O vulcão grego em erupção

Em abril passado, a nuvem provocada pelo vulcão da Islândia praticamente paralisou o tráfego aéreo europeu por cinco dias. Há alguns dias, a nuvem voltou a se manifestar e foi, então, o momento de fechar aeroportos em Portugal e na Espanha. Trata-se de um fenômeno natural, que costuma ocorrer aproximadamente a cada cem anos.

Porém há outro vulcão em erupção na Europa e de natureza distinta ao da Islândia: um vulcão na Grécia. Este outro vulcão pode ter efeitos muito mais drásticos que o fechamento de aeroportos europeus por alguns dias. Na república helena, o movimento social se assemelha a um vulcão que estourou como resposta aos planos de ajustes do governo social democrata do PASOK, provocados pela brutal crise econômica no país.

Esta crise grega é um episódio a mais da crise que vive o capitalismo mundial desde 2007 e que se instalou agora com mais força na Europa, ainda que alcance, por enquanto, os países chamados depreciativamente de PIGS (Portugal, Irlanda, Itália, Grécia, Espanha).

O novo desta crise é que o plano de ajuste grego provocou uma intensa onda de lutas dos trabalhadores e do povo, que faz recordar as lutas vividas nos fins dos 90 e começos de 2000 na Argentina, Equador e Bolívia, como resposta a situações similares. A diferença é que, naquele momento da América do Sul, a crise mundial não havia estourado com a intensidade com que agora se desenvolve desde a explosão da bolha financeira em 2008 nos EUA, a partir da quebra do Banco Lehman Brothers.

Por isso, sem nenhuma dúvida, esta situação grega demonstra algo historicamente novo: confirma-se o que foi escrito nos artigos de Roberto Robaina e Pedro Fuentes, nos quais definimos que, a partir da crise de 2007-2008, entramos num novo período da situação mundial. Um giro histórico que está marcado pela maior crise do capitalismo, econômica e ecológica, por uma polarização social intensa que é mais favorável aos socialistas e ao movimento de massas. Grécia requer atenção e apoio de todos os partidos e movimentos socialistas revolucionários do mundo. Porque nesse país, a combinação entre crise econômica, crise política e resposta social cria as condições para o surgimento de uma situação revolucionária como antes não se viu, desde décadas atrás na Europa.

Um país quebrado

Como ocorreu na Argentina em 2001, a Grécia também acumulou um forte déficit público e privado, e uma grande dívida externa. A dívida estatal grega ascende à soma astronômica próxima de 300 bilhões de euros e seu déficit orçamentário em relação ao PIB é de mais de 13%. Desta dívida, 95% são títulos nas mãos de bancos europeus, principalmente alemães e franceses.

Num artigo publicado na ARGENPRESS, Manuel Giribets explica como se deu a entrada da Grécia na zona euro, em 2001. Ele denuncia que para lograr esta entrada, os governos gregos falsearam descaradamente os dados econômicos do país. "Goldman Sachs, um dos maiores bancos dos EUA, ajudou a 'maquiar' 15 bilhões de euros de dívida externa, como divisas e não como empréstimos em 2001, para que o país cumprisse os requisitos da UE em matéria de endividamento público", assegura Giribets. Além disso, afirma que, por essa 'operação', o banco americano recebeu 300 milhões de euros de comissão e mais 735 bilhões de euros no 'ajuste' destes títulos a partir de 2002.

Como já vimos, nesta etapa crise, cheia de bolhas criadas por manobras financeiras, balanços fictícios e fraudulentos, os governos gregos também fizeram sua parte, mentindo que o déficit público era de 3,7%. Este era o déficit limite exigido pelos acordos da Comunidade Européia, e os requisitos agora estão saltando pelos ares em muitos países.

Giribets denuncia com o governo conservador - anterior ao atual governo social-democrata do PASOK -, preferiu endividar-se com os bancos estrangeiros em vez de aumentar os impostos dos ricos para corrigir o déficit fiscal. A evasão fiscal da burguesia e da alta classe média grega são aterradoras. As cifras dizem que 90% dos contribuintes declaram à Fazenda Pública entradas anuais de menos de 30 mil euros. Acredita-se que 20% da população grega ganha mais que 100 mil euros ao ano, ainda que menos de 1% o admita. Só 15 mil pessoas declaram entradas superiores a 100 mil euros anuais. Irrisório, ainda que nessa conta não se inclua a Igreja, que detém 30% das propriedades do país e não paga impostos.

Daí também se explica o grande endividamento, com dinheiro conseguido através da venda de títulos a bancos europeus. A isso se acrescenta que 30% da economia do país é informal e que o nível de pobreza alcança 21% da população, enquanto se estima que o desemprego chegue a 20%, afetando especialmente as faixas mais jovens.

A aceleração da crise provocou uma fuga de capitais que não cessa. Em janeiro passado, de 8 a 10 bilhões de euros saíram do país, uma cifra superior à última emissão de títulos do Estado.

A crise, crescente em toda zona euro, produziu um estouro da bolha grega. Agora o governo teve que reconhecer que o déficit alcança 13% (e não 3,7%, como as fraudes permitiram parecer) e que o endividamento supera 100% do PIB, ao que se soma uma dívida privada igual ou maior que a pública.

Os governos da zona euro duvidaram e demoraram no auxílio à Grécia. Finalmente, e depois que as bolsas sofreram uma estrepitosa queda em todo mundo, foifeito um "plano de salvação" da UE com apoio de Obama. Um plano de ajuda que alcança 750 bilhões de euros. Esse plano tem como objetivo evitar a moratória grega e apoiar as economias comprometidas pela crise.

A contrapartida é um severíssimo plano de ajuste, que no caso da Grécia, é um dos mais ortodoxos e massacrantes que já se conheceu. Faz parte desse plano a redução do salário de todos os funcionários públicos entre 10 a 20%; o congelamento de novos empregos por parte do Estado; o aumento da idade da aposentadoria de 35 anos trabalhados para a idade mínima de 63 anos, sem considerar os anos trabalhados; o aumento nos preços da gasolina em 10%; a nova lei de impostos para produtos de comércio básico para o povo, que implica aumento entre 8 e 10%. Também o governo do PASOK planeja realizar mudanças radicais na seguridade social, privatizando grande parte dela, como o modelo chileno.

Essas medidas extremas são inevitáveis para um país que está na zona euro, já que, por essa dependência, não se pode simplesmente desvalorizar a moeda para reduzir salários, como foi feito na Argentina e no Brasil. Isso obriga ao capital os draconianos cortes diretos de salários, como parte do plano de ajustes.

A reação dos trabalhadores e a greve geral

No dia 5 de maio, se realizou uma grande greve geral, com enormes manifestações de massas, incluindo a mobilização de mais de 200 mil trabalhadores na capital Atenas. A greve paralisou tudo: empresas do setor público e privado, pequenas lojas, e até os meios de comunicação. Os taxistas também aderiram. No dia seguinte, várias federações sindicais continuaram os protestos e dezenas de milhares de manifestantes rodearam o edifício do parlamento grego, onde a maioria decidiu votar as medidas do plano de ajuste que mencionamos.

Panagiotis Tzamaros, do Partido da Esquerda Internacionalista dos Trabalhadores, comentou que a marcha foi representativa de uma mobilização desde baixo: "Os sindicatos estiveram presentes não só através das grandes federações, mas também de sindicatos locais de trabalhadores que tomaram parte com suas próprias faixas. Esse ativismo estabeleceu o tom. A raiva também foi característica da jornada. Dezenas de milhares de trabalhadores gritaram: 'Hoje e amanhã, e mais o tempo que for necessário, todos estamos em greve!'. A fúria inacreditável dos manifestantes inundou o centro de Atenas apesar da chuva sem precedentes de gás lacrimogêneo disparado contra os manifestantes pela polícia".

A manifestação foi também excepcionalmente política. Os cantos da esquerda revolucionária foram assumidos pela imensa maioria dos manifestantes.

Panagiotis Tzamaros prossegue: "Por outra parte milhares de trabalhadores que votaram a favor de PASOK estavam ali, unindo-se com os partidários da esquerda e atacando um governo a respeito do qual alimentavam ilusões há poucos meses atrás. Agora eles cantavam: 'Abaixo às medidas de austeridade!'. Esse sentimento também foi abertamente contra a direção sindical. O presidente da Confederação Geral de Trabalhadores Gregos (GSEE, segundo as siglas em grego), que também é um destacado membro do PASOK, foi vaiado por gente de seu próprio partido e isso o obrigou a cortar seu breve discurso".

Panagiotis Tzamaros conta também que, "em 5 de maio, a greve se viu surpreendida pela morte de 3 trabalhadores não grevistas, empregados de uma sucursal do banco privado Marfim, que foi incendiado durante a manifestação. Foi comprovado que os trabalhadores do banco tinham solicitado licença do trabalho. Mas sob ameaça de demissão, a gerência os obrigou a permanecer - fato que por si só se tornou uma provocação, já que é bem conhecido que os bancos se convertem em alvos freqüentes durante as manifestações. Os manifestantes atacaram o edifício Marfim. Porém ainda não foi comprovado se o fogo começou com coquetéis Molotov lançados pelos manifestantes ou com bombas de gás lacrimogêneo lançadas pela polícia".

E continua: "O que está claro é que, para reforçar suas fortificações, a direção do banco havia fechado o edifício. Como resultado, quando o fogo se espalhou, os trabalhadores não puderam escapar - com o trágico desfecho da morte de 3 deles".

O governo de PASOK está tentando usar a trágica morte dos 3 trabalhadores do banco Marfim para fazer frente à enorme resistência da classe trabalhadora do 5 de maio, por meio de uma política "mão de ferro" de "lei e ordem". Não é casual que o governo tenha pleno apoio do partido da extrema direita fascista na imposição do programa de austeridade do FMI e da UE. O alvo dos ataques da extrema direita não é somente a coalizão de esquerda (SYRZA) e as organizações da extrema esquerda (como foi durante as manifestações de jovens militantes em dezembro de 2008), mas também o mais moderado Partido Comunista.

Finalmente, com apoio da direita, as medidas de 'ajuste' foram votadas no parlamento, porém, como veremos, a situação segue aberta e é muito provável que este ascenso popular se aprofunde como consequência dos grandes avanços que vem fazendo o movimento social de massas nos últimos anos, no qual a greve geral significou um salto.

Pedro Fuentes

Ver o artigo na íntegra e no original:

http://www.socialismo.org.br/portal/internacional/38-artigo/1504-o-vulcao-grego-em-erupcao

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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