As milícias no Estado do Rio de Janeiro

Por César Maia em 23/01/2012

As milícias no Estado do Rio de Janeiro. 16314.jpegO deputado Freixo, numa longa entrevista na revista Trip (dezembro 2011), afirmou que instalou a CPI das Milícias um ano e meio depois do requerimento, feito em fevereiro de 2007, no momento da posse do governador Sérgio Cabral. Um ano e meio depois significa agosto de 2008. Nessa entrevista, ele afirma que "na época da CPI eram 170 áreas dominadas pelas milícias e hoje são mais de 300″. Portanto, um crescimento de uns 80% em apenas 3 anos e meio do governo Cabral. Essa é uma séria acusação e denúncia em relação à politica de segurança pública do governo do Estado do Rio. Na entrevista, ele diz que "as milícias são um fenômeno recente que começou a surgir em 2000″. E que são integradas por policiais.


Um exagero ou desconhecimento dizer que surgiram em 2000. E nem se trata de lembrar Rio das Pedras, que é muito anterior. Desde o início do século XX que grupos armados, articulados com políticos, existem nos bairros do Rio e, depois nos anos 50, na Baixada. Em nome da segurança, controlavam as atividades locais. Em vários pontos, essa segurança e esse controle eram financiados pelo comércio local. E, em muitos casos, adquiriam autonomia e passaram a vender segurança.


Diz o deputado que "o ex-prefeito chamava as milícias de autodefesa comunitária". Desinformação. Antes mesmo de ele ser deputado, foi a Coordenadoria Militar da Prefeitura do Rio, sob comando do "ex-prefeito", que primeiro mapeou as milícias na capital, georreferenciou-as, e divulgou à imprensa que estavam em franca expansão e que não eram apenas as clássicas e conhecidas. O Globo e a Veja fizeram matérias a respeito. E que a maneira de conseguirem o apoio -inicial- da população era expulsar traficantes e se colocar como autodefesa comunitária. E que essa era a grave e triste história das milícias colombianas, que começaram também com esse nome. Portanto, era uma análise das dinâmicas das mesmas e nada mais.


Mas a situação é realmente grave e delicada nesses últimos meses. As milícias que atuavam individual e independentemente constituíram coordenações, passando a contar com centenas e uma delas com milhares de milicianos. Outro exemplo. Pelo menos um grupo dentro da polícia, com alguns elementos presos recentemente, criaram um negócio para a expansão de milícias. Como policiais ativos, com seu próprio armamento e encobertos por esses uniformes negros, ninjas, alugam seus serviços, tomam comunidades de traficantes, entregam à milícia que contratou, recebem o pagamento e retornam ao trabalho.


E ainda mais grave. Segundo alguns policiais sêniores, há sinais de que podem estar se interessando pelo negócio das drogas, o que ampliaria em muito seu poder financeiro e de fogo. O deputado minimiza, na entrevista, a importância do tráfico de drogas, destacando apenas o tráfico internacional de armas e drogas, tratando o narcotráfico varejo como grupos desorganizados. Um pouco mais de estudo sobre organizações permitiria ver que os grupos descentralizados, de substituição espontânea de delinquentes e com métodos de atuação semelhantes, formam um tipo de organização difícil de eliminar. Vide a guerrilha, antes, e agora o terrorismo urbano. Ou o exemplo da Colômbia pós-cartéis.


Mas se essas milícias, em expansão e parcialmente coordenadas, entram no negócio das drogas, ganhariam o status de Máfia ou Cartéis. Vide México no segundo caso, e tantos exemplos nos EUA e Itália, no primeiro. Se o governo do Estado minimizou a questão das milícias e perdeu o controle, o fato novo de milícias coordenadas merece a máxima atenção e prioridade, a par das UPPs.


E não custa nada ao deputado ter mais humildade e evitar se considerar fundador de algo que seu tataravô já lia nos jornais. E desconfiar que a secretaria de segurança tinha interesse na CPI, entregando todas as informações e fazendo as prisões relativas, tirando a carga política do governo do estado, pelas razões que acertadamente o deputado descreve. Isso não lhe tira o mérito, ao contrário. Como diz o Povo nas ruas em tantos casos: Menos, Menos! Ou como lembrava o deputado Ulysses Guimarães: "O herói político mais problemático é o que acredita mesmo que é herói".


*César Epitácio Maia nasceu em 18 de junho de 1945, é economista e professor universitário, foi exilado político e é um dos políticos brasileiros mais atuantes no momento, tendo ocupado diversos cargos públicos, dentre eles o de Prefeito da Cidade do Rio de Janeiro.


http://www.debatesculturais.com.br/as-milicias-no-estado-do-rio-de-janeiro/

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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