Sumário
Conclusões
1 - A dívida é um instrumento de domínio.
2 – A geminação entre os Estados e os capitalistas
3 - Portugal – Cenários de continuidade no pagamento da dívida
3.1 – A continuidade pró-ativa e radical (Hipótese I)
3.2 – A continuidade pró-ativa amortecida (Hipótese II)
3.3 – A continuidade prolongada (Hipótese III)
4 – Avaliação das parcelas da dívida a não pagar
5 - Como sair disto?
Conclusões
•A dívida é um modo de domínio que incute no devedor a submissão através da culpa;
•O predomínio financeiro no capitalismo de hoje exige um ciclo infernal de geração artificial de dinheiro e crédito, com a subsequente captura incessante e permanente de devedores;
•A austeridade, o empobrecimento, a perda de direitos, a precariedade da vida constituem os efeitos dramáticos dos mecanismos financeiros e são apresentados – por banqueiros e políticos – simultaneamente, como as vias para uma redenção sempre adiada;
•Os mecanismos da dívida e a austeridade têm como actores essenciais o alto poder do sistema financeiro e as classes políticas, acotovelando-se nestas, os servis domésticos do primeiro;
•O aparelho de Estado, além do já conhecido papel de capitalista coletivo, é um departamento do sistema financeiro, cujos diretores se designam por ministros. A incorporação formal não existe porque convém manter a ilusão da separação face ao grande capital e com isso garantir a aceitação pela multidão, da legitimidade da punção fiscal e da autoridade;
•O sistema financeiro e os seus Estados dedicam-se à reprodução desmedida de capital-dinheiro, afogando a “economia real” em dívidas, fomentando o consumismo e a dívida nas pessoas numa fórmula demente que torna o planeta insuficiente para as suas ambições;
•As limitações deste modelo gera dificuldades nas estirpes mais frágeis do próprio sistema financeiro, como no caso dos bancos portugueses, cuja existência se tem mantido porque o BCE os vem financiando para se engolfarem na especulação e na compra de dívida portuguesa, recusando aceitar as perdas de quase de duas décadas de distorção da economia portuguesa;
•O capitalismo, na sua configuração atual, transfere os seus problemas para os Estados que, obedientemente assumem dívidas, reduzem mais e mais as suas funções sociais, colocando mais do que nunca a questão da utilidade do Estado se a sua atividade se reduz a ajudar os capitalistas e criar dificuldades para a multidão;
•Não se espera nada de virtuoso, de alterações estruturais provenientes das instituições comunitárias ou nacionais; a continuidade está garantida e só a mobilização da multidão pode criar um novo sistema económico e de expressão democrática, sem capitalistas nem classes políticas;
•Qualquer solução de continuidade no pagamento do serviço de dívida corresponde a um pesadíssimo fardo financeiro na vida de quantos vivem em Portugal, mormente trabalhadores e pobres:
Parcela do encargo com a dívida no rendimento bruto 2014/21
Hipótese I – 8.8 a 12.4%
Hipótese II - 6.6 a 8.5%
Hipótese III – 5.8 a 6.6%
•Para além de não ser economicamente possível pagar em prazos normais uma dívida que brevemente será computada em € 242000 M[1] há várias questões de legitimidade. Uma das razões é que muito pouco daquele montante se prende com a satisfação das necessidades dos portugueses; depois, os objetivos da constituição da dívida – absorver os efeitos da política de crédito vigente desde os anos 90, bem como a dificuldades do euro - não têm que ser suportados pela população; e, finalmente, porque os gangs no governo atuaram em medidas de impactos tão desastrosos ao arrepio e ultrapassando largamente as prerrogativas que podem ser imputadas à chamada democracia representativa;
•Por seu turno, as instituições financiadoras, globais ou privadas, não ignoravam essa ilegitimidade decorrente do divórcio entre os beneficiários do crédito e os seus reais pagadores; nem ignoravam o rápido crescimento da dívida, em paralelo com o definhamento da economia portuguesa, a desestruturação social ou o caráter degenerado das instituições políticas em Portugal;
•Um volume de abates na divida que a conduzam a uns 60% do PIB, o máximo admitido pelo Tratado sobre Estabilidade, Coordenação e Governação será da ordem dos 143000 M e, mesmo assim, o crescimento económico ficará refém do pagamento da dívida, deixando o nível de vida das pessoas estagnado durante muitos anos:
Parcela do encargo com a dívida no rendimento bruto 2015/21
Variante A – 2.7 a 3.1 %
Variante B – 2.4 a 2.6%
Variante C – 1.8 a 2%
•Qualquer solução definitiva para a questão da dívida e que permita a geração de bem estar em Portugal exigirá:
oUm imediato novo quadro, democrático, de organização política;
oMobilização social para o confronto com o capital financeiro e suas instituições;
oEnquadramento num contexto de contestação, ao nível das periferias Sul e Leste da UE, com relevo para a Espanha;
oA radical alteração das desigualdades existentes, para ser consolidada, exige nova organização política e novo modelo de representação, com ausência de classe política;
oE ainda a construção de uma sociedade sem capitalismo, sem apropriação privada do produto do trabalho, auto-gestionada e orientada para a satisfação das necessidades da população.
1 - A dívida é um instrumento de domínio
A dívida é um instrumento de domínio. Em certas culturas, um insolvente terá mesmo de se apresentar como escravo com a sua família, penhorando-se a si próprio, junto do credor.
Essa desonra e humilhação tem também reminiscências em certas culturas do norte da Europa. Em alemão, a palavra culpa traduz-se por schuld e numa frase tão corrente em qualquer língua, no momento de uma transação vulgar, como “quanto devo?”, em alemão diz-se Was schulde Ich?, sendo a mesma conexão débito-culpa semelhante em outras línguas germânicas. Nessa cultura, a dívida estará associada a algo de ilícito (pecaminoso na lógica cristã) ou pouco recomendável, pois em nada ilustra o devedor.
O capital financeiro é o verdadeiro arquiteto da insana espiral do crédito a que se assiste, da criação artificial de capital-dinheiro, desligada da criação de valor – que só o trabalho gera – ou de qualquer poupança acumulada. Para a conservação dessa situação, procura, naturalmente, dividir os povos entre devedores e credores, entre gente de boas e más contas. E daí, que os mandarins e os plumitivos dos grandes media acusem os países devedores do sul da Europa como habitados por esbanjadores e mandriões, pois despreocupadamente terão gerado uma dívida que agora lhes dói pagar ou a cujo pagamento se querem eximir.
Não é incomum, gente modesta, com dificuldades na vida resultantes da estratégia de fomento do endividamento por parte do sistema financeiro, assumir a sua culpa, como “tendo vivido acima das suas possibilidades”, acarretando com o ónus moral, a auto-flagelação tão inerente às religiões, submetendo-se a assumir o pecado e a expiar com as prestações de uma dívida impagável e que se pretende eterna.
“Não queremos ser caloteiros” diz-se na assunção imbecil da dívida de um Estado que nada tem a ver com as pessoas e que se coloca sempre de fora da resolução dos problemas criados junto da maioria da população. Se alguém tem dificuldades em pagar a prestação da casa, em alimentar a família, porque caiu no desemprego ou na indigência, o Estado ou se alheia ou toma mesmo atitudes que só pioram a situação, com a redução dos subsídios de desemprego, das condições para o desembolso do RSI, de acesso à saúde, etc. Inversamente, o mesmo totalitário Estado, para arcar com o pagamento das suas dívidas, que contraiu para servir o sistema financeiro, os grandes empreiteiros de obras públicas ou capitalistas em geral, reduz tudo o que pode nas despesas de caráter social e aumenta a carga fiscal a pagar pelos trabalhadores, pelos reformados e consumidores, ao mesmo tempo que desonera os empresários e os bancos, de encargos fiscais.
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http://grazia-tanta.blogspot.pt/2014/03/porque-nao-e-pagavel-divida-publica.html
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