Um dia; sem adeus

Hoje voltei ao bar no centro de Belo Horizonte para ver se ela ainda estava lá; me esperando. Estava! Dezesseis anos depois ela ainda estava lá, com seus olhos de menina fumegando as coisas que trazia por dentro. Nas mãos os mesmos ideais e o livro com os 12 signos do zodíaco estampados na capa, em nossa juvenil busca cosmológica tentando saber uma pouco mais sobre nós mesmos. Estava confuso naquela tarde lúdica, para o encontro em local improvável, com ela repetindo o endereço pelo telefone, para minha parca compreensão de menino vindo do interior sem saber os caminhos dos encontros no centro da capital de todos os mineiros. Era no segundo andar.

Subo as escadas do tempo e me deparo com o seu sorriso, como na primeira vez, pairando por sobre as horas, por sobre as eras. Era o mesmo riso. Ela estende os braços, me toma pela mão e descortina a paisagem, apontando com o dedo o horizonte concreto: "Viu como é bonito, é diferente!". Como poderia ver algo se apenas via a sua beleza à minha frente, se apenas enxergava seu sorriso refletido dentro de mim?! Ela espera por um segundo, sabendo que fui no mais fundo de mim para emergir e poder voltar à realidade, à lucidez do dia que me embriagava, que me aprisionava, para todo o sempre: "Érica", esse era o nome dela, "como você descobriu isso aqui?". "Pois é, aqui estamos no centro e podemos conversar sossegados". E conversamos, conversamos, conversamos, nos embrenhamos em nossos segredos, em nossos mistérios. Na verdade, estamos conversando até hoje, divagando sobre os signos do zodíaco e os equívocos da vida de quem vive sem céu. Nos questionávamos, nos indagávamos, e nossa tarde se foi como um mergulho nas mazelas da pobre alma humana, em nossa surda busca por nossa paternidade, inspirados por um estranho desejo de sermos diferentes, de não sermos daqui, finalizando junto com o dia que não era mais luz. Foi o nosso último encontro.

Muito tempo se passou e eu buscando seus sinais nas noites sem lua, seus passos sem vestígios marcados na palma de minha alma. A última notícia que tive é de que estava morando em Recife, talvez trabalhando em sua área, engenharia química. Quando penso que a esqueci, sonho com ela, como na imagem que primeiro vi, a menina de olhos verdes e cabelos loiros encaracolados, com um gorro na cabeça, se protegendo do frio mundo moderno.

Hoje, tantos anos depois, me reencontro com ela, na verdade, comigo mesmo, na tola tentativa de me resgatar, encontrar com o que ficou de mim naquela mesa de bar, sem bebida. Sei do muito que ficou ali, no mesmo lugar, implorando para viver o que não existe mais. Ela está na minha frente, linda, divina, exatamente como na última vez. Pena; hoje não vamos poder conversar.

Petrônio Souza Gonçalves é jornalista e escritor

 

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