John, 14 anos, filho de Paul e Mary acordou, comeu o seu cereal e como de costume, pois era um daqueles sábados ensolarados, saiu com o seu jet-ski pela baía de Miami.
Após uma hora de divertido passeio, não se deu conta que a hélice do seu brinquedo motorizado atingira fatalmente o último exemplar de uma das espécies de mamíferos marinhos mais fantásticas que o nosso planeta conheceu, o peixe-boi da Flórida (Trichechus manatus latirostris), primo do quase extinto peixe-boi da Amazônia .
Nos seus quase 40 anos de vida, media 3 metros de comprimento e pesava cerca de meia tonelada, uma fêmea, a última da sua espécie, cujas populações se encontravam fortemente reduzidas pela pressão de caça ocorrida nos últimos séculos, pelos acidentais emalhamentos em redes de pesca, atropelamentos pelas hélices de embarcações motorizadas e a destruição sistemática do seu hábitat natural, os estuários de águas mornas da Flórida, nos Estados Unidos.
Não me lembro bem se era um sábado de agosto do ano 2015 ou 2016, ou uma outra data, porém não muito distante destas, e o fato não foi traduzido em um grande acontecimento, pois a espécie já havia sido condenada há algumas décadas antes, reduzida aos pequenos grupos altamente consangüíneos, que sobreviviam os últimos anos da amarga existência entre o limiar da extinção e as impiedosas hélices de milhares de jet-skis, lanchas, iates e barcos a motor que vagavam pela rica baía norte-americana de Miami. Foi tudo uma questão de tempo. Então chegou a notícia, cujo conteúdo nos fez refletir, mas não compreender toda a miséria deste mundo, e só pudemos decifrar lentamente que tudo tinha se acabado.
E no entanto, é tudo uma questão de tempo, e friamente podemos dar início à uma contagem regressiva, também para esta espécie, condenada à extinção. O atropelamento pelas embarcações motorizadas é a principal causa de mortalidade do peixe-boi da Flórida (43% do total de mortes, para ser mais preciso). Segundo dados do Sirenia Project, os óbitos ocorrem muito mais pelos traumas do impacto do que pelos cortes. A instituição possui um banco de dados onde estão cadastrados cerca de dois mil indivíduos, os últimos sobreviventes desta frágil espécie, identificados pelas cicatrizes e mutilações das nadadeiras e cauda deste animal que tem o hábito de nadar muito próximo da superfície da água e é incapaz de submergir rápido o bastante para escapar das hélices dos barcos que infligem dilacerações fatais ou ferimentos que são facilmente infectados.
Os jet-skis e as embarcações motorizadas ameaçam a fauna alterando o comportamento de animais aquáticos, matando e influenciando negativamente no sucesso de reprodução de muitas espécies. Podendo alcançar mais de 100 km/h, os jet-skis são máquinas mortais de múltiplos impactos, não havendo efeito precedente em termos de poluição sonora (produzem ruídos na faixa de 85 a 105 decibéis) e dos ambientes aquáticos (derramam diretamente na água, em apenas duas horas de funcionamento, cerca de 10 litros de gasolina misturada ao óleo). De acordo com o California Air Resources Board, um órgão de controle de poluição dos Estados Unidos, um passeio de duas horas num jet-ski polui o equivalente ao rodar de 160 mil km de um carro convencional de passageiros e 8 vezes mais do que um barco com motor de dois tempos.
A excessiva poluição e o assoreamento dos estuários onde as fêmeas dão à luz aos filhotes é outro motivo da ameaça de extinção peixe-boi da Flórida. No entanto, pouco ou quase nada se faz pela conservação desta espécie, cuja taxa de mortalidade aumentou de forma alarmante nos últimos anos.
O peixe-boi da Flórida, localmente conhecido como Florida manatee, é de fato uma subespécie de peixe-boi marinho. Incrivelmente dócil e possuidora de um olhar penetrante, consegue reconhecer, como poucas espécies, todas as cores primárias. O seu corpo é robusto e maciço, a pele é rugosa de coloração marrom-acinzentado, a cauda achatada, larga e disposta de forma horizontal, como ocorre nas baleias. Os dentes estão reduzidos aos grandes molares, pois trata-se de uma espécie de dieta vegetariana, que se alimenta basicamente de algas e gramíneas aquáticas. A cabeça está ligada diretamente ao dorso, inexistindo um pescoço definido. Não possui orelhas, sendo os ouvidos dois orifícios um pouco atrás dos olhos, mas apesar do tamanho reduzido, o peixe-boi da Flórida possui ótima audição.
O narizes são duas grandes aberturas. A boca, também grande, é possuidora de lábios superiores amplos e que se movimentam agilmente facilitando a colheita do alimento. O focinho é coberto de pêlos duros, bastante sensíveis ao toque. A taxa reprodutiva desta espécie é muito baixa, e a fêmea gera apenas um filhote a cada três anos, havendo um ano de gestação e dois anos de amamentação. Estes animais chegam a viver até 50 anos, atingindo na idade adulta cerca de uma tonelada e quatro metros de comprimento.
A cada minuto, populações, espécies e comunidades ecológicas inteiras de valor imensurável estão sendo perdidas. Estimativas otimistas mostram que estão sendo extintas entre 4 mil e 6 mil espécies anualmente, mas a realidade talvez seja um pouco mais cruel, como 100 espécies extintas diariamente, sendo a maior parte delas ainda desconhecidas pela ciência.
Se medidas urgentes e efetivas não forem tomadas na preservação de ecossistemas e redução da poluição, infelizmente o peixe-boi da Flórida, o lobo guará, a onça pintada, o tamanduá bandeira, o elefante indiano, o tigre de Bengala, o tigre siberiano, o irbis, o guepardo, o jacaré chinês, o papagaio kakapo da Nova Zelândia, o panda, o urso polar, o okapi das florestas do Congo, o tatu canastra, a baleia jubarte, a foca monge, a harpia, o koala, os lêmures (principalmente o indri, que alimenta-se apenas de folhas de certas árvores endêmicas de Madagascar), a arara azul de Lear, entre outras centenas de espécies de aves, répteis, anfíbios, mamíferos, peixes, insetos, crustáceos, corais e vegetais se juntarão muito em breve aos mamutes, aos mastodontes, ao leão das cavernas, ao rinoceronte lanoso, aos lêmures e moas gigantes, à foca monge do Caribe, à alca gigante da Islândia, ao pombo migrador, à huya da Nova Zelândia, à vaca marinha de Steller, à zebra quagga, ao pombo dodô e à tantas outras espécies massacradas pelos seres humanos até o último exemplar, e estarão presentes apenas numa vaga lembrança e nos catálogos das espécies extintas do nosso planeta.
Fabio Rossano Dario
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