Sob o aconchego do sigilo bancário

Certas doenças e dinheiro ninguém gosta de dizer que tem; aquelas por preconceito, e dinheiro por medo ser roubado ou alvo de assédio. Mas se as pessoas escondem moeda, a maioria gosta de exibir uma bela casa, um carrão, enfim, mostrar status. Que outros motivos, então, justificariam o sigilo bancário, direito solenemente inscrito em nossa Constituição?

A norma da Receita Federal do Brasil (RFB) que obriga os bancos a informar, a partir de 1º de janeiro, valores de movimentação mensal bancária de pessoas físicas que superem R$ 833,33, e de empresas acima de R$ 1.666,66, despertou reações indignadas e a manifestação do ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal, que considera inconstitucional a medida, baseada na lei complementar nº 105, que autoriza a RFB a ter acesso aos dados bancários dos contribuintes.

Compreensível a revolta de setores de uma sociedade onde demonstrações de honestidade como alguém devolver dinheiro ou objetos de valor perdidos são manchete de jornal. Mello disse que o automatismo da norma da Receita joga todos na vala comum.

Vala comuníssima e profunda seria o caso de dizer, sem risco de exagero, quando o deputado Paulinho da Força (PDT-SP), ardoroso defensor da opacidade do dinheiro destinado aos sindicatos declara, a respeito da emenda – enfim parcialmente aprovada - que dá poder ao Tribunal de Contas da União (TCU) de fiscalizar os recursos repassados às centrais sindicais: “contra essa emenda nós vamos até a morte.”

O poderoso lobby das federações empresariais que recebem recursos públicos destinados ao Sistema “S” ( Sesc, Sesi, Sebrae e outros) conseguiu derrubar, em julho de 2007, uma e menda à Lei de Diretrizes Orçamentárias que permitiria a sua fiscalização. Não é nada, foram cerca de R$ 6 bilhões só em 2006.

São belas as falas esfuziantes do ministro em defesa do sigilo incondicional e sublimes os discursos diários de tantos em prol dos excluídos, mas nada é mais excludente que a sonegação de impostos, um crime cuja prática pode ser aferida em qualquer esquina, uma transgressão “politicamente correta” que usurpa anualmente centenas de bilhões de reais, dinheiro público.

Mas a prevalecer o entendimento de que a garantia do sigilo bancário é absoluta, a lei nº 9613/98, que criou o COAF e obriga as instituições financeiras a informar ao Banco Central operações que considerem suspeitas – e quem é um gerente de banco para arbitrar o que é suspeito ou não? – e todas as demais acima de R$ 100 mil, um limite exageradamente alto, terá de ser revogada.

Vários casos de corrupção, descobertos por denúncias ou mero acaso, ilustram perfeitamente a falibilidade da sistemática de envio de informações ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF).

São justamente essas informações que alimentam o banco de dados da Unidade Financeira de Inteligência (FIU) e que são repassados ao Ministério Público e à Polícia Federal.

Há muito que dizer a respeito da prática de caixa dois no Brasil: os principais partidos políticos foram – ou são – adeptos desta prática, que informações sobre movimentações bancárias permitiriam à RFB identificar com inédita eficácia. As Operações Kaspar 1 e 2 da PF identificaram esquemas de remessa ilegal de divisas integrado por várias empresas com a conivência e “assistência técnica” de grandes bancos suíços.

Não fosse o sigilo bancário o deputado Paulo Maluf (PP-SP), por exemplo, não estaria experimentando o dissabor da acusação de ser o dono dos US$ 200 milhões que estão bloqueados no paraíso fiscal de Jersey, pois o trânsito e o titular desta pequena fortuna teriam sido oportunamente identificados.

Todo ano os contribuintes que seguem a lei enviam à Receita as declarações com suas informações bancárias e patrimoniais, e a nova norma apenas permitirá confirmar dados que ela já possui, e conhecer os que lhe foram omitidos. Mas receber informações sonegadas não é quebra de sigilo, que deve continuar existindo, mas não para a fiscalização.

O governo acaba de adiar por seis meses um decreto que aumenta os controles sobre R$ 12 bilhões repassados anualmente a Estados, municípios, sindicatos, ONGs e outras entidades.

Preservar o oceano de “recursos não contabilizados” de partidos políticos, comerciantes, empresas, criminosos, profissionais liberais e outros sob o aconchegante manto do sigilo bancário é um crime contra a sociedade.

Luiz Leitão

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http://detudoblogue.blogspot.com

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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