Contêiner: meio século de história

Milton Lourenço (*)

Há exatamente meio século, um empresário norte-americano do ramo de transporte rodoviário, Malcolm McLean, encontrou numa caixa metálica a solução ideal para levar cargas. Estava criado o container , nome inglês que, em português, virou contêiner, no Brasil, e contentor, em Portugal. Inicialmente chamado de cofre-de-carga, o contêiner recebeu as dimensões de 35x8x8 pés e, logo, tornou-se uma revolução, obrigando o mundo a padronizar suas medidas, o que exigiu mais dez anos de discussões.

Santos foi o primeiro porto sul-americano a receber contêineres, trazidos pela empresa norte-americana Moore McCormack Lines, Inc., em 1965, a bordo de seu navio Mormacdawn . Eram dois contêineres de alumínio, de seis metros de comprimento por 2,44 de altura e 2,44 de largura. Com o êxito desse novo modal, logo os navios tiveram de sofrer adaptações, até que surgiram os porta-contêineres, destinados exclusivamente ao transporte de carga geral conteinerizada, que inicialmente carregavam 226 unidades.

Depois, vieram outros com capacidade para até 3.100 contêineres de 20 pés (TEUs). Na década de 90, as embarcações exclusivas para carga geral foram desativadas e surgiram navios para até 4.500 TEUs. Hoje, as embarcações mais modernas transportam até 10 mil TEUs.

A que vem esta retrospectiva? É para dizer que, infelizmente, o Brasil não soube se preparar para receber os benefícios dessa revolução no transporte de carga. Caminhou sempre na contramão, a partir do momento em que a invenção do contêiner coincidiu com a desativação da nossa malha ferroviária, exatamente o modal que mais bem se adaptaria ao seu transporte por terra.

Não se trata aqui de se entregar à inútil tarefa de buscar culpados. Os erros foram cometidos ao longo dos governos tanto da fase ditatorial (1964-1985) como da fase democrática (1985-2006). O pior deles, porém, data dos primórdios da etapa democrática, quando em 1988 o País ganhou uma nova Constituição. Como se sabe, depois de duas décadas de supressão dos direitos do cidadão, os constituintes entenderam que poderiam corrigir distorções e beneficiar grupos sociais com dinheiro público.

Em função disso, muitos recursos que deveriam ser investidos em infra-estrutura, hoje, são desviados para pagar aposentadorias milionárias, pensões, benefícios assistenciais e salários de um funcionalismo que não pára de crescer, capitalizar empresas estatais, amortizar a dívida e sustentar universidades públicas.

Basta ver que, antes da Constituição de 1988, o governo investia 4% do Produto Interno Bruto (PIB) em infra-estrutura e, no ano passado, aplicou apenas 0,4%. Isso significa que, praticamente, não renovamos a nossa infra-estrutura, recorrendo a paliativos como a chamada operação tapa-buracos em vigor em algumas rodovias.

A falta de recursos está evidente na lentidão com que o governo toca as obras de infra-estrutura, uma das razões para o baixo crescimento econômico dos últimos anos, o que tem levado grande número de empresas a buscar saídas e investir no exterior. As outras razões são a desvalorização cambial, que torna o nosso produto inviável, e a falta de acordos com EUA e Europa, que tem obrigado indústrias a instalar unidades em países que tenham esse tipo de tratado, como forma de contornar as barreiras tarifárias.

O nó górdio da questão, porém, está mesmo na infra-estrutura deficiente que obriga o exportador/importador a estourar prazos, a pagar mais pelo transporte e a repassar custos para o seu produto. Enfim, há um descompasso entre o que a iniciativa privada investe e o que o governo faz.

No Porto de Santos, por exemplo, enquanto a empresa privada Santos Brasil acaba de colocar em funcionamento o Terminal de Exportação de Veículos (TEV), com capacidade para movimentação de 200 mil unidades por ano, o governo vive de promessas. Ou seja, o Porto continua à espera de serviços de dragagem, da abertura das avenidas perimetrais em Santos e Guarujá, da ampliação do acesso ferroviário, de um novo centro administrativo para a Codesp, de outras obras viárias, de estacionamentos para caminhões e da remoção de pedras e do entulho do navio Ais Giorgios , afundado em 1974, no canal de navegação.

Como a tendência é o crescimento contínuo do comércio exterior, com a utilização cada vez maior de contêineres, o que se pode prever é o agravamento da já precária infra-estrutura. Isso mostra que não tivemos administradores capazes de antever as conseqüências de uma invenção de 50 anos atrás. Por isso, não podemos atribuir aos outros as culpas por nosso subdesenvolvimento, como era comum em outros tempos. Cada cultura segue os seus próprios caminhos em função dos diferentes eventos históricos que enfrentou. E de como os enfrentou.

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(*) Milton Lourenço é diretor-presidente da Fiorde Logística Internacional, de São Paulo-SP (www.fiorde.com.br). E-mail: [email protected]

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