Relembre: cinco indícios que conectam os EUA ao golpe na Bolívia

Relembre: cinco indícios que conectam os EUA ao golpe na Bolívia

Elon Musk, CEO da Tesla, com sede na Califórnia: "Vamos dar golpe em quem quisermos. Lide com isso" - Win McNamee / Getty Images via AFP

Evo Morales renunciou à presidência há um ano; novas eleições ocorrem em 18 de outubro

Redação/Brasil de Fato 

Os Estados Unidos foram protagonistas do golpe de Estado que levou à renúncia de Evo Morales em novembro de 2019. Essa tese é defendida pelo Movimento ao Socialismo (MAS), partido do ex-presidente, e por analistas internacionais como o ex-chanceler brasileiro Celso Amorim.

"O Estado profundo dos EUA age na Bolívia", disse Amorim ao portal Tutameia, à época do golpe. "Eles não aceitam que a América Latina deixe de ser o seu quintal."

Donald Trump e a Casa Branca nunca assumiram participação naquele processo, embora tenham se posicionado publicamente contra a reeleição de Morales. O novo pleito está marcado para 18 de outubro.

Na Semana Internacional de Luta Anti-Imperialista, o Brasil de Fato reuniu cinco indícios que conectam os Estados Unidos ao golpe na Bolívia - desde os primórdios até sua consolidação.

1. Camacho-Araújo-EUA

O empresário de extrema direita e católico fundamentalista Luis Fernando Camacho, então presidente do Comitê Cívico de Santa Cruz e hoje candidato à Presidência, é o rosto mais conhecido do golpe boliviano. Porém, suas relações políticas não se limitam às fronteiras do país.

Em maio de 2019, Camacho reuniu-se com Ernesto Araújo, chanceler brasileiro, para pedir apoio à campanha contra a reeleição do então presidente Evo Morales. Araújo é um dos principais interlocutores dos Estados Unidos na América do Sul e é criticado por seu alinhamento irrestrito a Trump.


Secretário de Estado dos Estados Unidos, Mike Pompeo, ao lado de Ernesto Araújo na fronteira com a Venezuela. / Reprodução / Twitter

A proximidade entre os dois, meses antes do golpe, é considerada reveladora da atuação estadunidense no processo de ruptura. Movimento semelhante ocorreu na Venezuela, por exemplo, em fevereiro de 2019, quando Araújo reuniu-se com o opositor Juan Guaidó em meio a tentativas de desestabilização do governo Nicolás Maduro, adversário dos EUA.

"Esse golpe não foi dado por atores sul-americanos. A responsabilidade é dos Estados Unidos e das transnacionais que pretendem se apoderar do lítio boliviano", disse Alpacino Moreira, candidato a deputado pelo MAS em 2019, em entrevista recente ao Brasil de Fato.

As propostas de Camacho para gestão do lítio respaldam essa tese. O plano de governo dele reconhece a necessidade de investimento público para a reativação da economia pós-coronavírus, mas propõe como carro-chefe a reaproximação com os Estados Unidos, após "14 anos de distanciamento" - em referência aos governos Evo Morales.

Camacho afirma que essa reorientação na política internacional ajudará a Bolívia a encontrar parceiros internacionais para explorar o lítio "em condições vantajosas".


Ernesto Araújo e a deputada federal Carla Zambelli (PSL/SP) receberam Camacho em maio de 2019 / Reprodução

2. OEA e Grupo de Lima

A hipótese de fraude eleitoral, que impulsionou o golpe de 2019, foi levantada pela Organização dos Estados Americanos (OEA) e descartada, meses depois, por estudos independentes dentro e fora da Bolívia.

O uruguaio Luis Almagro, secretário-geral da OEA desde 2015, tem sido criticado por colaborar com os Estados Unidos na desestabilização de governos não-alinhados e na perseguição de líderes progressistas. Na Venezuela, estaria em jogo o petróleo; na Bolívia, o gás e o lítio. Nos dois casos, a organização endossou imediatamente os questionamentos da Casa Branca e de setores da oposição.

A essa panela de pressão, soma-se o Grupo de Lima, organização apoiada pela OEA que reúne 15 países do continente - 12 dos quais têm governos declaradamente aliados de Trump. Até hoje, todos os posicionamentos do Grupo vem coincidindo com os do Departamento de Estado dos EUA, incluindo o respaldo ao golpe boliviano.

OEA e Grupo de Lima foram as primeiras organizações internacionais a reconhecerem a legitimidade do governo interino.

Em oposição a essa postura, lideranças políticas do continente não-alinhadas aos EUA lançaram, em julho de 2019, o Grupo de Puebla, em que buscam se contrapor ao papel de Almagro e Trump. No caso da Bolívia, a organização denuncia o papel de atores estrangeiros no golpe e se solidariza com os membros do MAS perseguidos no último ano.

3. CLS Strategies

No início de setembro, a presidenta autoproclamada da Bolívia após o golpe, Jeanine Áñez, admitiu que contratou no final de 2019 a CLS Strategies, empresa de lobby acusada pelo Facebook de promover campanhas de notícias falsas para desvirtuar o debate democrático.

O Facebook removeu dezenas de contas falsas de redes sociais ligadas à CLS, com sede em Washington (EUA), que haviam postado conteúdo em apoio a Áñez e contra o governo Maduro, na Venezuela.

Em nota, a presidenta interina disse que a atribuição da CLS era "apoiar a democracia boliviana após eleições fraudulentas e a favor da realização de novas eleições presidenciais". A suposta fraude eleitoral já foi desmentida por institutos independentes, e o contrato com a CLS Strategies continua sendo visto por integrantes do MAS como prova da "má intenção" do governo interino na área comunicacional - uma vez que não há ações oficiais para frear a onda de notícias falsas.

O próprio Morales se pronunciou acusando Áñez de pagar "milhões de dólares em dinheiro público" à CLS. Os valores finais do contrato não foram informados.


Trabalhadores pedem a renúncia de Jeanine Áñez, que assumiu o poder após o golpe de 2019 / AFP

4. Tesla

Uma postagem de 42 caracteres na rede social Twitter, no dia 24 de julho de 2020, foi considerada um dos eventos mais reveladores sobre o interesse de empresas transnacionais na Bolívia: "Vamos dar golpe em quem quisermos. Lide com isso."

O autor da publicação - apagada horas depois - é Elon Musk, CEO da empresa Tesla, fabricante de carros elétricos, com sede nos EUA. A Bolívia possui a maior reserva mundial de lítio, metal alcalino usado na produção de pilhas e baterias.

A ameaça de Musk foi uma resposta a uma postagem sobre seu interesse em impedir que Evo Morales continuasse no poder.

Um dos pilares do governo Morales foi a nacionalização do petróleo, do gás e dos recursos minerais do país, que permitiu um crescimento econômico recorde e a redução da extrema pobreza.

Candidato no pleito de outubro e líder nas pesquisas de intenção de voto, Luis Arce (MAS), conduziu esse processo à frente do Ministério de Economia e Finanças ao longo de 12 anos. A proposta baseou-se na transferência de empresas privadas para o controle do Estado e, principalmente, na renegociação de contratos de transnacionais, que tiveram que pagar um imposto adicional de 32% para exploração dos recursos minerais.

5. Viagem suspeita

O ministro de Governo de Jeanine Áñez, Arturo Murillo, visitou Washington no dia 28 de setembro. O motivo da viagem, informado oficialmente, era a busca de apoio financeiro para o plano de reativação econômica da Bolívia pós-coronavírus.

Além de se reunir com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e com o Departamento de Estado, Murillo foi recebido por Almagro, líder da OEA. Jornais bolivianos, como El DeberLa Razón e Página Siete, informaram que o motivo real da visita era evitar que o MAS chegue novamente ao poder alegando fraude eleitoral.

Almagro endossou essa versão nas redes sociais e confirmou que a OEA atuará novamente como observadora nas eleições bolivianas. Segundo o MAS, o organização não deveria ser autorizada a trabalhar no pleito, já que "atrapalhou" as eleições de 2019 - ao alegar uma fraude que não ocorreu.

Murillo negou as acusações e informou que está preocupado com a "preservação da democracia" no país.

Na última semana, o jornal britânico The Morning Star teve acesso a documentos que ligaram um sinal de alerta sobre a possibilidade de um novo golpe. Segundo a reportagem, diante da provável vitória de Arce em 1º turno, grupos de extrema direita estariam planejando atentados terroristas, incluindo bombas em hotéis, para em seguida responsabilizar o MAS e anular novamente as eleições.

 

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