Quando Maria recebeu o Cristo ensangüentado, de olhos fechados e braços abertos em seu colo, sentiu a dor do mundo em seu coração. Sofreu por todos, por ser a mãe que abraçava o Filho morto, por ser a escolhida que sabia ter em suas mãos o Filho de Deus martirizado. Quando fitou o infinito, trazia os olhos prenhes de luz, de quem via além e vislumbrava a eternidade, a divindade, aquilo que está muito acima de nós e, por isso, só sentida na entrega ao indecifrável mistério.
Quando carregou o corpo do Filho, sabia não ser ele, mas um pedaço que ficou para lembrar a história, testemunhar a glória. Era a Maria de todo dia. Ali, naquele triste momento de vazio e dor, nascia o cristianismo, da morte, em uma sublimação celestial transfigurando toda a paisagem. Era a semente do sofrimento brotando no solo fértil da fé, dos que crêem, dos que bebem diariamente o indefinível mistério, o invisível elo.
Acima da coroa de espinhos - nada mais simbólico que isso - a cruz apontando os vários caminhos, nós elevando o olhar para o além. Nas abscissas da dor, a longa e longitudinal caminhada, a via crucis de todos nós. Nas ordenas da fé, a linha reta que nos leva ao céu, o caminho dos sonhos, o religar ao que seu perdeu.
Cristo é a vida e a morte, a alegria e a dor, o sonho e a realidade, o hoje e a eternidade. Está tanto e em tudo, que se refaz a cada dia, a cada hora, como uma força imanente que não encontra o caminho da volta. Por isso tão falado, tão lembrado, tão vivo e amado, numa tradução diária de tudo aquilo que foi e plantou em cada palavra levada pelo vento da história, aquele que vai muito além das horas. Não foi a morte que sepulta, mas a fé que ressuscita.
Obstinado, enfrentou a fúria dos leões, a incompreensão dos justos. Teve tudo, sem exigir nada. Apenas pediu, como um sopro de primavera varrendo a atmosfera da terra em busca de paz: Amai-vós uns aos outros como eu vós amei. Foi o seu último pedido, quando, alta, a noite caia pesada sobre o coração da humanidade, tingindo a aurora com um grito de dor.
De sua morte fez-se vida. Do seu martírio, o perdão, pendão de vida para aqueles que buscam o além. Viveu o amor incondicional, devocional. Partilhou o pão que não tinha. Fez de peixes e pães alimentos imateriais da Humanidade, sanando a fome de muitos no deserto de homens e idéias. Muitos os viram, poucos o identificaram. Era Ele: trino e uno, homem e Deus, filho e pai, santo e etéreo. Depois da paixão, o renascimento, o Cristo vivo e eterno após tantos erros, equívocos e omissões.
Hoje, celebramos suas palavras, comungamos suas certezas, partilhamos seu exemplo, sua conduta irretocável. Nos elevou a Deus e o trouxe até nós, como imagem e semelhança, a busca divina pela verdade, a entrega, a comunhão libertadora. Como poderemos dizer que um dia morreu aquele que está vivo entre nós até os dias de hoje?
Sempre o senti, nunca o vi. No entanto, o seguirei e o buscarei até o último dia de minha pequena e efêmera vida!
Petrônio Souza Gonçalves é jornalista e escritor
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