Povos indígenas do Rio Negro lançam selo pioneiro

Iniciativa da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn) valoriza produtos indígenas com selo de origem - A partir desta quarta-feira, 15/4, já é possível identificar com facilidade os produtos produzidos pelas etnias indígenas da região do Rio Negro, por meio do selo “Produto Indígena do Rio Negro”.

A partir desta quarta-feira, 15/4, já é possível identificar com facilidade os produtos produzidos pelas etnias indígenas da região do Rio Negro, por meio do selo “Produto Indígena do Rio Negro”. O lançamento foi maloca da Foirn, em São Gabriel da Cachoeira (AM), durante o IV Encontro da Rede de Produtores Indígenas do Rio Negro, e contou com a participação de mais de 45 representantes de 22 organizações e grupos de produtores indígenas da região.

Primeiro selo de identificação de origem cultural, geográfica e de comércio justo desenvolvido, emitido e monitorado por uma organização indígena, tem como objetivo identificar produtos feitos pelos povos indígenas da região, trazendo com ele um conjunto de conhecimentos e práticas ancestrais de produção que atrelam aos produtos valor imaterial, e que respeita as boas práticas de comercialização.

Representantes da Fundação Nacional do Índio (Funai), presentes ao lançamento, expressaram o interesse do governo brasileiro em conhecer o modelo de certificação adotado pela Foirn para subsidiar a construção de uma política nacional de registro dos produtos indígenas com vistas à valorização da diversidade representada por estes e os produtos de sua cultura material.

O processo que culminou no lançamento do selo iniciou-se em 2006 com o levantamento de questões sobre os efeitos da denominação de “uma marca específica” sobre produtos ‘comuns’ a diversos povos, durante o I Encontro de Produtores Indígenas do Rio Negro. A discussão surgiu a partir das iniciativas desenvolvidas pelo povo Baniwa que já havia registrado a marca ArteBaniwa para identificar sua cestaria, produzida com fibra de arumã. O registro da marca foi uma reação à tentativa de registro da marca por designers que planejavam utilizá-la para fins particulares. Os Baniwa então se organizavam para lançar no mercado a Pimenta Baniwa, marca escolhida para identificar a jiquitaia – farinha de pimentas feita tradicionalmente pelos índios da região – produzida pelas mulheres Baniwa e comercializada pela Organização Indígena da Bacia do Içana (Oibi). (Leia no final do texto o que diferencia os selos das marcas).

Da discussão surgiu a proposta de constituição de uma rede de produtores, instituída oficialmente no encontro realizado no ano seguinte, que passaria a ter caráter deliberativo e uma programação setorial específica a ser definida coletivamente. No encontro dos produtores em 2008 foram debatidas as diversas modalidades existentes para identificar e diferenciar produtos de origem geográfica e modos de produção específicos, do registro de marcas às indicações geográficas. Após avaliação das opções disponíveis, decidiu-se pela busca de alternativas de certificação que propiciassem diferenciar os produtos originários da produção indígena rionegrina.

A partir da constatação da indisponibilidade de certificações para os produtos de artesanato que fossem acessíveis e adequadas ao contexto de produção da região - dispersa por um território de 11 milhões de hectares em aproximadamente 750 comunidades de 22 povos - verificou-se a necessidade de criar um modelo especial para atender a demanda dos produtores que se organizavam em rede e comercializavam seus produtos por meio de uma bem sucedida experiência de comércio justo articulada pela Wariró – Casa de Produtos Indígenas do Rio Negro, centro de comercialização dos produtos indígenas da região desenvolvida pela Foirn.

Para isso, contaram com o apoio do Instituto Socioambiental (ISA) que já estudava caminhos para a proteção do conhecimento tradicional associado e a repartição de benefícios para desenvolver a primeira iniciativa de auto-certificação para produtos indígenas. A ideia é que tenham sua origem cultural e geográfica, o processo artesanal e comercialização justa reconhecidas pelo mercado.

O selo será emitido apenas para os produtos que atendam a pelo menos quatro critérios pré-estabelecidos e acordados no âmbito da rede de produtores indígenas: a produção artesanal segundo métodos tradicionais; a produção por indígenas; a produção na região do Rio Negro; e a comercialização respeitando os critérios de comércio justo estabelecidos e acordados entre artesãos e os pontos de venda. A Foirn será também responsável pelo monitoramento da aplicação do selo.

A baré Gilda Barreto, coordenadora da Wariró, ressalta que a iniciativa vem se somar a um trabalho desenvolvido desde 2005 com a inauguração da loja e que busca valorizar os produtos indígenas produzidos pelos diversos povos da região, facilitando a identificação de sua origem e transmitindo um pouco do valor imaterial de cada peça artesanal ao consumidor. Isso agrega valor às peças e possibilita geração de renda diretamente às comunidades indígenas da região.

Novas formas de valorizar a diversidade socioambiental do Rio Negro já estão sendo planejadas pelos povos da região: “Agora precisamos criar também uma certificação para identificar os produtos das roças indígenas, para que eles também sejam valorizados na cidade e nos comércios”, afirmou a vice-presidente da Associação dos Produtores Direto da Roça, a tukana Joaquina Sarmento dos Santos. A associação organiza uma feira semanal em São Gabriel da Cachoeira onde são ofertados produtos da agrobiodiversidade da região.

Os produtos indígenas do Rio Negro podem ser encontrados em São Gabriel da Cachoeira, na sede da Wariró que funciona como entreposto comercial e centro cultural; em Manaus, na GaleriAmazônica – iniciativa voltada à valorização da arte amazônica localizada em frente ao Teatro Amazonas, fruto de parceira do povo Waimiri-Atroari com o ISA. Peças como a cestaria de arumã ArteBaniwa dos índios Baniwa e o Kumurõ, banco ritual Tukano, podem ser encontradas nas principais cidades do Brasil na rede de móveis e decoração Tok&Stok.

Por que se aplicam selos aos produtos?

Selos são utilizados no mercado para demonstrar características específicas de um produto ou grupo de produtos. Diferentemente de uma etiqueta ou rótulo, que identificam o produto e suas características específicas, o selo busca identificar características presentes a um conjunto de produtos afins. No Brasil um dos primeiros selos criados foi o Selo Abic de Pureza do Café que estampa as embalagens de café quando estes passam pelo controle de qualidade da Associação Brasileira dos Produtores de Café (Abic).

Mais recentemente surgiu o Selo Amigo da Criança da Abrinq, que identifica produtos de empresas que não utilizam o trabalho infantil. No exterior existem selos de comércio justo como o emitido pela Fairtrade Labelling Organizations International (FLO). Os selos também têm sido utilizados para demonstrar processos produtivos diferenciados como o selo de produto Biodinâmico (IBD) e para Orgânicos. O selo emitido pela Foirn vem se somar a este esforço mundial para demonstrar a procedência, modos de produção sustentáveis e de comercialização justos cada vez mais valorizado pelos consumidores responsáveis do século XXI.

http://www.socioambiental.org/nsa/detalhe?id=2869

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey