O acordo ao qual parece que Grécia e seus credores chegaram hoje, 11 de março, depois de longas negociações, é mau acordo. Os 85 bilhões previstos nesse acordo são, hoje, muito insuficientes. Nem poderia ser diferente. Porque esse texto é a conclusão lógica do diktat imposto à Grécia dia 13 de julho de 2015, pelos credores. E esse diktat não foi concebido com o objetivo de garantir socorro real à Grécia, mesmo ao preço de enormes sacrifícios; foi concebido unicamente para humilhar e desconsiderar politicamente seu governo. Esse diktat é o produto de uma vingança econômica e não tem qualquer racionalidade econômica.
Já há muitas dúvidas sobre esse acordo, que terá de ser ratificado dia 20 de agosto próximo. Já foi longamente denunciado em diversas colunas. Só aumentará o arrocho [não é "austeridade"; é arrocho], num país cuja economia está em queda livre depois das manobras do Banco Central Europeu desde 26 de junho passado. Aumentar impostos em economia em recessão é nonsense. Seria preciso, ao contrário, injetar dinheiro massivamente na economia, para reiniciar a produção. Todos sabem , seja o governo grego sejam os credores. Mas os credores persistem no erro. Por quê?
A responsabilidade da Alemanha
Aponta-se repetidamente a responsabilidade da Alemanha. Sim, esse país conta com ligar o acordo a uma condicionalidade estrita e, isso, apesar de as condições impostas pelos planos precedentes, assinados desde 2010 já terem levado a queda de 25% no PIB e a uma explosão do desemprego. Pois mesmo assim a Alemanha está decidida a impor reforma importante nas aposentadorias em Atenas, quando aqueles mesmos aposentados têm papel de amortizar a crise, num país onde as transferências intergeracionais substituem os salários-desemprego, já muito depauperados. Resultará em empobrecer ainda mais a população e provocará mais recessão. Para finalizar, a Alemanha quer ainda impor vastas privatizações. Claro que essas privatizações permitirão que empresas alemãs - longe de poderem apresentar currículo imaculado na Grécia (a filial grega da Siemens está no centro de imenso escândalo fiscal) - deem prosseguimentos às compras em liquidação, que já vinham fazendo. Aí está: a incompetência parece dar a mão à pouca vergonha.
A responsabilidade da Alemanha é evidente. De fato, a única esperança - se a Grécia deve permanecer na Eurozona - seria anular grande parte, de 33% a 50%, da dívida grega. Mas o governo alemão não quer saber disso, e num momento no qual parece que extraiu lucros enormes da crise grega, como o reconheceu um instituto alemão de consultoria .
O que há é a obstinação assassina do governo alemão contra o povo grego, que vai bem além de simples 'obediência às regras' de uma gestão muito conservadora ou de interesses privados. Fato é que o governo alemão quer punir o povo grego porque elegeu governo de esquerda radical. Há uma vontade claramente política, não econômica. Mas o governo alemão quer também fazer da Grécia um exemplo, para fazer ver, olhando na direção de Itália e França - como observou o ex-ministro das Finanças Yanis Varoufakis , quem manda na União Europeia. E aí está a questão mais inquietante.
Declarações de Romano Prodi
Nesse contexto, as declarações de Romano Prodi - denunciando num jornal conservador, Il Messagero Veneto, o que ele chama de "a blitzalemã" - devem ser examinadas com atenção , mas também com alguma desconfiança. Quando um Romano Prodi, o qual, vale lembrar, foi presidente da Comissão Europeia e primeiro-ministro da Itália, denuncia o comportamento do governo alemão, e diz que esse comportamento compromete o próprio funcionamento da Eurozona, pouco há a acrescentar. Mas o comportamento que Prodi critica não é, de modo nenhum, analisado pelo que revela.
Sim, o governo alemão, tanto na forma como na substância, está destruindo a Eurozona. Mas só o faz porque não tem escolha! De fato, agir de outro modo seria aceitar o que Romano Prodi implicitamente propõe: uma organização federal para a zona euro. Ora, para a Alemanha, nenhuma federação é possível.
Se se quer que a Eurozona se converta, da camisa-de-força que é hoje, na qual se aliam depressão econômica e regras de arrocho dito 'austero', seria preciso, isso sim, que os países do norte da Eurozona transferissem entre 280 e 320 bilhões de euros/ano, e no mínimo durante dez anos, para os países da Europa do Sul. A Alemanha contribuiria para essa soma com no mínimo 80%. Implica dizer que a Alemanha teria de transferir 8-12% de seu PIB, segundo as hipóteses e as estimativas, todos os anos. Absolutamente não é possível.
Todos os que entoam a lamentação pela impossibilidade do federalismo na Eurozona, com soluços na voz ou poses marciais, nem as contas fizeram ou, talvez, nem saibam contar. Pode-se e deve-se criticar a posição alemã na relação com a Grécia, porque o governo Merkel pratica uma vendettapolítica contra governo legal e legitimamente eleito. Mas não é realista exigir de um país que transfira voluntariamente (e anualmente) uma tal proporção da riqueza que produza.
Romano Prodi não é imbecil
Ora, Romano Prodi não é imbecil, e quem se lembrar de sua intervenção na Rússia, no Club Valdaï, em 2013, sabe que é homem de rara inteligência e, claro, ele sabe contar. Por que, então, obstina-se nessa trilha? E por que apela à formação de um eixo Roma-Paris para reequilibrar a relação de força? Romano Prodi sabe muito bem que, no governo francês, ninguém encontrará parceiro resoluto para afrontar Berlim Depois de setembro de 2012, e da votação do TSCG [Treaty on Stability, Coordination and Governance in the Economic and Monetary Union], é claro que François Hollande não tem qualquer vontade nem qualquer intenção de entrar em conflito com a sra. Merkel. A inação de Hollande comprova exatamente isso, todos os dias.
Assim sendo, melhor admitirmos que Romano Prodi está, de fato, fazendo política, e, ainda mais, que faz política italiana doméstica. Ele sabe que a questão do euro está posta abertamente na Itália, seja objetivamente nos resultados econômicos que só se degradam, seja subjetivamente na multiplicação de tomadas de posição eurocríticas - e no campo da esquerda (com o apelo de Stefano Fassina), como no da direita e também na Liga do Norte.
É preciso entender a posição de Prodi como contrafogo diante de uma mudança, lenta, mas profunda, da opinião pública e da opinião dos políticos sobre a questão do euro. Mas, para que esse contrafogo seja eficaz, é preciso não mentir. Daí a análise, que não é falsa, sobre as consequências da atitude alemã para com a Grécia. Mas, ao mesmo tempo, vê-se que essa análise não é, deliberadamente levada às suas conclusões lógicas.
Contrafogo
Já vimos pois o jogo de Romano Prodi. Mas o jogo de Wolfgang Schäuble não é diferente. O ministro das Finanças alemão compreendeu o risco que se criou para seu país, agora que, depois da crise grega, foi desencadeado um potente movimento a favor do federalismo dentro da Eurozona, com todas as implicações que daí advêm. E Schäuble não quer saber de nada disso, ponto no qual coincide tanto com a chanceler como com o dirigente do Partido Social-democrata Alemão, Sygmar Gabriel, em todos os termos.
Implica dizer que, seja Romano Prodi ou Wolfgang Schäuble, os dois dirigentes políticos estão reduzidos a acender contrafogos.
A novidade é que, agora, as ações deles já não podem ser coordenadas. Quanto mais se movam, mais se ferirão um o outro. E dessa desarticulação estratégica decorre uma desarticulação política do projeto do Euro.
Romano Prodi procura evitar ou adiar o mais possível a constituição dessa frente de forças antieuro, frente que aumenta tanto na opinião pública como nos meios políticos, e tanto na Itália como na Europa.
Wolfgang Schäuble, por sua vez, tenta evitar que se entre numa lógica de união 'por transferência' [dos países mais ricos, para os mais pobres] - que seria mortal para a Alemanha. Assim, um e outro fazem crer que estejam falando do euro e da Europa, mas, na realidade, só pensam nos respectivos quadros nacionais.
Que melhor prova haveria da morte do euro, mas, também, do fracasso de certa ideia de União Europeia?
11/8/2015, Jacques Sapir, Hypotheses
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