Toda e qualquer crise financeira, mesmo depois de debelada, costuma deixar como sequela, no mundo econômico, um rastro de incertezas, vulnerabilidades e facilidades de novo contágio. Em geral, o segundo round, quando acontece, costuma ser bem pior que o primeiro.
Marcus Eduardo de Oliveira (*)
Toda e qualquer crise financeira, mesmo depois de debelada, costuma deixar como sequela, no mundo econômico, um rastro de incertezas, vulnerabilidades e facilidades de novo contágio. Em geral, o segundo round, quando acontece, costuma ser bem pior que o primeiro. As incertezas se devem, grosso modo, ao fato de que nem sempre essas "curas econômicas" ocorrem de forma total e plena. Nem sempre os medicamentos são dosados de forma adequada. Nem sempre todas as portas são fechadas. O Japão é um caso ilustrativo: debelou a crise, mas está uma década sem crescer de forma vigorosa patinando sempre em incertezas. Em geral, as incertezas ecoam do mercado e no mercado promovem os devidos estragos.
O fato concreto, contudo, é que nunca houve alguma dúvida de que o mercado, esse "ser estranho", por natureza, é um local extremamente volátil. Ninguém sabe ao certo o que "pensa" o mercado (se é que pensa), ou melhor, o que pensam àqueles que fazem e acontecem no mercado. Enquanto isso, as incertezas perambulam de praça em praça - a Europa que o diga, em especial os bancos italianos (grandes credores do país), hoje em situação muito vulnerável.
No entanto, também não há espaço a dúvidas de que a maior economia global, hoje vitimada por profundas incertezas em decorrência de desajustes em suas contas públicas, tenha contribuído, sobremaneira, para esse desequilíbrio ora experimentado.
O tempo tem mostrado que em economia certas premissas são tidas como espécie de "normas" irrefutáveis. Uma delas atesta, por exemplo, que insegurança (leia-se risco) quanto à economia é claro sinal de consumo menor à frente; logo, isso faz travar a produção e a geração de empregos e renda. Eis o cenário completo de uma recessão.
Tempos estranhos
O que pouco tempo atrás era inimaginável hoje é fato; o que era mera obra de ficção ou discurso retórico hoje é realidade. Nos Estados Unidos da atualidade, republicanos e democratas parecem não entender que dívida gera dúvida. E a dúvida, nesse caso, faz travar à locomotiva (economia dos EUA) que puxa o resto do mundo. Risco de default (quem diria que os EUA cogitariam isso?), crise política, rebaixamento da classificação de risco dos títulos públicos (quem poderia prever isso?), pressão da maior credora (China), turbulência na zona do Euro, taxa de desemprego elevada. São "tempos estranhos" escreve Luciana Coelho (Folha S. Paulo, A2, 07/08/11). Continua a articulista ponderando que "o país do culto à assertividade descobre a falta de certezas. Quem tanto cobrou ação agora atrai o temor alheio". Na essência, o que vem ocorrendo é um "mixed-feelings" (confusão de sentimentos). Essa "confusão" desorienta mais ainda o já desorientado mercado.
O que vem pela frente? Difícil prever em se tratando de tempos globalizados aonde as informações se propagam com rapidez inimaginável. Pouco tempo atrás, o "mundo econômico" era bem conhecido: os maiores devedores e as praças econômicas pouco confiáveis eram Brasil, Argentina e Turquia. As taxas de juros mais elevadas sempre estiveram por aqui e o risco de investimentos eram altos pelas bandas de cá; não raros eram os ataques especulativos e a América Latina, antigo "quintal" do FMI e do Banco Mundial, servia de "exportação de capitais" para bancos estrangeiros.
Hoje, um pedaço considerável da Europa, do clube rico e pré-falido, está com o pires na mão pedindo dinheiro, eis os casos de Portugal, Espanha, Grécia, Irlanda e Itália. A taxa de desemprego na zona do Euro está acima dos dois dígitos. Especialmente na Espanha, o desemprego entre jovens de 18 a 25 anos é maior que 20%.
Por aqui, o dólar "derrete", a bolsa despenca e o mercado "abre" o olho atônito. Na esteira de uma política monetária expansiva praticada pelos EUA desde 2008, na tentativa de injetar bilhões e bilhões de dólares que serviriam em tese para reaquecer o consumo, os dólares migram com maior velocidade mundo afora. Mais dólares em nossa economia (somente em julho o ingresso foi de US$ 18 bilhões), maior é a valorização do Real e menor nossa capacidade de exportação o que resulta em considerável perda de competitividade da indústria brasileira. O que por ora nos sustenta atende pelo nome de consumo interno, de um lado, e pelos preços elevados das commodities, de outro. Mas, como a economia é feita mais de perguntas que respostas, fica a indagação: até quando isso se manterá?
Caso venha a ocorrer o que ninguém deseja - uma segunda recessão na América do Norte e uma debandada financeira na Europa-, implacavelmente os preços do petróleo, do minério de ferro e mesmo da soja, nossas "meninas de ouro" da pauta de exportação seriam prejudicadas com o aviltamento dos preços. Com isso, nossa capacidade de exportação diminuiria, nossos empregos minguariam e nossa renda se enfraqueceria. Assim, os reflexos em 2012 seriam imediatos. 2012, além da eleição presidencial norte-americana é um ano-chave para o futuro econômico de todos que esperamos seja mais de calmaria e de certezas do que de instabilidade e vulnerabilidade. Que não tenhamos turbulências e/ou aflições. E isso nada tem a ver com a ficção cinematográfica que aponta o "fim do mundo" em dezembro do próximo ano.
(*) Economista e professor universitário. Especialista em Política Internacional pela (FESP) e mestre pela (USP).
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