Sangue e Champagne
- Khaled Mash'al, líder do Hamás, estava sendo liquidado numa rua em Amã, com uma injeção de veneno. A liquidação foi descoberta, os liquidadores foram identificados, e um furioso Rei Hussein obrigou Israel a fornecer o antídoto que lhe salvou a vida. Os liquidadores israelenses foram trocados pelo Sheik Ahmad Yassin, fundador do Hamás, que estava preso em Israel. Resultado: Mash'al foi promovido; é hoje a principal cabeça política do Hamás.
O próprio Sheik Yassin, paraplégico, foi liquidado num ataque com helicópteros, quando deixava uma mesquita, depois da reza. Antes, sobrevivera a um ataque falhado contra sua casa. Para todo o mundo árabe, tornou-se mártir e, desde então, serve de inspiração para centenas de ações do Hamás.
O DENOMINADOR COMUM entre todas estas e muitas outras ações é que elas não causaram qualquer dano às organizações dos liquidados e voltaram sobre Israel, como bumerangues. Todas estas ações provocaram terríveis respostas de vingança.
A decisão de promover uma liquidação é semelhante à decisão que levou ao início da II Guerra do Líbano: nenhum dos decisores dá qualquer atenção ao sofrimento da população civil vítima, sempre, em todas as vinganças.
Por que, então, organizam-se e perpetram-se as liquidações?
Resposta de um dos generais aos quais se fez esta pergunta: Esta pergunta não tem resposta certa.
Estas palavras são pura afronta, pura arrogância: como alguém pode decidir entrar ou não entrar em guerra, se não sabe se a guerra tem ou não tem algum sentido?
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Desconfio que a razão real que leva às liquidações é tanto política quanto psicológica. É política, porque as liquidações agradam à opinião pública em Israel. Sempre há júbilo, depois de cada liquidação. Quando a vingança desaba sobre nós, a opinião pública (e a mídia) não vêem a relação que há entre a liquidação e a resposta. Vêem-se as coisas como se fossem separadas. Pouca gente tem tempo e inclinação para refletir, quando todos à volta ardem de fúria imediatamente depois de cada ação criminosa contra Israel.
No caso presente, há também uma motivação política extra: o exército não consegue fazer parar os Qassams, nem tem qualquer desejo de atolar-se na re-ocupação da Faixa de Ghaza, com todos os riscos a que se exporá lá. Uma liquidação sensacionalista é alternativa mais simples.
A razão psicológica também é clara: dá prazer. É verdade, sim, que liquidações como o nome diz fazem mais sentido no submundo, do que nas forças de segurança de um Estado. Mas liquidar é tarefa desafiante e complexa, como nos filmes sobre a Máfia, que dá muito prazer aos liquidadores. Ehud Barak, por exemplo, é liquidador desde o início de sua carreira militar. Quando a liquidação termina bem, os carrascos erguem as taças e brindam com Champagne.
Não se pode misturar sangue, Champagne e loucura: o coquetel embriaga e causa euforia instantânea. Mas é tóxico.
**Uri Avnery,85 anos, é membro fundador do Gush Shalom (Bloco da Paz israelense). Adolescente, Avnery foi combatente no Irgun e mais tarde soldado no exército israelita. Foi três vezes deputado no Knesset (parlamento). Foi o primeiro israelense a estabelecer contato com a liderança da Organização para a Libertação da Palestina (OLP) em 1974. Foi durante quarenta anos editor-chefe da revista noticiosa Ha'olam Haze. É autor de numerosos livros sobre a ocupação israelense da Palestina, incluindo My Friend, the Enemy (Meu amigo, o inimigo) e Two People, Two States (Dois povos, dois Estados).
* URI AVNERY, 17/2/2008, Blood and Champagne. Em Gush Shalom [Grupo da Paz], em http://zope.gush-shalom.org/home/en/channels/avnery/1203196052/ .