Depois de sofrer violência, discriminação e de também ter sido sequestrada - no caso dela, pelos paramilitares de direita - a senadora colombiana dedicou-se a lutar pela libertação dos reféns que ainda existem em seu país. As imagens de Piedad Córdoba que o mundo conhece mostram a senadora colombiana, de 55 anos, embarcando em helicópteros brasileiros e partindo rumo a lugares perdidos na selva colombiana, enquanto jornalistas de meio mundo ficam olhando para o céu. Ela volta algumas horas depois, em companhia de reféns libertados.
No entanto, quando as luzes das câmeras se apagam, o país que deveria lhe agradecer pelo trabalho e pelos esforços não apenas deixa de fazê-lo como também, em várias ocasiões, retribui o favor com insultos e desqualificações.
Iván Cepeda Castro é o porta-voz do Movice (Movimento das Vítimas de Crimes de Estado) e foi eleito recentemente para o Congresso. Conhece Piedad desde a época em que ela e seu pai mantinham uma íntima relação pessoal e de trabalho. "Esta relação com meu pai", conta Iván, "foi muito significativa para ela e, de algum modo, transformou sua visão da realidade do país. Por muito tempo eles compartilharam projetos de defesa dos direitos humanos no parlamento e, quando mataram meu pai, foi um golpe muito duro para ela, não só em termos políticos, mas também pessoais. A busca de justiça pela morte de meu pai nos aproximou muito. Minha amizade com Piedad nasce como uma herança de meu pai, que ao longo dos anos fortificamos e estreitamos."
Os ataques a Piedad, segundo Iván, se explicam pelo fato de a senadora ter desafiado a crença de que somente pela via militar, com a guerra, é possível pôr fim ao conflito colombiano. "A busca de negociações e acordos é uma postura que se defende com relativa facilidade em um momento de consenso social sobre a paz, mas é muito difícil de defender em momentos nos quais a sociedade dá preferência a uma ideologia de segurança quase dogmática, que acredita apenas na guerra e na opção militar. Creio que parte da virtude e da novidade política da posição de Piedad Córdoba reside no fato de ela ter desafiado essa política de segurança democrática, criando a possibilidade de uma prática humanitária em condições muito adversas, uma prática que levou à libertação, até agora, de 14 pessoas."
A definição de Piedad Córdoba como uma mulher que conseguiu desafiar e vencer as adversidades é compartilhada por Olga Amparo Sanchez, diretora da Casa da Mulher de Bogotá e amiga da senadora desde os tempos de universidade. "É uma mulher que encarna o grande esforço necessário na Colômbia para romper múltiplas formas de discriminação, tanto por sua condição de mulher e de afrodescendente quanto pelo perfil de opositora com convicções políticas alternativas. Por isso acredito que Piedad é uma mulher que venceu e vence a cada dia a discriminação e o preconceito. Este valor e sua inesgotável capacidade criativa de gerar iniciativas políticas que resultem em espaços novos, de encontrar saída para os problemas da Colômbia, são as características que mais me motivam a respeitá-la e admirá-la".
O jornalista Hollman Morris, que acompanhou durante anos o trabalho da senadora na área social, declarou ao Opera Mundi: "Piedad Córdoba é uma pessoa capaz de gerar dinâmicas com suas ações políticas, o que permite que suas posições e iniciativas ocupem o centro do debate político. Isso vale não só para sua dedicação à busca da paz na Colômbia, mas também no âmbito dos direitos humanos. Piedad é uma das poucas figuras políticas da Colômbia que promoveram grandes processos legislativos e debates políticos favoráveis aos setores mais excluídos. Isso apesar de pertencer ao Partido Liberal, que faz parte do establishment político do país."
Violência
Piedad é também uma vítima da violência estatal e paramilitar na Colômbia - e sofreu esta violência de várias formas. Em 1999, a senadora foi sequestrada pelo chefe paramilitar Carlos Castaño, que só a libertou graças a uma forte pressão internacional. Ela decidiu viver um período no Canadá que definiu como exílio. Assim que voltou à Colômbia, foi alvo de dois atentados, o que a obrigou a separar-se da família, que por isso ainda vive naquele país.
"Acredito que a partida para o Canadá foi o momento mais difícil", diz Olga. "Ela teve de deixar tudo para trás e, sem ajuda do Estado e de seu partido, cuidar dos filhos em uma situação muito difícil, abandonando suas causas e lutas. Até hoje Piedad vive uma vida de grandes sacrifícios, quase sempre confinada em casa. Não é fácil para ela, que tanto ama a música, a dança, e é uma excelente dançarina de salsa. Mas isso, ou simplesmente ir a um restaurante ou supermercado, são atividades que hoje ela não pode se dar o luxo de praticar. Ela teve de eliminá-las de sua vida por segurança, por causa da perseguição da imprensa e da pressão do governo. Aprendeu a lidar com a situação com sua própria força, renunciando até mesmo a uma escolta do Estado. É uma mulher forte, mas também muito sensível, capaz de superar essas situações - que não deixam de lhe causar muita dor. Para mim, o que lhe dá força para continuar é ter um objetivo muito claro, que hoje é o de libertar os reféns".
Repúdio e simpatia
Iván explica desta forma a rejeição de alguns setores da opinião pública: "Trata-se de uma série de campanhas midiáticas artificiais de deslegitimação e difamação, que em alguns contextos levaram a golpes muito baixos contra ela, por sua condição racial e de mulher, como no famoso vôo Bogotá-Caracas no qual alguns passageiros insultaram e quase a agrediram fisicamente. Mas não é verdade que Piedad seja uma mulher repudiada pela sociedade colombiana. O que ocorre é que alguns meios de comunicação e alguns ideólogos do governo de Uribe exageram esses ataques na tentativa de transformá-los em crença social. Assim como há esse tipo de reação, há manifestações de ampla simpatia e respaldo".
Citando um episódio específico para exemplificar, ele continua: "Lembro-me perfeitamente do momento em que acompanhamos a libertação do ex-deputado Sigfrido Lopez, do departamento de Valle. Quando chegamos à praça central de Cáli, havia uma manifestação com milhares de pessoas. Não conseguíamos chegar à tribuna por causa da quantidade de demonstrações de respeito, admiração e carinho por Piedad. Ela é uma mulher admirada e respeitada por muitos setores da sociedade. A população e seus votos comprovam isso."
Fonte: operamundi.com.br
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