Freud Explicaria o Sambódromo Ideológico Tupiniquim?

País do eterno carnaval politiqueiro assombra negativamente juristas e mídia internacional, sem exceção. Dentro de casa, também sem exceção desfilam pela passarela da vergonha mundial, para não perder o costume, todos os segmentos da classe política de todos os espectros, da esquerda à direita liderados


2 de maio de 2016


O mundo desacredita o que acomete o Brasil. Renomados juristas internacionais e até mesmo a mídia predominante, eterna pautadora das classes dominantes brasileiras, publicam reportagens escritas, faladas e televisadas dia a dia evidenciando a farsante democracia no gigante bobão sul-americano, dono de rara preguiça intelectual e cidadã.

Dentro do país as classes média e alta, que sempre abraçaram todo e qualquer esterco informativo por parte dos meios de desinformação das massas, sem nenhuma capacidade nem mínima vontade de se colocar as notícias em contexto, agora tratam de questioná-los mesmo diante deste circo que não requer demasiado esforço psíquico para ser compreendido: "A mídia internacional está mentindo!". Em outras palavras: o mundo todo, inclusive o jurídico e as próprias leis locais, criadas pelos mesmos oligarcas que os representam, estão equivocados; estão corretos apenas os mesmos setores que apoiam ainda hoje/promoveram o golpe militar de 1964.

Os mesmos segmentos mais abastados que dizem combater corrupção em defesa do Estado de direito, desconsiderando completamentequem conduz tal "combate" á corrupção, como conduz e pior, quem assumiria o poder caso o impedimento (até agora inconstitucional) da presidente Dilma Rousseff seja efetivado. Como este setor tem sido exaustivamente tratado nestas páginas nas últimas semanas, passemos adiante até porque o segmento que vem a seguir prima pelo oportunismo, e hoje faz de tudo para se colocar como vítima deste patético cenário social, político e econômico. 

Este setor a seguir está blindado, paradoxalmente, até pelos reacionários já que, em sua raivosa histeria com festival de xingamentos e agressões físicas, não possui a menor sobriedade para se estabelecer debates minimamente construtivos.

A "esquerda moderada", que passou mais de 13 anos desde que Luiz Inácio Lula da Silva assumiu a Presidência em 2003 qualificando a oposição progressista de "esquerda radical", ou "ultra-esquerda", atualmente sai às ruas: contra a declarada continuação do ajuste fiscal e das privatizações disfarçadas de concessões por parte de um novo governo Temer, escolhido a dedo pelo partido no poder prestes a cair. Assim, a "esquerda moderada", remontando tempos pré-poder presidencial em que fazia as vezes de pedra e não de vidraça, radicalizou-se economicamente, de uma hora para outra. Terão voltado a ler os manuais de filosofia política, ou o quê?!

Durante estes mais de 13 anos, não apenas a "esquerda moderada" cooptada pelo Partido dos Trabalhadores negou-se a sair às ruas ou em fazer mínimas reivindicações (não faltaram motivos para isso), abriu mão completamente do senso crítico a fim de exercer cidadania como também patrulhou agressivamente toda e qualquer crítica do que chamavam de "esquerda radical". 

Antes de chegar à Presidência Luiz Inácio, representante de honra da (outrora?) "esquerda moderada" liderava vozes que clamavam impiedosamente pela derrubada imediata dos presidentes eleitos Fernando Collor de Mello, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso, independente de colhimento de provas e o devido julgamento: o último personagem, nefasto, dispensa comentários enquanto em relação ao primeiro seria provado mais tarde ter sido injustamente impedido em 1992 (não se discute aqui suas preferências econômicas nem habilidades neurolinguísticas, tanto quanto no caso da presidente Dilma hoje: apenas se defende manutenção no cargo, democraticamente eleito pelo povo, até se prove crime, e isso não ocorreu com Collor que, queiram os bons fluídos da natureza, seja extirpado da política nacional). 

Pois bem: a "esquerda moderada", que parecia sofrer de amnésia mal disfarçada ao longo de todos esses anos, radicalizou-se agora também no exercício da cidadania: sai às ruas para garantir, bravamente, a permanência da presidente Dilma no Palácio do Planalto, pois (com razão) alegam que ela não cometeu crime que justifique a queda. Parecem ter notado, embora não reconheçam, que a "revolução social" petista estava longe, muito longe de ser apenas um pouquinho eficaz.

No mesmo sentido, a ex-"esquerda moderada" passou estes mais de 13 anos acusando de "esquerda radical" aqueles que se indignavam diante da permanência da 6ª maior economia mundial na última posição em investimentos em educação, proporcionalmente ao PIB. Pois, eureca! A ex-"esquerda moderada" garantiu que nestes mais ou menos 13 dias até que perca de vez os privilégios do poder, fará o que não fez nem se importou em fazer nos mais de 13 anos no ápice da arrogância e do descaso: garante que informará a sociedade sobre o que está acontecendo no país, politizará as camadas populares para heroicamente manter a presidente blindada contra as oligarquias política e midiática (as mesmas que o PT alimentou crescentemente até antes de ontem).

Mas o carnaval politiqueiro não poderia deixar de cobrar ressaca generalizada: este autor se filiou ao PSoL em 2008: não suportou um mês ali. Durante votação interna, foi assediado na fila e, uma vez meio que evidente que não faria média com a alta cúpula, esta não tardou em mostrar a verdadeira face: "Só vota quem fez a contribuição [financeira mensal]". O autor ficou devendo, mas não deixou de votar para, após presenciar o festival das picuinhas e do mais mesquinho jogo de interesses internos, nunca mais retornar. Eis a "esquerda combativa" mercantilizada e acirradamente dividia entre interesses, enquanto a ex'"esquerda moderada" purificou-se, e os setores reacionários... já não colocam toda a confiança na grande mídia!

Parece piada? É o Brasil.

Talvez tão incrível quanto todo esse samba do crioulo doido ideológico, é que a ex-"esquerda moderada", hoje combativamente progressista (!), ainda encontra cara-de-pau para patrulhar divergências dos setores progressistas (que se posicionam contra o impedimento da presidente Dilma) que façam uso da crítica, que fogem do tão simplista quanto mágico termo "golpismo" a fim de realmente se compreender o momento histórico brasileiro (qualquer semelhança com os remotos idos de 1964 não é mera coincidência), e assim encontrar alternativas construtivas à construção de um Estado de direito decente. Mea-culpa? Nem pensar! Falta mais que subsídio intelectual: não há estatura moral para isso!

Talvez nem a atual situação de calamidade crônica seja suficiente para que se compreenda, entre a sociedade brasileira, que muito além de se carecer de ideais, a tal redemocratização do país foi uma grande farsa: apenas para não se estender muito entre a politicagem mais baixa e os crimes por parte deste mesmo Estado terrorista, especialmente contra as classes e etnias menos favorecidas, o primeiro presidente da República "pós-ditadura" foi José Sarney, ex-presidente da Arena. Foi ele também o escolhido a dedo para ser o presidente do Senado por Luiz Inácio, e um dos maiores aliados do governo federal petista entre outros seres como Paulo Maluf, Jader Barbalho, Renan Calheiros e, por que não, ele, Michel Temer o qual a "esquerda radical" dizia com frequência: não se pode aliar a personagens desta espécie. Mas nada importa para a patologia do poder, nem usar como pretexto uma tal de "governabilidade". 

Aí está a governabilidade dos "moderados"...

Se Freud teria a capacidade de mensurar psicologicamente o atual sambódromo sócio-político brasileiro, não se sabe. Porém, certamente não se requer ser sociólogo para entender porque o Brasil anda de crise em crise sem tirar lição nenhuma. País altamente reacionário mesmo entre os que se dizem progressistas. Até agora o País do Futuro não deu certo, e deste jeito que está seguirá no mesmo ritmo até passar pela dura tarefa da auto-análise, único caminho que pode levar à mudança do estado de espírito, de novo vergonha mundial.

 

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey