A questão do petróleo tem ganhado proeminência na relação política entre a Turquia, o Iraque e o Curdistão iraquiano, cuja capital é Erbil. Muitas perguntas e preocupações sobre os interesses e as opções abertas para os três estão sendo levantadas. A questão do petróleo está entrelaçada às da segurança do Estado, a estratégia e a independência, devido à dependência do povo sobre os produtos do petróleo em sua vida cotidiana e ao potencial colapso.
Por Khorshaid Deli*
Quando se trata do Curdistão, parece que a questão do petróleo é fundamental para a construção de uma infraestrutura independente, embora já se tenha feito progresso significativo no caminho em direção à independência. A cidade multiétnica de Kirkuk, a 235 quilômetros de Bagdá, não é integrada à região curda, o que tornará difícil o sucesso da declaração de um Estado curdo.
Assim, a luta pelo petróleo e sua produção e distribuição está agora entre as maiores problemáticas para as regiões curdas.
De fato, nessa questão, elas não são diferentes de outros lugares: a batalha pelo petróleo não é desconhecida quando se trata de conflitos regionais e internacionais de interesse relativo aos recursos energéticos e às linhas de suprimento. O petróleo tem sido há muito tempo um fator que encoraja os Estados a redesenharem mapas políticos.
Curdistão e estratégia petrolífera
Desde a adoção da Constituição federal do Iraque, o petróleo tem sido uma das preocupações primárias da liderança curda, porque se trata de uma fonte essencial para a construção e o estabelecimento da região do Curdistão. Talvez o que trouxe esta questão à mesa, para a liderança curda, são as muitas disputas pelo petróleo que o governo do primeiro-ministro Nouri Al-Maliki teve com Erbil e, de fato, a falta de aprovação de uma lei sobre o petróleo nos anos recentes.
A falta de uma lei como esta levou o Curdistão a fortalecer suas habilidades de exportar o recurso de forma independente. Por um lado, a região curda está bem localizada para exportar petróleo à Turquia, aos países do Mediterrâneo e à Europa, enquanto, por outro lado, o governo local também abriu a porta ao trabalho com companhias petrolíferas internacionais que são entusiastas da ideia de investir na região, devido aos vastos benefícios que têm garantidos, em comparação com os negócios com Bagdá.
Disputas entre os curdos e a capital iraquiana têm exacerbado devido a questões de legalidade à volta dos contratos petrolíferos. A região curda afirma que Bagdá lhe deve mais de US$ 1,5 bilhão em pagamentos pelo petróleo, enquanto autoridades iraquianas acusam os curdos de contrabandear diversas cargas do recurso para a vizinha Turquia e para o Irã ilegalmente. Eles também exigem que a produção curda de petróleo seja reduzida de 175 mil barris por dia para 60 ou 70 mil.
Desde outra perspectiva, há novos confrontos entre Bagdá e companhias petrolíferas estrangeiras que não consideraram as advertências iraquianas, apesar do fato de que estão atualmente banidas do investimento em áreas não curdas do Iraque. Neste sentido, é preciso ressaltar o recente acordo assinado entre Ancara (Turquia) e Erbil (Curdistão), porque se trata de um acordo de bilhões de dólares que não só desenvolverá a estratégia petrolífera da região curda, mas também resultará no Curdistão com um fornecedor de petróleo para o exterior pela primeira vez na história.
Além deste acordo, há rumores sobre outro em que os curdos fornecerão 10 bilhões de metros cúbicos de gás para o estrangeiro através de um gasoduto separado, que corre através da Turquia. Este acordo será parte da estratégia curda para desenvolver seus recursos energéticos.
Esses acordos foram assinados depois de relatórios recentes que indicam que a produção de petróleo da região curda excedeu 400.000 barris por dia, deve alcançar um milhão até o fim do próximo ano e, possivelmente, ainda, dois milhões de barris diários em cinco anos.
Reservas de petróleo na região são estimadas em cerca de 45 bilhões de barris e esses recursos são, presumidamente, o que leva a batalha pelo petróleo para além das diferenças políticas e situações de emergências rumo a uma questão de segurança política e estratégica.
A batalha do petróleo
Está claro que a questão no petróleo no Curdistão pode agora ser classificada de uma batalha política por excelência. Ela foi além da luta entre o governo iraquiano e os curdos pelos recursos naturais e econômicos para uma questão de escolhas políticas e resultados com implicações legais e constitucionais.
Para Bagdá, a questão do petróleo trata da soberania iraquiana. O primeiro-ministro Nouri al-Maliki repetiu diversas vezes que a assinatura de qualquer acordo relacionado com a produção e exportação de petróleo ao exterior é uma linha vermelha. Autoridades em Bagdá rejeitaram a sugestão do governo turco para a formação de um comitê tripartite (Ancara, Bagdá e Erbil) para lidar com a questão, e insistiram em que se um comitê for formado, será bilateral, entre Bagdá e Ancara, com representantes das áreas curdas.
Recentemente, o governo central iraquiano em Bagdá encerrou diversos contratos com companhias petrolíferas como a Total, Chevron e Exxon-Mobil, depois de elas terem assinado acordos com Erbil.
Em um esforço para confrontar ameaças de Bagdá, o governo curdo anunciou que tomou medidas para conter qualquer ameaça potencial do governo iraquiano. Isso significa que a batalha pelo petróleo tornou-se uma ferramenta política e estratégica para cortar laços entre Bagdá e Erbil.
Ainda assim, todos esses fatores fizeram pouco para abafar a determinação do governo curdo, porque funcionaram estrategicamente, de uma forma calma e autônoma. Por um lado, sua estratégia foi muito liberal e proporcionou muitos benefícios a companhias petrolíferas que a assinaram, o que, por sua vez, aumentou a produção de petróleo e os lucros enormemente (estimados entre 25% e 35% no Curdistão, e em meros 15% a 18% no resto do Iraque).
Isso levou muitas companhias petrolíferas a se mudarem para o Curdistão, o que levou Bagdá a perder seu controle sobre o setor petrolífero e sobre os rendimentos curdos em menos de dois anos. Por outro lado, autoridades curdas trabalharam incansavelmente com a Turquia para finalizar acordos para a exportação de petróleo e gás. Ignoraram as advertências de Al-Maliki, forçando-o a enviar uma carta ao presidente dos Estados Unidos, instando Barack Obama a proibir companhias petrolíferas estadunidenses, nomeadamente a Chevron e a Exxon-Mobil, de assinar acordos com a região curda iraquiana.
Assim, apesar das tensões entre Bagdá e Ancara pela assinatura de um acordo com o Curdistão, o fato de a administração dos EUA ter levado em consideração as preocupações iraquianas assegura que a batalha pelo petróleo entre Bagdá e Erbil será impulsionada no próximo período.
O governo iraquiano ameaçou a cortar o governo curdo da sua parte do orçamento iraquiano, quase 17% do total. O presidente do governo curdo, Barzani Najirfan, respondeu a essas ameaças dizendo que todos os acordos assinados eram legais e constitucionais, e que não desistiria de qualquer um dos seus direitos.
Turquia e a independência curda
A Turquia aspira a ter acesso ao petróleo curdo, especialmente devido a recentes relatos sobre a descoberta de mais reservas petrolíferas. O governo turco acredita que construir uma parceria com o Curdistão levará a inúmeros benefícios estratégicos. No topo dessa lista está o fato de a Turquia vir a reduzir a sua dependência de petróleo de outras partes, como a Rússia e o Irã, e ser capaz de usar estes recursos petrolíferos para o seu próprio crescimento econômico e desenvolvimento, que experimentou um aumento de 9%. Além disso, ao tomar vantagem da oportunidade de resolver a questão curda, a Turquia fortalecerá o seu papel e a sua posição na região.
Ancara está agora enfrentando a ira do governo iraquiano, apesar das iniciativas recentes de renovar as relações entre os dois países. O governo turco não levou em consideração as advertências dos EUA ou que a promoção das relações curdo-turcas levariam a potencial desintegração do Iraque.
Quando se trata da região curda, o petróleo continua sendo uma chave para a independência, não importando se este caminho está cheio de confrontações políticas e militares com Bagdá. Isso chama à questão o destino de Kirkuk, que tem carregado o fardo do aumento da violência devido a confrontos recentes.
Em meio à batalha pelo petróleo curdo está a questão da posição turca no tema e das suas crescentes relações com o Curdistão. O governo turco, que já recusou antes ter qualquer forma de comunicação com o governo curdo, não está apenas estendendo o tapete vermelho aos ministros em Istambul e Ancara, mas também os recebeu em Diyarbakir, a cidade que os curdos consideram ser a sua capital histórica. O primeiro-ministro Recep Tayyip Erdogan foi tão longe que convidou o presidente curdo-iraquiano Massoud Barzani à Turquia, uma decisão controversa que reverbera ainda hoje.
Uma questão fundamental aqui é a forma pela qual o governo turco fará as pazes com os curdos, enquanto desenvolve seus próprios interesses econômicos e estratégicos e a possibilidade de que isso leve à desintegração do Iraque? Este problema sem dúvida ainda suscitará uma questão ainda maior na Turquia, que é: quais serão as implicações da independência do Curdistão iraquiano sobre o território curdo na Turquia (que é três vezes maior do que seu correspondente no Iraque, tanto em termos de população quanto geográfico)?
É amplamente aceito que os interesses compartilhados entre a Turquia e o Curdistão são contraditórios, e que podem colidir ao longo do caminho, porque a questão curda está experimentando desenvolvimentos rápidos dentro do contexto da região toda. Talvez isso encoraje a Turquia a aprofundar suas relações com o Curdistão neste meio político complexo em que está seus desacordos com Bagdá sobre a implementação da política iraniana na área, uma decisão que a Turquia vê como um de muitos fatores das brechas profundas na crise síria.
Muitos acreditam que a empatia transbordante da Turquia com relação ao Curdistão pode ser atribuída à nostalgia turca relativa ao período em que os otomanos e a então nascente República Turca governou Mosul. A Turquia contestou a incorporação de Mosul ao Mandato Britânico sobre o Iraque, mas no final, perdeu o controle sobre a área num acordo avançado pela Liga das Nações, em 1926, entre a Turquia e o Reino Unido. Hoje, Mosul é uma cidade de maioria curda, chave para a região norte do Iraque.
Na atual situação regional, a Turquia faz esforços diplomáticos para demonstrar que não está muito longe de se filiar diplomaticamente com o Curdistão em níveis políticos, culturais, econômicos e até securitários. Enquanto isso, o Governo Regional Curdo demonstrou que é compatível com a política turca tanto a nível regional quanto bilateral, na forma de interesses e aspirações políticas comuns. Entretanto, não se pode negar que esses interesses e aspirações continuam mais ou menos contraditórios já que o Curdistão continua fazendo progresso no sentido da independência.
Com todos esses desenvolvimentos recentes, parece que a geografia curda está sendo redefinida novamente, chegando um passo mais próximo de alcançar o seu sonho de ser um Estado-nação independente. Enquanto isso, as dinâmicas de poder na região continuam a sofrer mudanças, e os curdos entraram na equação como atores-chave pela primeira vez em décadas.
A estratégia política da Turquia certamente os forçará a se examinarem e reavaliarem suas posições, porque seu interesse no petróleo ajudará a realizar o sonho do Curdistão iraquiano de estabelecer um Estado curdo independente, um resultado que não será aceito pelo resto da população curda, especialmente não na Turquia, ao menos não por enquanto. Parece que as condições causando tempestades no resto da região desencadearam uma primavera no Curdistão, enquanto ele se aproxima do seu sonho.
Fonte: Middle East Monitor
Tradução de Moara Crivelente, da redação do Vermelho
http://www.iranews.com.br/noticia/11580/curdistao-e-a-batalha-do-petroleo
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