Sobre o espião-chefe saudita Bandar bin Sultan, príncipe: Enlouqueceu completamente?

The Saker, The Vineyard of the Saker

http://vineyardsaker.blogspot.com.br/2013/10/has-saudi-spy-chief-prince-bandar-bin.html

Tradução: Vila Vudu

Todos os sinais mostram que o regime saudita, antes e sempre muito secretivo, agora está furioso. Muito, muito zangado. O reino saudita não apenas recusou o assento ao qual foi eleito no Conselho de Segurança da ONU:[1] agora, o espião-chefe príncipe saudita Bandar bin Sultan parece estar ameaçando os EUA: disse que haverá "grande mudança" nas "relações com os EUA, em protesto contra a visível inação no caso da guerra síria e de suas aberturas para o Irã."[2] O Wall Street Journal dá outros detalhes:

Na expectativa de ataques norte-americanos, os líderes sauditas pediram planos detalhados aos EUA para a alocação de naves norte-americanas para fazer a guarda do centro saudita de petróleo, a Província Leste, durante qualquer ataque à Síria, disse um funcionário que acompanha aquela discussão. Os sauditas surpreenderam-se quando os norte-americanos disseram-lhes, então, que não haveria naves norte-americanas para proteger completamente a região do petróleo, disse o funcionário.

O funcionário disse também que, desapontados, os sauditas disseram aos EUA que estavam abertos a alternativas à longa e duradoura parceria de defesa, enfatizando que procurariam boas armas a bom preço, fosse qual fosse a fonte.

No segundo episódio, um diplomata ocidental descreveu a Arábia Saudita como ansiosamente interessada em ser parceira militar no que se esperava que fossem ataques comandados pelos EUA contra a Síria. Parte disso, os sauditas pediram que lhes fosse fornecida a lista de alvos militares propostos. Os sauditas indicaram que jamais obtiveram a informação, disse o diplomata.[3]

Bandar (também conhecido como Bandar bin Sultan bin Abdulaziz Al Saud) passou a maior parte de sua carreira em Washington DC, onde foi embaixador saudita de 1983 a 2005 e onde era considerado excepcionalmente próximo da família Bush. E, ainda mais, pôde observar, melhor que qualquer outra pessoa, o modo como os EUA foram à guerra contra o Iraque, não só uma, mas duas vezes, em 1991-1992 e, outra vez, em 2003-2005.

Assim sendo, ele, mais e melhor que qualquer outro, deveria saber que (a) os EUA não têm capacidade física para "proteger completamente" toda a região do petróleo do reino saudita; e que (b) os EUA só partilhariam a lista de alvos previstos com aliados "anglos" muito próximos (o Reino Unido e, talvez, algum outro país anglo[4]). Sequer os israelenses ou os franceses jamais receberiam esse tipo de acesso.

Assim sendo, por que, santo deus, Bandar está tão incomodado?!

Claro, sim, que há outras boas razões a enfurecê-lo: todo o plano estratégico dos sauditas para derrotar os xiitas no Oriente Médio ruiu.

Os sauditas queriam disparar um levante na Síria; depois, encenar um ataque químico, que seria atribuído a outros; depois, fazer os EUA executarem a 'mudança de regime' na Síria; e afinal substituir o governo sírio por algum regime de wahabistas comedores-de-fígados fantoches dos sauditas. Assim, o Hezbollah e o Irã estariam isolados. Os sauditas deixariam os israelenses lidar com o Hezbollah, enquanto eles próprios empurrariam os EUA para um confronto com o Irã.

Em matéria de planos estratégicos, até que era bem bom plano, mas baseado num erro básico de compreensão: esse plano não avalia corretamente a determinação de russos, iranianos e do Hezbollah, para destroçá-lo. Sabemos que a Rússia deslocou uma muito poderosa força tarefa naval para a costa da Síria; há muito boa informação que mostra que o Irã enviou clandestinamente equipamento e combatentes para a Síria; e o Hezbollah admitiu publicamente que enviou vários milhares de combatentes seus para a Síria. Esses combatentes são os que realmente viraram a maré da guerra em campo (sobretudo em torno de al-Qusayr).

O que não sabemos (mas sabemos com certeza que a conversa aconteceu) é o que Rússia, Irã e o Hezbollah disseram aos EUA através de seus canais diretos de comunicação. Pessoalmente, tenho a forte impressão de que houve ameaças realmente sérias, vindas de um ou de vários desses atores; e que a Casa Branca levou muitíssimo a sério as ameaças que ouviu. Sim, sim, claro: foi quando apareceu o "ponto retórico" de Kerry sobre a Síria entregar as armas químicas, mas há fartos indicadores de que os EUA já haviam decidido "dar meia volta" [orig. "fold"] 2-3 dias antes de darem. Seja qual for o caso, é claro que os EUA tomaram a única decisão sã, ao decidirem que não iniciariam outra grande guerra no Oriente Médio.

É possível que os sauditas tenham realmente pensado que os EUA entrariam em confronto aberto contra a Síria, o Hezbollah, o Irã e a Rússia, só para satisfazê-los?

Agora, consideremos a reação dos sauditas. Primeiro, recusaram a assumir o assento ao qual foram eleitos, no Conselho de Segurança da ONU. E daí?! Com a previsível exceção de Kuwait e Bahrain, que ficarão desolados, quem se incomodará muito por os sauditas não se sentarem no CS-ONU?! O Kosovo?

Agora, essa ameaça de "grande mudança" na aliança EUA-sauditas. Mas, afinal... Do que, diabos, Bandar está falando, de novo?!

Para começar: será que Bandar realmente acredita que os EUA precisam vitalmente do Reino Árabo-Saudita? Será que não se dá conta de que, em pouco tempo, os EUA serão autossuficientes em petróleo? Será que não vê que estão chegando ao fim os dias em que a ARAMCO[5] era peça chave para manter a força do dólar, e que, agora, a força do dólar depende mais do poder financeiro e militar dos EUA? E ainda que o reino saudita fosse vital para a força do dólar, será que Bandar realmente supõe que possa ameaçar impunemente interesses estratégicos vitais dos EUA?

Em segundo lugar, se Bandar quer afastar-se da aliança com os EUA, para onde supõe que se possa bandear?! Com total certeza, não para a China, que tem um grave "problema muçulmano" a enfrentar, nas províncias ocidentais; não, tampouco, para a União Europeia, servilmente comprometida e dedicada ao seu status de colônia do Império norte-americano; não para a África - e menos ainda depois da recente carnificina no Quênia. Não para a América Latina, é claro, se por mais não for, por causa da longa história latino-americana de luta contra os EUA; e, também, porque nesse continente habita imensa população árabe, que sabe perfeitamente que o wahabismo é ideologia doentia. Na Ásia, talvez os governantes desesperados da República Popular Democrática da Coreia ou de Burma se interessassem por explorar propostas. Mas é só.

Por tudo isso, a menos que Bandar suponha que castigaria os EUA se se meter em aliança com "peso-pesados" do quilate do Kuwait ou Bahrain, não se sabe o que estará passando pela cabeça de Bandar.

Considerem o seguinte: primeiro, Bandar ameaça Putin com ataques terroristas durante os Jogos Olímpicos de Sochi;[6] agora, Bandar ameaça os EUA de 'deixá-los' por sua conta?! Seria cômico, se a Casa de Saud não estivesse sentada sobre uma descomunal montanha de dinheiro, que ela tem e que ela usa - e usará - para espalhar o terror e o extremismo wahabista por todo o planeta.

O que me aproxima, afinal, da minha última pergunta: será que Bandar realmente não compreende a fragilidade de seu próprio regime? Será que acredita seriamente que poderia ameaçar simultaneamente EUA e Rússia, e sair ileso?

Talvez o pobre coitado espere que o clã Bush possa fazer alguma coisa a seu favor, mas, nesse caso, espera errado. Claro, sim, que a família Bush e a Casa de Saud são cúmplices há muito tempo em todos os tipos de negócios sujos e bem feios, mas, além de os Bush não estarem atualmente no poder, eles sempre amarão mais o próprio dinheiro que os próprios amigos. E a verdade é que a família Bush também já não precisa, assim, tanto, dos sauditas.

Mas o contrário não é verdade. A casa wahabista de Saud está sentada sobre gigantesca reserva de petróleo, mas é petróleo xiita (as regiões do país ricas em petróleo são as mesmas onde se concentra população majoritariamente xiita, duramente reprimida no país). Os dois governos, do Bahraini e o regime saudita, só se mantiveram no poder por força de repressão violentíssima e sistemática contra a própria população, sobretudo contra os xiitas. Para os wahabistas, permanecer no poder significa matar xiitas, muitos, muitos xiitas. Para fazer isso, é indispensável ter um 'protetor' no Conselho de Segurança da ONU. E, no caso do Reino Árabo-Saudita, esse 'protetor' sempre foi os EUA. Imaginem, então, o que pode acontecer, se os EUA retirarem a 'proteção' que dão aos governantes sauditas, no CS-ONU. Que sinal esse movimento enviará aos sofridos e reprimidos xiitas, nos dois países? Sem ter conseguido chegar sequer uma situação de "Responsabilidade de Proteger", é muito evidente que o regime saudita só interessa e só tem serventia, "por decisão e escolha do presidente dos EUA",[7] podendo ser demitido sem aviso prévio e sem explicações.

A impressão que se tem é que Bandar está completamente esquecido disso tudo. Minha impressão pessoal é que (a) Bandar enlouqueceu completamente. Deve ser internado. É isso ou, então, (b) toda a Casa de Saud enlouqueceu completamente, algum tipo de efeito colateral e consequência de seus hábitos e práticas degeneradas. Sabe-se lá?

Se Bandar for "aposentado" - administrativamente ou fisicamente - mais cedo ou mais tarde, então saberemos que se trata da opção (a). Se não, é a opção (b). Seja qual for, o destino da Casa de Saud está selado.

[assina] The Saker

[1] http://abcnews.go.com/US/wireStory/saudis-lash-council-rejecting-seat-20651091

[2] http://online.wsj.com/news/articles/SB10001424052702303902404579150011732240016

[3] http://online.wsj.com/news/articles/SB10001424052702303902404579150011732240016

[4] Países "Anglo" são Reino Unido, Irlanda, EUA, Canadá, Austrália e Nova Zelândia. Exceto a Irlanda, os demais são militarmente alinhados sob o Tratado UKUSA [UKUSA Agreement] e o programa dos Exércitos ABCA (mais sobre isso, em http://en.wikipedia.org/wiki/Anglosphere) [NTs].

[5] Saudi Arabian Oil Co., ARAMCO, é a empresa nacional saudita de petróleo e gás, com sede em Dhahran [NTs, com informações de

http://en.wikipedia.org/wiki/Saudi_Aramco].

[6] Ver, sobre isso, 7/9/2013, Pepe Escobar: "Cães da guerra versus a caravana emergente", Asia Times Online (trad. em http://voiceofrussia.com/2013_08_29/Bandar-Bush-threatens-President-Putin-with-Sochi-terrorist-attack-2596/) [NTs].

[7] Orig. "at the pleasure of the US President". É expressão da Constituição dos EUA. Designa alguns poderes e competências exclusivas do presidente, como, dentre outros, a nomeação para alguns postos; disse-se que, nesses casos, o funcionário "serve como apraza ao presidente dos EUA", podendo ser demitido a qualquer momento [NTs, com informações de http://en.wikipedia.org/wiki/Powers_of_the_President_of_the_United_States].

http://www.iranews.com.br/noticia/11050/sobre-o-espiao-chefe-saudita-bandar-bin-sultan-principe-enlouqueceu-completamente

 

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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