Como escapar da crise

Milton Lourenço (*)

Há 20 anos, o mercado norte-americano absorvia 27% das exportações brasileiras. No início do atual governo, os EUA representavam 20%, mas, no ano passado, essa fatia já equivalia a 16%. Em 2007, as exportações para aquele país cresceram apenas 1,8%, enquanto as vendas para o exterior aumentaram 16%. Em 2008, ao que tudo indica, em função da crise vivida pelos EUA, aquele percentual deverá despencar. Aliás, como em todo o mundo. A questão é que o governo brasileiro insiste em argumentar que, em razão da diversificação de parceiros, o País estaria mais bem preparado para a crise. Não está.

É verdade que as exportações brasileiras passaram a seguir em maior número para países emergentes, como os asiáticos, e para a União Européia, que hoje representa 25% da nossa pauta exportadora. Mas a relação não é tão simples assim. Afinal, se os EUA passam a comprar menos, esses países também começarão a comprar menos do Brasil. Elementar. Não é à toa que as contas externas brasileiras já dão sinais de enfraquecimento.

A previsão para 2008 do Banco Central de déficit nas transações do País com o mundo mais do que triplicou. Em vez dos US$ 3,5 bilhões estimados no começo do ano, o déficit agora deve ficar em US$ 12 bilhões, ou cerca de 1% das riquezas produzidas no País, após cinco anos de superávits. E a tendência é que aumente.

Portanto, o que foi vendido como esforço para reorientar a política comercial para os mercados em desenvolvimento, buscando diferenciar-se do governo anterior e justificar a perda de espaço no mercado norte-americano para produtos concorrentes, especialmente chineses, de pouco valerá. No atual mercado globalizado, não há ilhas de excelência: se um gigante dá sinais de enfraquecimento, todos enfraquecem.

Também a atual crise não justifica nem dá chancela de acerto à decisão de boicotar a assinatura do Acordo de Livre Comércio das Américas (Alca). Com Alca ou sem Alca, as conseqüências de uma crise no mercado norte-americano seriam igualmente desastrosas. Hoje, se há crescimento da balança comercial brasileira, isso se deve, basicamente, ao crescimento extraordinário do preços das commodities no mercado internacional.

Portanto, o Brasil errou ao não fechar acordo para a formação da Alca e não buscar uma maior parceria com o segundo maior parceiro comercial do País. Até porque não seria antagônico desenvolver mercados emergentes e comerciar com os países ricos. Resultado: hoje, esse espaço no mercado norte-americano está sendo tomado por empresas chinesas.

No Mercosul, sejamos realistas, não existe um equilíbrio mínimo para uma parceria. Afinal, não é segredo que o Brasil sempre tem cedido nas mesas de negociação. Nem as aduanas dos países do Mercosul têm uma padronização, o que é o passo mais básico. Por isso, não dá para imaginar uma moeda única entre os países do Mercosul.

Hoje, o comércio exterior brasileiro continua bastante concentrado, já que três mercados (EUA, União Européia e Argentina) responderam por 60,2% do superávit comercial em 2007.O grande diferencial é que a China se tornou o segundo maior país fornecedor do Brasil, se levarmos em consideração que a União Européia constitui um bloco. As exportações para o mercado chinês aumentaram 27,4%, mas as importações cresceram 59,2%, o que provocou um déficit de US$ 1,8 bilhão.

Se é de louvar o incremento do comércio com a China, não se pode deixar de assinalar que esse intercâmbio tem se mostrado extremamente desequilibrado. E exige maior atenção dos responsáveis pela promoção comercial para que novos negócios no mercado chinês sejam aproveitados e fechados. Aliás, não só no mercado chinês como no mercado asiático como um todo. Afinal, com os países asiáticos, o déficit em 2007 foi de US$ 5,6 bilhões, com um crescimento de 19% nas exportações contra 42% nas importações.

O desequilíbrio só não está maior porque as nossas exportações se concentram basicamente em commodities agropecuários e minerais, que estão em alta no mercado internacional. Mas os dois lados resistem em não negociar acordos comerciais que poderiam prejudicar seus setores menos competitivos.

Não se pode esquecer também que, para substituir o malogro nas negociações para a formação da Alca, o governo acenou com uma política de intercâmbio maior com a África, inclusive com viagens presidenciais. Mas, de prático, isso pouco representou. Afinal, as exportações brasileiras para aquele continente cresceram 14% e as importações 260%, deixando um déficit de US$ 2,7 bilhões. Sem contar que a África é comercialmente pouco representativa, pois depende de concessões e ajuda que recebe de países ricos.

Portanto, para escapar da crise, é preciso que o governo deixe de lado certa letargia nas negociações e invista em acordos comerciais seletivos, especialmente com seus parceiros mais diretos, ou seja, EUA, União Européia, Argentina (inclusive no âmbito do Mercosul) e China. Afinal, a cada acordo que é anunciado no mundo sem a presença do Brasil, é espaço que o País perde ou vai perder.

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Milton Lourenço é diretor-presidente da Fiorde Logística Internacional, de São Paulo-SP.

E-mail:

[email protected]

Site:

www.fiorde.com.br

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