O corredor euroasiático: A geopolítica dos pipelines e a nova guerra fria

por Michel Chossudovsky

A actual crise no Cáucaso está intimamente relacionada com o controlo estratégico dos pipelines de energia e dos respectivos corredores de transporte. Há provas de que o ataque georgiano à Ossétia do Sul, em 7 de Agosto, foi cuidadosamente planeado. Nos meses que antecederam os ataques foram efectuadas consultas de alto nível com responsáveis dos EUA e da NATO .

Os ataques à Ossétia do Sul foram desencadeados uma semana depois de terminados os extensos jogos de guerra EUA-Geórgia (14-31/Julho/2008). Foram também antecedidos de reuniões de alto nível ao abrigo do GUAM, uma aliança militar regional patrocinada pelos EUA-NATO.

Cronograma da guerra na Géorgia

1-2/Julho/2008 – Cimeira do GUAM em Batumi, Geórgia.

1/Julho – "Cimeira EUA-GUAM" em paralelo com o encontro oficial do GUAM

5-12/Julho – O ministério russo da Defesa efectua Jogos de Guerra na região do Cáucaso Norte sob o nome de código "Fronteira Cáucaso 2008"

9/Julho – A China e o Casaquistão anunciam o início da construção do pipeline de gás natural Casaquistão-China (PCC)

15-31/Julho – Os EUA e a Geórgia efectuam Jogos de Guerra sob o nome de código Operação "Resposta Imediata". Participam neste exercício militar mil soldados norte-americanos

7/Agosto – Forças terrestres e aéreas georgianas atacam a Ossétia do Sul

8/Agosto – Forças russas intervêm na Ossétia do Sul

14/Agosto – Assinatura do Acordo EUA-Polónia sobre o estacionamento de "Mísseis Interceptores Americanos" em território polaco.

Introdução: A cimeira do GUAM

No início de Julho de 2008 foi efectuada uma cimeira regional na cidade georgiana de Batumi sob os auspícios do GUAM.

O GUAM é um acordo militar entre a Geórgia, a Ucrânia, o Azerbaijão e a Moldávia, instituído em 1997. Desde 2006, na sequência da retirada do Uzbequistão, o GUAM foi rebaptizado: Organização para a Democracia e Desenvolvimento Económico – GUAM (Geórgia, Ucrânia, Azerbaijão e Moldávia).

O GUAM tem pouco a ver com "Democracia e Desenvolvimento Económico". É na verdade um apêndice da NATO. Tem sido usado pelos EUA e pela Aliança Atlântica para alargar as suas zonas de influência até ao centro da antiga União Soviética.

O objectivo principal do GUAM enquanto aliança militar é "proteger" os corredores energéticos e de transporte, em prol dos gigantes petrolíferos anglo-americanos. Os países do GUAM também recebem ajuda e treino militar dos EUA-NATO.

A militarização destes corredores é uma característica central do planeamento dos EUA-NATO. A entrada da Geórgia e da Ucrânia na NATO faz parte da agenda de controlo dos corredores energéticos e de transporte desde a bacia do Mar Cáspio até à Europa Ocidental.

As reuniões de 1 e 2 de Julho de 2008 da Cimeira do GUAM em Batumi, sob a presidência do presidente Saakashvili, focaram a questão central dos pipelines e corredores de transporte. O tema da Cimeira era "GUAM – Integrando o Leste da Europa", de um ponto de vista económico e estratégico-militar, tendo em vista essencialmente isolar a Rússia.

Estiveram presentes os presidentes do Azerbaijão, Geórgia e Ucrânia (Ilham Aliyev, Mikheil Saakashvili e Viktor Yushchenko, respectivamente ), assim como os presidentes da Polónia, Lech Kaczynski, e da Lituânia, Valdas Adamkus. O chefe do Estado de Moldova recusou-se categoricamente a comparecer a esta cimeira.

Enfraquecer a Rússia

A agenda da Cimeira do GUAM centrou-se no objectivo de enfraquecer a influência de Moscovo no Cáucaso e na Europa de Leste. Esteve presente o presidente polaco.

As instalações dos EUA-NATO na Europa de Leste, incluindo o Escudo Anti-Mísseis (Missile Defense Shield) estão directamente relacionadas com a evolução da situação geopolítica no Cáucaso. Cerca de uma semana após as forças georgianas terem bombardeado a Ossétia do Sul, os EUA e a Polónia assinaram um acordo (14 de Agosto) que permite à Força Aérea americana instalar "mísseis interceptores" americanos em solo polaco:

"... Conforme estrategas militares assinalaram, os mísseis americanos na Polónia constituem uma ameaça directa à existência da nação russa. O governo russo chamou repetidas vezes a atenção para este facto desde que foram revelados pela primeira vez no início de 2007 os planos americanos. Agora, apesar das diversas tentativas diplomáticas feitas pela Rússia para chegar a um entendimento com Washington, a Administração Bush, na sequência de uma derrota humilhante dos EUA na Geórgia, pressionou o governo da Polónia para finalmente assinar o pacto. As consequências poderão ser inimagináveis para a Europa e para o planeta". (William Engdahl, Missile Defense: Washington and Poland just moved the World closer to War , Global Research, August 15, 2008).

A "Cimeira EUA-GUAM"

Pouco acompanhada pelos meios de comunicação, também se realizou em 1 de Julho a chamada "Cimeira EUA-GUAM" em simultâneo com o encontro da cimeira oficial do GUAM.

O subsecretário de Estado assistente dos EUA, David Merkel, reuniu à porta fechada com delegações GUAM e não GUAM . Realizaram-se várias reuniões bilaterais incluindo um encontro GUAM polaco (durante o qual foi muito provavelmente discutida a questão do escudo americano anti-mísseis em território polaco). Também se realizaram encontros privados em 1 e 2 de Julho na residência do presidente georgiano.

Jogos de guerra EUA-Geórgia

Menos de duas semanas após a Cimeira do GUAM de 1 e 2 de Julho de 2008, iniciaram-se exercícios militares EUA-Geórgia na base militar Vaziani, nos arredores de Tíflis. Mil soldados americanos e seiscentos georgianos iniciaram exercícios de treino militar na Operação "Resposta Imediata". As tropas americanas incluíam a participação americana da Força Aérea, do Exército, dos Fuzileiros e da Guarda Nacional. Embora tivesse sido encarado um cenário de guerra iraquiano, os exercícios militares foram um ensaio geral para uma iminente operação militar . Os jogos de guerra terminaram em 31 de Julho, uma semana antes do início dos ataques georgianos de 7 de Agosto à Ossétia do Sul.

Também participaram na Operação "Resposta Imediata" tropas da Ucrânia e do Azerbaijão, que são membros do GUAM. Surpreendentemente, a Arménia, que é aliada da Rússia e firme opositora do Azerbaijão, também tomou parte nestes jogos, que serviram também para criar uma atmosfera de "treino e cooperação" entre as forças do Azerbaijão e da Arménia (dirigida fundamentalmente contra a Rússia).

O general brigadeiro William B. Garrett, comandante da Task Force da Europa do Sul das forças armadas americanas, foi o responsável pela coordenaçao dos jogos de guerra EUA-Georgia.

Jogos de guerra da Rússia no Cáucaso Norte

Em 5 de Julho a Rússia iniciou exercícios militares de grande escala envolvendo cerca de oito mil efectivos militares, umas 700 unidades blindadas e mais de 30 aviões, nas repúblicas do norte do Cáucaso da Federação Russa ( Georgian Times, 28/Julho/2008).

Os jogos de guerra russos foram efectuados explicitamente em resposta à evolução da situação de segurança na Abhkazia e na Ossétia do Sul. O exercício, baptizado de "Fronteira do Cáucaso 2008", envolveu unidades do 58º Exército e do 4º Exército da Força Aérea, posicionadas no Distrito Militar do Cáucaso Norte.

Um porta-voz do Ministério da Defesa russo admitiu que os exercícios militares realizados no Distrito Federal Sul estavam a ser efectuados em resposta a "uma escalada de tensão nas zonas de conflito Geórgia-Abkhazia e Geórgia-Ossétia,... [e] que o Distrito Militar do Cáucaso Norte da Rússia estava apto a prestar assistência aos negociadores da paz russos na Abkhazia e na Ossétia do Sul, se necessário". ( Georgian Times, 28/Julho/2008, RIA-Novosti, 5/Julho/2008 ).

Estas unidades do Distrito Militar do Cáucaso Norte (Exército e Força Aérea) foram posteriormente utilizadas para liderar o contra-ataque russo dirigido contra as forças georgianas na Ossétia do Sul em 8 de Agosto.

Geopolítica dos pipelines

Uma questão central do GUAM-NATO em cima da mesa na Cimeira GUAM de Julho em Batumi, foi o traçado do pipeline Odessa-Brody-Plotsk (OBP) (Plock sobre o Vistula) (ver mapa), que transporta o petróleo da Ásia Central através de Odessa, para o norte da Europa, sem passar por território russo. Também foi encarada uma extensão do OBP para o porto polaco de Gdansk no mar Báltico.

De notar que o OBP também está ligado ao Pipeline Druzhba (pipeline da Amizade) da Rússia, num acordo estabelecido com a Rússia.

O objectivo final de Washington é enfraquecer e desestabilizar a rede de pipelines da Rússia – incluindo o Pipeline Druzhba e o Sistema de Pipelines do Báltico (SPB) – e as suas diversas ligações de corredores para o mercado energético da Europa ocidental.

De notar que a Rússia instituiu, integrando a rede de pipelines do Druzhba, um corredor de pipelines que atravessa a Bielorússia, evitando assim passar pela Ucrânia (ver mapas).

O Sistema de Pipelines do Báltico (SPB), utilizado também pela Transneft da Rússia, liga Samara ao terminal de petroleiros da Rússia em Primorsk no Golfo da Finlândia (Ver mapa). Transporta petróleo bruto da região siberiana ocidental da Rússia para os mercados da Europa do norte e Europa ocidental.

Outro sistema estratégico de pipelines amplamente controlado pela Rússia, é o Consórcio de Pipelines do Cáspio (CPC), que é um consórcio entre a Rússia e o Casaquistão, com participação accionista de uma série de companhias petrolíferas do Médio Oriente.

O Sistema de Pipelines do Báltico está ligado ao pipeline Atyrau-Samara (AS), que é um consórcio entre a Transneft da Rússia e a operadora nacional de pipelines do Casaquistão, a KazTransOil. O pipeline AS por sua vez está ligado ao Consórcio de Petróleo do Cáspio (CPC), que transporta o crude de Tengiz a partir de Artyrau (Casaquistão ocidental) até ao terminal de petroleiros do CPC perto de Novorossiysk no Mar Negro.

Em 10 de Julho de 2008, menos de uma semana após a Cimeira do GUAM, a Transneft e a KazTransOil anunciaram que estavam em negociações para aumentar a capacidade do pipeline Atyrau-Samara de 16 para 26 milhões de toneladas de petróleo por ano. ( RBC Daily, 10/Julho/2008 ).

O corredor de transporte do GUAM

Os governos do GUAM representados na Cimeira de Batumi aprovaram também o ulterior desenvolvimento do Corredor de Transporte do GUAM (CTG), que complementa o controverso pipeline Baku-Tíflis-Ceyhan (BTC). Este último liga a bacia do Mar Cáspio ao Mediterrâneo oriental, através da Geórgia e da Turquia, sem passar portanto por território russo. O pipeline BTC é controlado por um consórcio petrolífero liderado pela BP (British Petroleum). Tanto o corredor CTG como o BTC estão protegidos militarmente pelo GUAM e pela NATO.

O corredor CTG deverá ligar Baku, a capital do Azerbeijão no mar Cáspio, aos portos georgianos de Poti/Batumi no Mar Negro, que por sua vez se ligarão ao porto ucraniano de Odessa no Mar Negro. (E a partir de Odessa, por via marítima e terrestre, à Europa ocidental e do norte).

O pipeline Baku-Tíflis-Ceyhan (BTC)

O pipeline BTC controlado pela BP - British Petroleum e inaugurado em 2006 no auge da guerra do Líbano, alterou dramaticamente a geopolítica do Mediterrâneo oriental, que está agora ligado, através de um corredor energético, à bacia do mar Cáspio:

"[O pipeline BTC] altera consideravelmente a situação dos países da região e consolida uma nova aliança pró-ocidente. Ao estender o pipeline até ao Mediterrâneo, Washington instituiu na prática um novo bloco com o Azerbaijão, a Geórgia, a Turquia e Israel", ( Komerzant, Moscovo, 14/Julho/2006).

Geopolítica dos pipelines e o papel de Israel

Israel faz agora parte do eixo militar anglo-americano, que serve os interesses dos gigantes petrolíferos ocidentais no Médio Oriente e na Ásia Central. Não é de estranhar que Israel tenha acordos de cooperação militar com a Geórgia e o Azerbaijão.

Embora os relatórios oficiais afirmem que o pipeline BTC irá "canalizar petróleo para os mercados ocidentais", o que raramente se diz é que parte do petróleo do mar Cáspio será canalizado directamente para Israel. Neste contexto, está previsto um pipeline submarino Israel-Turquia que ligará Ceyhan ao porto israelense de Ashkelon e daí, através do sistema principal de pipelines de Israel, ao Mar Vermelho.

O objectivo de Israel não é apenas adquirir o petróleo do mar Cáspio para seu próprio consumo mas também desempenhar um papel chave na reexportação do petróleo do mar Cáspio para os mercados asiáticos através de Eilat, um porto no mar Cáspio. As implicações estratégicas deste reencaminhamento do petróleo do mar Cáspio são de grande alcance.

O que se pretende é ligar o pipeline BTC ao pipeline Trans-Israel Eilat-Ashkelon , também conhecido como Tipline de Israel, desde Ceyhan até ao porto israelense de Ashkelon. (Para mais pormenores, ver The War on Lebanon and the Battle for Oil de Michel Chossudovsky , Global Research, 26/Julho/2006).

A Estratégia da Rota da Seda da América: O sistema de segurança trans-Euroasiático

A Estratégia da Rota da Seda (ERS) constitui um bloco estrutural essencial da política externa dos EUA na era pós-Guerra Fria.

A ERS foi formulada como uma proposta de lei apresentada ao Congresso dos EUA em 1999. Previa a criação de uma rede de corredores energéticos e de transporte ligando a Europa Ocidental à Ásia Central e posteriormente ao Extremo Oriente.

A Estratégia da Rota da Seda define-se como um "sistema de segurança trans-euroasiático". A ERS prevê a "militarização do corredor euroasiático" como parte integrante do "Grande Jogo". O objectivo declarado, conforme formulado na proposta de Lei da Estratégia da Rota da Seda, de Março de 1999, é desenvolver o império empresarial da América ao longo de um extenso corredor geográfico.

Embora a legislação da ERS 1999 (HR 3196) tenha sido aprovada pela Câmara dos Representantes, nunca chegou a ser lei. Com a administração Bush, a Estratégia da Rota de Seda tornou-se na base de facto do intervencionisno EUA-NATO, em grande medida com a intenção de integrar na esfera de influência dos EUA as antigas repúblicas soviéticas do sul do Cáucaso e da Ásia Central.

A implementação bem sucedida da ERS exigia a "militarização" concorrente de todo o corredor euroasiático desde o Mediterrâneo oriental até à fronteira ocidental da China com o Afganistão, como meio de garantir o controlo sobre as enormes reservas de petróleo e gás, assim como de "proteger" as rotas de pipelines e os corredores comerciais. A invasão do Afeganistão em Outubro de 2001 apoiou os objectivos americanos na Ásia Central, incluindo o controlo dos corredores de pipelines desde a fronteira do Afeganistão até à fronteira ocidental chinesa. É ainda uma ponte terrestre estratégica ligando a enorme riqueza petrolífera da bacia do Mar Cáspio ao Mar Arábico.

O processo de militarização previsto pela ERS é dirigido principalmente contra a China, a Rússia e o Irão. A ERS propunha:

"O desenvolvimento de fortes ligações políticas, económicas e de segurança entre países do Caucáso do Sul, da Ásia central e do ocidente [que] poderão assegurar a estabilidade nesta região, que é vulnerável a pressões políticas e económicas do sul, do norte e do leste [referindo-se à Rússia a norte, ao Iraque, ao Irão e ao Médio Oriente a sul, e à China a leste] ( 106th Congress, Silk Road Strategy Act of 1999 ).

A adopção duma agenda política neoliberal a conselho do FMI e do Banco Mundial é parte integrante da ERS, que pretende patrocinar "economias de mercado livre... [que] constituirão incentivos positivos para o investimento privado internacional, para o desenvolvimento do comércio e para outras formas de interacções comerciais (ibid).

O acesso estratégico ao petróleo e gás do Cáucaso do Sul e da Ásia Central é uma característica central da Estratégia da Rota da Seda:

"A região do Cáucaso do Sul e da Ásia Central poderá produzir petróleo e gás em quantidade suficiente para reduzir a dependência energética dos Estados Unidos da instável região do Golfo Pérsico". (ibid)

A ERS também se destina a impedir que as antigas repúblicas soviéticas reforcem as suas ligações de cooperação económica, política e militar assim como a sua ligação à China, à Rússia e ao Irão. (Ver America's "War on Terrorism" , de Michel Chossudovsky, Global Research, Montreal, 2005).

Neste contexto, a formação do GUAM, que foi fundado em 1997, destinou-se a integrar as antigas repúblicas soviéticas em acordos de cooperação militar com os EUA e a NATO, que as impedissem de restabelecer as suas ligações com a Federação Russa.

Segundo a Lei da ERS de 1999, a expressão "países do Cáucaso do Sul e da Ásia Central" significa a Arménia, o Azerbaijão, a Geórgia, o Casaquistão, o Quirguistão, o Tadjiquistão, o Turquemenistão, e o Uzbequistão. (106º Congresso, Lei da Estratégia da Rota da Seda de 1999).

A estratégia dos EUA, neste aspecto, teve apenas um sucesso parcial. Embora a Ucrânia, o Azerbaijão e a Geórgia se tenham tornado verdadeiros protectorados dos EUA, o Quirguistão, o Casaquistão, o Tadjiquistão, a Arménia e a Bielorússia estão, do ponto de vista geopolítico, alinhados com Moscovo.

Esta enorme rede euroasiática de corredores energéticos e de transporte tem sido definida por Washington como parte duma esfera de influência americana:

"Na região Mar Cáspio-Mar Negro, a União Europeia e os Estados Unidos esforçaram-se por estabelecer uma cadeia logística segura para ligar a Ásia Central à União Europeia através do Cáucaso Central e da Turquia/Ucrânia. As rotas formam a peça central dos projectos INOGATE (um sistema de comunicação integrado ao longo das rotas que transportam hidrocarbonetos para a Europa) e TRACECA (o corredor multi-canal Europa-Cáucaso-Ásia).

As rotas de transporte e comunicação TRACECA desenvolveram-se a partir da ideia da Grande Rota da Seda (o tradicional canal de comunicação euroasiático da antiguidade). Incluía os portos georgianos e turcos do Mar Negro (Poti, Batumi e Ceyhan), as vias férreas da Geórgia e do Azerbaijão, o pipeline Baku-Tbilisi-Ceyhan, os transportes marítimos que ligam o Turquemenistão e o Casaquistão com o Azerbaijão pelo Mar/Lago Cáspio (Turkmenbashi-Baku; Aktau-Baku), caminhos de ferro e autoestradas actualmente em construção no Turquemenistão, Uzbequistão, Quirguistão, Casaquistão e China, assim como terminais chineses no Pacífico como partes estratégica e sistemicamente importantes do mega-corredor". (Ver GUAM and the Trans-Caspian Gas Transportation Corridor: Is it about Politics or Economics? ).

O gasoduto Casaquistão-China (PCC)

Poucos dias depois da Cimeira do GUAM em Batumi, a China e o Casaquistão anunciaram (9/Julho/2008) o início das obras de construção de um pipeline de gás natural de 1300 km. A cerimónia inaugural realizou-se perto de Almaty, capital do Casaquistão.

Prevê-se que o pipeline que vai ser construído em várias fases comece a transportar gás em 2010. (Ver silkroadintelligencer.com , 9/Julho/2008).

"A nova rota de trânsito faz parte de um projecto mais vasto para construir dois pipelines paralelos ligando a China às enormes reservas de gás natural da Ásia Central. As tubagens percorrerão mais de 7000 quilómetros desde o Turquemenistão, através do Uzbequistão e do Casaquistão, e entrarão pela região de Xinjiang, a noroeste da China. O Uzbequistão iniciou este mês a construção da sua parte enquanto o Turquemenistão iniciou o seu segmento no ano passado". (ibid)

A National Petroleum Corporation da China (CNPC) que é a principal operadora do consórcio, "assinou acordos com firmas estatais de petróleo e de gás do Turquemenistão, Uzbequistão e Casaquistão, dando-lhes uma parte de 50 por cento nos seus respectivos pipelines". O projecto do pipeline PCC contraria a lógica da Estratégia da Rota de Seda da América. Faz parte duma estratégia energética e de transporte baseada numa Euroásia concorrente, dominada fortemente pela Rússia, pelo Irão e pela China.

A estratégia euroasiática concorrente protegida pela aliança militar SCO-CSTO

Os corredores baseados na Euroásia concorrente estão protegidos (contra o avanço dos EUA-NATO) por duas alianças militares regionais: a Shanghai Cooperation Organization (SCO) e a Collective Security Treaty Organization (CSTO) .

A SCO é uma aliança militar entre a Rússia e a China e diversas antigas repúblicas soviéticas da Ásia Central, incluindo o Casaquistão, o Quirguistão, o Tadjiquistão e o Uzbequistão. O Irão tem um estatuto de observador na SCO.

A Organização do Tratado de Segurança Colectiva (CSTO), que desempenha um papel geopolítico fundamental em relação aos corredores energéticos e de transporte, funciona em estreita ligação com a SCO. A CSTO agrupa os seguintes estados membros: a Arménia, a Bielorússia, o Casaquistão, o Quirguistão, a Rússia, o Tadjiquistão e o Uzbequistão.

A partir de 2006, os países membros da SCO e da CSTO efectuaram significativos jogos de guerra conjuntos e estão a colaborar activamente com o Irão.

Em Outubro de 2007, a Organização do Tratado de Segurança Colectiva (CSTO) e a Organização de Cooperação de Xangai (OCX) assinaram um Memorando de Entendimento, estabelecendo as bases para cooperação militar entre as duas organizações. Este acordo SCO-CSTO, pouco referido nos meios de comunicação ocidentais, envolve a criação de uma forte aliança militar entre a China, a Rússia e os estados membros da SCO/CSTO. De notar que a CSTO e a SCO efectuaram exercícios militares conjuntos em 2006, que coincidiram com os realizados pelo Irão. (Para mais pormenores ver Russia and Central Asian Allies Conduct War Games in Response to US Threats , de Michel Chossudovsky, Global Research, Agosto, 2006).

Embora se mantenham distintas do ponto de vista organizativo, na prática estas duas alianças militares regionais (OCX e OTSC) constituem um único bloco militar, enfrentando o expansionismo dos EUA-NATO na Ásia Central e no Cáucaso.

Círculo fechado

Os corredores energéticos e de transporte euroasiáticos da ERS, protegidos pelos EUA-NATO, pretendem ligar a Ásia Central ao Extremo Oriente, tal como delineado pela Estratégia da Rota da Seda. Actualmente, os corredores para leste que ligam a Ásia Central à China estão protegidos militarmente pela OCX-OTSC.

Nos termos da agenda global militar e estratégica de Washington, os corredores euroasiáticos contemplados pela ERS irão inevitavelmente atropelar a soberania territorial da China. Pretende-se que os propostos corredores de tubagens e de transporte EUA-NATO-GUAM se liguem, futuramente, aos propostos corredores energéticos e de transporte no hemisfério ocidental, incluindo os previstos na Parceria de Prosperidade e Segurança norte-americana (PPS).

A Parceria de Prosperidade e Segurança (PPS) é para a América do Norte o que a Estratégia da Rota da Seda (ERS) é para o Cáucaso e para a Ásia Central. São componentes regionais estratégicos do império empresarial da América. São os blocos estruturais da Nova Ordem Mundial.

A PPS é o resultado de um processo semelhante de planeamento estratégico, de militarização e de integração económica de mercado livre, baseada em grande parte no controlo dos recursos estratégicos que incluem a energia e a água, assim como na "protecção" dos corredores energéticos e de transporte (rotas terrestres e marítimas) desde o Alasca e o Árctico canadiano até à América Central e à bacia caribenha.

Nota do Autor: Este artigo centrou-se selectivamente nos corredores de pipelines (oleodutos e gasodutos) fundamentais com a intenção de analisar questões geopolíticas e estratégicas mais latas. Um exame da rede geral dos corredores de pipelines eurasianos exigiria uma apresentação muito mais detalhada e abrangente.

Artigo relacionado: War in the Caucasus: Towards a Broader Russia-US Military Confrontation?

22/Agosto/2008

O original encontra-se em: http://www.globalresearch.ca/index.php?context=va&aid=9907

Tradução de Margarida Ferreira

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

29/Ago/08

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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