Os portugueses, pobres e envelhecidos, arrastam-se sem sair da sua mansidão, sem criarem radicalidade, nem se zangarem com o cúpido empresariato e a parasitária classe politica. Até quando?
A salvação inesperada do império colonial
A partir de 1915 o governo português quer entrar na guerra e espera que a Inglaterra use a aliança luso-britânica para introduzir Portugal no conflito, oferecendo-lhe assim uma retaguarda segura contra os alemães, presentes na fronteira sul angolana e na fronteira norte de Moçambique; por outro lado, temia-se que a perda das colónias facilitasse uma anexação espanhola.
Com o morticínio nas trincheiras europeias, a guerra tomava proporções inauditas e, depois do envio português de peças de artilharia para os franceses, algo se mostrou particularmente apelativo para a Inglaterra, cujas perdas de navios no Atlântico se tornava preocupante para a sua logística. Apelativos, eram os navios alemães e austríacos refugiados em portos portugueses, neutros até então.
Os ingleses prometem fretar os navios, o que exigiria o seu prévio apresamento por Portugal; acto que, por sua vez, significaria uma declaração de guerra às potências centrais. Esse acto, por outro lado, permitiria um enorme reforço da marinha mercante portuguesa que tinha então 471 navios com umas míseras 91859 t (195 t, em média, sabendo-se que uma nau das Índias atingia 600 t); a frota mercante viu-se aumentada com o apresamento de 70 navios[1] com uma tonelagem de 242000 t[2] (3457 t por navio), o que encheria de júbilo um antigo país de marinheiros... e de dinheiro os historicamente depauperados cofres do Estado português.
Nas vésperas da entrada na guerra - para incómodo dos ingleses - a situação da tropa portuguesa era calamitosa (como era cem anos antes ao tempo das invasões francesas) mas, rapidamente se improvisou um corpo expedicionário a enviar para a frente de batalha; o qual, mal treinado, mal armado, mal equipado foi, mais tarde, massacrado em La Lys. Os aprisionados passaram horrores de fome, frio e doença nos campos de concentração, bastante desacompanhados pelas autoridades portuguesas, conforme vem sendo relatado nos episódios comemorativos da I Guerra, organizados pela Antena 1 -Cem mil portugueses na Primeira Guerra.
No final da guerra, as grandes potências (e até a Bélgica) repartiram entre si as colónias alemãs, cabendo a Portugal a confirmação da re-adição à colónia de Moçambique, do "Triângulo de Quionga", um pequeno território na margem sul do rio Rovuma. A ocupação de Quionga[3] fez-se pela ação de uma coluna militar portuguesa, sem o disparo de um só tiro, pois o território havia sido abandonado pelos alemães; uma ação que ficou lembrada, pelo menos na toponímia de Lisboa, sob o título de "Heróis de Quionga" embora nada mais tenha sido do que um passeio com muita vibração patriótica perante o hasteamento da bandeira no vazio posto alemão.
A onda nacionalista e fascista que se levantou no seguimento da I Guerra favoreceu em Portugal uma sensação de soberania, de império, pluricontinental e plurirracial, com o afastamento dos perigos de partilha pelas grandes potências; embora a pobreza, o analfabetismo e o subdesenvolvimento continuassem imperando... mesmo após a intervenção divina, em Fátima.
Ao regime imposto em 1926, por um general tonto, seguiu-se o consulado de one only man show (Salazar) que, até à sua morte (1967), manteve esse delírio, ensinado nas escolas sob a forma de uma História francamente distorcida e alheio ou crítico da descolonização levada a cabo pelas potências coloniais europeias, entre o final da II Guerra até meados da década de 1960. Como se verá, ao contrário das outras potências que desfizeram os seus impérios coloniais sem colocarem em causa as suas estruturas políticas - a despeito das guerras francesas na Indochina e na Argélia, do episódio do regime racista na então Rodésia ou da breve resistência dos holandeses em sair da metade ocidental da Nova Guiné - a perda das colónias por Portugal, mudou o regime e o enquadramento geopolítico, sem modificar a incipiência da estrutura económica.
Durante a II Guerra, a colónia portuguesa de Timor foi ocupada pelos japoneses, com alguma resistência portuguesa que, de seguida, se integrou com tropas australianas e holandesas, com uma unidade portuguesa de para-quedistas; porém, nunca houve uma declaração de guerra ao Japão que, também ocupou Macau. Timor voltou a ser ocupado em 1975, desta vez pelos fascistas indonésios, com Portugal a cingir-se a uma ação diplomática de apoio aos timorenses e que veio a conduzir à independência em 2002, quando Clinton decidiu intervir nesse sentido, depois de Gerald Ford ter tolerado a invasão indonésia, mais de 25 anos antes.
Salazar, durante a II Guerra continuava focado nas colónias portuguesas, sem se pretender envolver no conflito, tendo recusado firmar o Pacto Anti-Komintern, ao contrário da Espanha, que tinha de honrar a decisiva ajuda que tivera de alemães e italianos durante a Guerra Civil.
Nessa lógica, a Salazar interessava um razoável equilíbrio para evitar o envolvimento na guerra, ao contrário do que fora desejado após o início da I Guerra, em 1914. Assim, em agosto de 1939 Portugal firma um acordo de cooperação militar com a Grã-Bretanha que se consubstancia no rearmamento da tropa portuguesa e que só se viria a aplicar depois de setembro de 1943, no seio do pacote onde se encontrava a concessão de facilidades nas Lajes. Pouco depois, em junho de 1940, Portugal e Espanha celebram um protocolo adicional ao Tratado de Amizade e Não-Agressão firmado no ano anterior.
Colocavam-se vários cenários de invasão de Portugal. Depois da ocupação da França pelos alemães (maio de 1940), Hitler cria uma "Operação Felix", cuja diretiva 18 consistia em atravessar a Espanha, com ou sem o consentimento dos espanhóis e ocupar Gibraltar. Nesse contexto, planeia uma invasão de Portugal se, naquele contexto, se mostrasse ali iminente um desembarque dos aliados; para o efeito, seria usada uma divisão blindada para ocupar os portos de Lisboa e Setúbal, uma outra, eventualmente espanhola, entraria pela costa Norte e uma terceira, de infantaria motorizada, ocuparia o Sul do país. Hitler sabia que a tropa portuguesa não tinha blindados ou artilharia anti-tanque, para além do caráter geralmente obsoleto do equipamento. A pouca valia das forças armadas portuguesas - que é uma constante histórica que se mantém - era refletida nos jornais, nos anos 80, quando se soube que a divisão Brunete, instalada perto de Madrid, seria suficiente para, numa semana, ocupar Portugal. Na realidade, a pouca profundidade do território é uma grande debilidade para uma invasão terrestre do país, por parte de um exército invasor moderno; qualquer resistência teria sempre por passar por ações de guerrilha.
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