Hiroshima e a era atómica

À sombra de Hiroshima e a era atómica

Caio Henrique Lopes Ramiro[1]

                                                                                

No presente texto, retornamos ao cenário após a segunda guerra planetária. No entanto, não para refletir propriamente acerca da hipótese de Primo Levi do câncer fascista que nos ameaça, mas, isto sim, para conectá-la a interessante reflexão filosófica proposta por Günther Anders (pseudônimo de Günther Siegmund Stern, 1902-1992). Não obstante, importa ressaltar que nem de longe se tem a pretensão de examinar o trabalho filosófico do pensador alemão, mas, sim, refletir a partir de pontos de seu interessante texto: Teses para a era atômica[2]. Anders foi um escritor polivalente e trabalhou em ramos diversificados, o que contribuiu para sua reflexão filosófica interessada em questões e temas não canonizados pela tradição filosófica, como, por exemplo, a energia e a bomba nuclear. Por aqui, cabe colocar a questão: qual vida na era atômica?

Muito já se escreveu e publicou acerca dos horrores do holocausto e da 2ª Guerra Mundial, fundamentalmente para denunciar - para falar com Adorno -, a monstruosidade social do nazismo. No entanto, conforme mencionado linhas atrás, para Anders outros temas eclodiram com o término do conflito bélico planetário, como, por exemplo, a questão atômica, erigida a questão filosófico-moral e política com o ataque estadunidense as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki. No entender do pensador alemão, na primeira tese, Hiroshima pode ser compreendida como uma questão mundial, significa dizer que no dia 6 de agosto de 1945 começou uma Nova Era, a saber: “a era em que, a qualquer momento, temos o poder de transformar qualquer lugar do nosso planeta, e até o nosso próprio planeta, em uma Hiroshima. Naquele dia, nos tornamos, ao menos modo negativo, onipotentes; mas na medida em que, por outro lado, podemos ser dizimados a qualquer momento, também nos tornamos totalmente impotentes. Dure o quanto durar, mesmo que dure para sempre, essa Era é ‘A Última Era’”.

Nesta leitura, somos apocalípticos. Isto é: “nosso “modo de ser” nessa era deve ser definido como “ainda não sendo inexistentes”, “ainda não exatamente sendo inexistentes”. Assim, a questão moral básica de épocas anteriores deve ser reformulada radicalmente: ao invés de perguntar “Como devemos viver”, devemos agora perguntar “Iremos viver?”. Para nós, que somos “ainda não inexistentes” nessa Era de Suspensão, só há uma resposta: embora a qualquer momento O Tempo do Fim possa se converter n’O Fim do Tempo, devemos fazer tudo a nosso alcance para tornar O Tempo Final infindável”. 

Neste horizonte de perspectiva, caberia perguntar: qual forma de vida nos trouxe a era atômica? A forma de vida que aposta tudo na reificação da condição humana, ou seja, o fazer seres humanos – e outras formas de vida não humana -, coisas apropriáveis e, além disso, empresários de si mesmos, fomentando fortemente um modelo empresário-concorrencial que vem dilacerando o mundo e a ideia de que compartilhamos algo entre nós. Uma ideia soberba de onipotência que marca o discurso do desenvolvimento tecnológico, que a princípio se apresenta não só como algo bastante benéfico, bem como, também, como progresso e única via. Não se quer satanizar a técnica, porém, parece razoável verificar que há um rápido processo de obsolescência programada, notável nas gerações de celulares que em verdade pouco ou nada mudam, mas exigem o máximo da vida humana e não humana no planeta.

Não obstante, há que se notar também que na automação da sociedade industrial há obsolescência do humano, desse modo, profissões vêm desaparecendo e outras têm futuro incerto. Por esta via talvez tenha chegado o momento de começar a considerar como nossas “inocentes” práticas relacionais, como o trabalho, por exemplo, afetam a vida de outros seres viventes. Neste sentido, na tese 3, Anders afirma que nossas ações e desenvolvimentos políticos estão ocorrendo dentro da situação atômica, desse modo, na tese 4 aponta que esta situação é o inimigo, significa dizer que compartilhamos um inimigo comum que nos ameaça a todos, o que poderia nos ajudar a se livrar da forma de vida concorrencial.

Assim, se o relógio do juízo final aponta que estamos mais próximos do fim — para sermos precisos it is 89 seconds —, tendo em vista a aceleração do tempo, a questão ética “iremos viver?” pode ser colocada para que possamos pensar alternativas a esta forma de vida. É preciso observar ideias que possam ajudar a tornar o tempo final infindável, isto é, para falar nos termos de Airton Krenak, ideias para barrar o fim do mundo, o que pode ser encontrado em pensadores e pensadoras que estão à margem da tradição anglo-saxônica e europeia, um pensamento da margem e que foi obscurecido e silenciado no rótulo da barbárie e, doravante, do subdesenvolvimento, todavia, apresenta-se como genuína reflexão que se liga a formas outras de viver e estar no mundo, em comum. 


 
[1] Professor no curso de Administração Pública e Políticas Públicas da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA). Doutor em Direito (Direito, Estado e Constituição) pela Universidade de Brasília. 
[2] Para ler o texto: https://culturaebarbarie.org/sopro/outros/anders.html.

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Author`s name Caio Ramiro