A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que permite a participação dos chamados candidatos fichas-sujas nas eleições foi contra as expectativas da maioria do eleitorado, conforme mostram as enquetes dos sites de alguns jornais. Também saíram derrotados juízes de Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) como o do Rio de Janeiro, dispostos a barrar liminarmente as candidaturas de figuras que respondem até processos por homicídio.
Goste-se ou não e o assunto é polêmico mesmo no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), onde aquilo que se poderia apelidar de impeachment preventivo, a inelegibilidade em face da vida pregressa, foi derrotada por apenas um voto o STF tem a palavra final, e só os parlamentares poderiam mudar a legislação, mas nem a mais ingênua criatura haverá de esperar por isso.
Os partidos, se quisessem, poderiam perfeitamente negar legenda a quem carece de credenciais éticas para ocupar cargo eletivo, mas prevalece o pragmatismo; se o postulante é eleitoralmente viável, às favas os escrúpulos. Se existe um assunto em que cabe perfeitamente o chavão vontade política, é este.
Nas eleições passadas, quando esteve na boca do povo a questão do voto nulo, o ministro do STF Marco Aurélio Mello, então presidente do TSE, exortou os cidadãos a votar conscientemente. O resultado é o que se vê, um congresso cuja má fama conseguiu superar a daquele da legislatura passada, considerado o pior de todos os tempos, até onde a memória alcançava.
A batalha contra a má política, no entanto, não se encerra neste capítulo em que se estenderam a todos os candidatos o princípio constitucional da presunção de inocência no caso dos parlamentares, praticamente ad infinitum, já que o Supremo nunca condenou nenhum parlamentar.
Existe uma penca de práticas condenáveis que podem e devem ser intensamente combatidas pela sociedade, e algumas delas têm chance de ser vir a ser coibidas, se não por meio de improváveis alterações legislativas, através de sua contestação ali mesmo, no STF.
Uma delas é a renúncia para escapar à cassação do mandato, não raro para logo em seguida o renunciante se candidatar e sair vitorioso nas urnas. Outra, a desistência do foro privilegiado, às vésperas do julgamento, como fez espertamente o ex-deputado Ronaldo Cunha Lima (PSDB-PB) ao abrir mão de seu mandato de deputado federal para que o processo em que é julgado no Supremo por nada menos que tentativa de homicídio volte à primeira instância, onde provavelmente acabará prescrevendo, eis que já lá se vão catorze anos de procrastinações.
A divulgação de listas como a da Associação dos Magistrados Brasileiros, com os prontuários dos candidatos, embora seja uma iniciativa elogiável por uns e reprovável por outros, parece ser uma medida de escasso efeito prático. O caso do ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci ilustra muito bem a inutilidade deste tipo de divulgação.
Recém-saído do escândalo que envolveu seu nome na quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo, a quem pretendia desclassificar moralmente a fim de tentar invalidar suas denúncias a respeito de sua freqüência a uma casa em Brasília, onde se reunia com lobistas, Palocci se elegeu deputado federal (PT-SP) com facilidade.
Ele renunciou ao cargo de ministro em 27 de março de 2006, e as eleições ocorreram em outubro de 2006. E havia mais: em abril de 2006, ele fora indiciado pelos crimes de lavagem de dinheiro, formação de quadrilha, peculato e falsidade ideológica durante sua gestão na prefeitura de Ribeirão Preto (SP).
A luta por uma democracia de verdade, amadurecida, é longa e penosa. Os obstáculos, imensos, só são removidos com muito esforço da sociedade. Um exemplo é a Emenda Constitucional 35, de 2001, que acabou com necessidade de autorização do legislativo para que parlamentares e governadores sejam processados. Pode-se dizer, então, que a faculdade do poder público processar parlamentares sem necessidade do aval de seus pares é algo relativamente novo.
Há muito que combater, e os objetivos são hoje mais fáceis de identificar, quando os adeptos da política selvagem perderam os últimos resquícios de pudor e fazem tudo às escâncaras em sua execranda e inesgotável fome de poder.
O preço a pagar pela falta de conscientização e ação política é exorbitante. A América, sempre tão orgulhosa de sua democracia, se deixando levar pelo medo, aceitou placidamente a criação da deplorável Lei Patriótica e convive com o arbítrio de Guantánamo.
Luiz Leitão da Cunha
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