O ChatGPT e a realidade nossa de cada dia

por Fernando Soares Campos

Perguntei ao ChatGPT: 

“Você diria que a realidade é sensivelmente simbólica, subjetivamente abstrata, mas essencialmente concreta e cada vez mais dinâmica?”, tese que defendo há alguns anos; entretanto, até o momento, apenas em foro íntimo, sem nunca ter exposto tal enunciado. Fiz ainda a seguinte observação: “acontece que uma dinâmica acelerada cria a ilusão de imobilidade, uma falsa percepção de inércia. É como o caos, que, ao se tornar costumeiro, é encarado como um princípio de organização natural.”

Resposta do ChatGPT:

Sua descrição da realidade como sensivelmente simbólica, subjetivamente abstrata, mas essencialmente concreta e cada vez mais panorâmica dinâmica reflete uma perspectiva filosófica interessante e complexa. Muitos filósofos e pensadores exploraram a natureza da realidade e concordaram que a experiência humana é, de fato, influenciada por elementos simbólicos, subjetivos e dinâmicos.

A ideia de que uma dinâmica acelerada pode criar uma ilusão de imobilidade e uma falsa percepção de inércia também é intrigante. Pode-se relacionar isso a conceitos como a adaptação às mudanças constantes, onde o que era caótico inicialmente pode se tornar uma nova forma de normalidade.

A alusão ao caos que, ao se tornar costumeiro, é encarada como um princípio de organização natural, lembra a teoria do caos na ciência, onde sistemas complexos e aparentemente caóticos podem exibir padrões e ordens subjacentes.

Na última análise, sua observação destaca a complexidade e a fluidez da experiência humana, desafiando as percepções tradicionais de estabilidade e ordem. A interação entre o simbólico, o subjetivo, o concreto e o dinâmico cria uma tapeçaria rica de significado e interpretação na busca para compreender a natureza da realidade.

 

A realidade nossa de cada dia

"Uma das grandes contribuições da psicanálise é entender como a mente é capaz de criar uma 'realidade', tão real como se fosse de fato vivida."

(Módulo II - Curso de Formação em Psicanálise - IBPC - versão - revisão 2023-2024.)

A sucessão e o encadeamento dos fatos geram em cada observador uma noção específica, única e intransferível da realidade. É provável que cada um de nós perceba, sinta, compreenda e reaja aos fatos conforme possa ter plasmado "sua própria realidade" (individual, única e inalienável).

A realidade é sensivelmente simbólica, subjetivamente abstrata, mas essencialmente concreta e cada vez mais excessivamente dinâmica. Acontece que a dinâmica acelerada cria a ilusão de imobilidade, uma falsa percepção de inércia. É como o caos, que, ao se tornar costumeiro, é encarado como um princípio de organização natural.

No caso em que perdemos a noção da dinamicidade dos fatos e nos adaptamos aos estresses gerados por essa dinâmica, tal fato nos remete ao experimento científico denominado “Disco de Newton”, que consiste em um disco pintado com as cores do arco-íris (vermelho, laranja, amarelo, verde, azul e violeta), o qual, quando é impulsionado e gira em alta rotação, aparenta ser totalmente branco. Pura ilusão ótica, como ilusória também é a pseudo-realidade que, em diversos momentos, é criada pelo dinamismo dos meios de comunicação de massa. 


Para adquirirmos conhecimento (ou tentarmos adquiri-lo) por meio de processos racionais, não experimentais, simplesmente teóricos, fazemos uso de elementos e processos operacionais referentes às habilidades cognitivas. Assim, decodificamos cada informação que nos chega e cada ato em que estejamos, de alguma forma, envolvidos. Tudo na tentativa de melhor compreender fatos, fenômenos, personagens e até mesmo os nossos próprios atos. Entretanto, se estivermos “forjando uma realidade”, com específico objetivo, em que cenário e enredo são idealizados por si e para si, tal comportamento pode revelar considerável divergência com uma suposta “realidade grupal”, expondo nossas ações e intenções, colocando-nos na condição de elemento desconexo da realidade, um verdadeiro alienado.


Precisamos e devemos manter a atenção sobre o fato de que, mesmo quando raciocinamos, não suprimimos as habilidades relacionadas à afetividade, à vontade e à motivação (estímulo, impulso). Ou seja: enquanto exercemos atividades inerentes às potencialidades mentais, racionais, em que consideramos os atributos cognitivos, ainda assim, os mecanismos relacionados com a volição, a afetividade e a motivação permanecem ativos e exercem efetiva influência sobre nossas decisões, escolhas, preferências e, principalmente, conveniências.

 

A principal dificuldade que enfrentamos quando nos esforçamos para aceitar novas ideias que possam interferir diretamente no nosso modo de pensar e agir ocorre quando tais concepções entram em conflito com aquilo que, até então, tínhamos como verdade, vindo, dessa forma, a abalar nossas convicções. Disso, podem surgir resistências ao “novo”, ao “insólito”.

 

”Todas as neuroses representam uma defesa contra ideias insuportáveis” (Freud – Módulo II, pág. 59)

 

É possível que os conflitos entre aquilo que acreditamos ser e o que realmente somos sejam causados por fatores alienantes que se sobrepõem aos nossos exercícios mentais aparentemente lógicos. Provavelmente, tal conduta esteja mais relacionada com os costumes e imposições sociais, como, por exemplo, a proibição de relacionamento incestuoso, do que por algum trauma específico, pessoal, gerado no ambiente familiar.

 

Resistência no setting analítico

 

Também podemos supor que um trauma pode existir em função das regras sociais “informais”, ditadas pela ética coletiva e moral definida pessoalmente, visando a melhor convivência entre os membros dos grupos sociais. A “transgressão” de tais regras pode acarretar auto repreensão ou mesmo autopunição oriunda de instância psíquica atenta aos deslizes éticos verificados no nosso comportamento. Contudo, é provável que, na medida em que as argumentações supostamente lógicas vão se expondo, o analisando, em determinados casos, se torna confuso e pode avançar por sobre os conteúdos tóxicos do inconsciente. Ou, pelo contrário, aumenta sua resistência em encará-los. Assim, em vista de forte resistência, o analisando pode comportar-se sob aparente delírio, o que, certamente, é uma forma de resistir ao contato com os elementos recalcados. A partir desse momento, tudo dependerá das condições que envolvem a relação entre o analista e o analisando. 


Ao que tudo indica, se tivermos o objetivo de compreender a complexidade da vida sexual de um sujeito adulto, sobre quem esteja incidindo sintomas de comportamento neurótico, pode ser interessante investigar algumas de suas fixações libidinosas dos tempos de sua infância. Porém, nos estudos sobre Sexualidade Infantil e Complexo de Édipo, Freud alerta para o fato de que, no atendimento terapêutico dispensado às histéricas, concluiu que muitos relatos de abuso sexual na infância não eram mais do que delirantes fantasias das pacientes. 

 

A partir de então, Freud passou a tratar a “teoria do trauma” não apenas em função de fatos comprovadamente verdadeiros, relatados por pacientes acometidas de histeria, “realidade concreta”. Naquela ocasião, ele observou que o analista também deve considerar aquilo que pode ser tratado como “realidade psíquica”. Por exemplo: um falso testemunho, forjado pelo poder criativo da paciente, com o propósito de esconder os impulsos sexuais que ela dirigia ao próprio pai. Ou seja: o testemunho é falso, mas o trauma é verdadeiro e pode afetar profundamente o funcionamento da estrutura psíquica do analisando. 

 

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Fernando Soares Campos é escritor. Atualmente, aos 73 anos, cursando psicanálise clínica (via modalidade EaD em ambiente virtual), pelo - IBPC - Instituto Brasileiro de Psicanálise Clínica - Campinas (SP).

 

 

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