do Brasil e da Argentina a trabalhar com afinco nos bastidores para o malogro das negociações que previam à criação da Área de Livre-Comércio das Américas (Alca), que reuniria 34 países, com exceção de Cuba, em função de embargo econômico imposto pelos Estados Unidos. Milton Lourenço (*)
Para o governo brasileiro à época, não seria do interesse do Brasil participar de áreas de livre-comércio com economias mais desenvolvidas, que apresentam vantagens estruturais em relação a países em desenvolvimento. Segundo esse pensamento, com a Alca, as empresas brasileiras se veriam expostas à livre concorrência com corporações norte-americanas maiores e mais poderosas. Além disso, os países-membros da Alca teriam de abrir mão de muitos instrumentos de política governamental, o que significaria deixar de lado seus projetos nacionais de desenvolvimento. Outra ideia consagrada à época pelos formuladores da política externa brasileira é que acordos com países desenvolvidos criariam dependência, mas não crescimento e empregos.
Esse tipo de pensamento, porém, ao que parece, não é defendido há muito tempo pelos formuladores da política externa da China, que continua a se anunciar como um país de regime comunista, ainda que só de fachada. Basta ver que, se por volta de 1998 - à época em que se começou a falar sobre a possibilidade de uma união aduaneira no continente americano -, o comércio China-Estados Unidos era praticamente igual a zero, hoje o país asiático ocupa o espaço que seria praticamente exclusivo dos outros 33 países que formariam a Alca.
Ou seja: em 2013, os Estados Unidos figuraram em segundo lugar entre os parceiros comerciais da China, com trocas de US$ 521 bilhões, 7,5% a mais do que em 2012. Mais: hoje, os norte-americanos importam mais da China do que a União Europeia, a ponto de o superávit comercial do país asiático com os Estados Unidos superar a marca de US$ 215 bilhões, segundo estatísticas chinesas. Sem contar que os dois países negociam no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC) um acordo para eliminar direitos sobre produtos de tecnologia de informação.
Se a Alca tivesse seguido adiante, muitas indústrias multinacionais teriam se instalado no Brasil e na Argentina para produzir e vender seus produtos para Estados Unidos, Canadá e México e demais parceiros, aproveitando-se da menor distância, de insumos mais acessíveis e mão de obra mais barata. Como isso não se deu, Brasil e Argentina passam, nos dias atuais, por acelerado processo de desindustrialização.
Hoje, a China, que em abril de 2009 passou a ser o nosso principal parceiro comercial, tem mais de 17% do fluxo comercial total do Brasil, enquanto os Estados Unidos, 14%. Mas a relação comercial entre Brasil e China se resume, praticamente, a venda de matérias-primas brutas - como minério de ferro e soja - e recursos naturais - como petróleo - para o país asiático e compras de produtos de alta tecnologia - como peças para televisão, computadores e celulares - ou industrializados. Resultado: é uma relação que só cria dependência, sem gerar crescimento e empregos.
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(*) Milton Lourenço é presidente da Fiorde Logística Internacional e diretor do Sindicato dos Comissários de Despachos, Agentes de Cargas e Logística do Estado de São Paulo (Sindicomis) e da Associação Nacional dos Comissários de Despachos, Agentes de Cargas e Logística (ACTC). E-mail: [email protected]. Site: www.fiorde.com.br.
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