Elementos para a recriação da democracia

No seguimento de "A dívida autárquica e a romaria eleitoral de setembro"[1] importa agora avançar com ideias para que as pessoas reflitam sobre o modelo de gestão autárquica, de aplicação dos recursos financeiros disponíveis, sobre os moldes da tomada de decisão e de responsabilização pela gestão autárquica. A gestão dos comuns, do nosso bem-estar a nível global, nacional ou autárquico, não pode estar integrada nos atropelos e prejuízos resultantes da corrupção e da entrega dessa gestão a gangs mafiosos, vulgarmente chamados partidos.

A dimensão autárquica enquadra-se e desenquadra-nos no seio da crise económica e social que nos assola e, para a qual não há soluções cosméticas ou possíveis dentro do atual e putrefacto sistema político e económico. A incapacidade desse sistema e o seu grau de putrefação encaminham-nos para mudanças políticas forçosamente radicais. A alternativa é o definhamento, o empobrecimento e o lento genocídio que tem destinatários bem definidos - os pensionistas, os desempregados, os pobres.

  • Na atual configuração económica, o capital financeiro global domina e manipula a ação do Estado português. O capitalismo português é débil, mal posicionado na hierarquia da competição global e, historicamente, nunca conseguiu sobreviver que não através da simbiose com o Estado. Para isso, os dinheiros públicos e a corrupção mantêm uma classe política incapaz, gestora e beneficiária das dificuldades do povo;
  • Está instalado um sistema político constitucionalmente monopolizado por partidos, que menorizam as pessoas, tomadas como incapazes de entender as complexidades da democracia e da governação. Pretende-se que as pessoas sejam aqueles idiotas que, todos os quatro anos, colocam um papelinho numa caixa, para se convencerem que escolhem algo para além da continuidade dos mesmos protagonistas políticos e das mesmas políticas;
  • Está montado um sistema de representação que não nos permite decidir por nós próprios, nem de impedir a eleição de corruptos e incapazes, de apear os vendedores de falsas promessas; um sistema anti-democrático que, no vértice, tem as instituições comunitárias, o FMI e a troika como avalistas;

O sistema político atual não funciona a nosso favor mas a favor deles, "deles que não nos representam" e que disfarçam as suas imensas responsabilidades culpando a troika de tudo o que acontece, de tudo o que nos onera.  Umas vezes, "eles" usam a lógica desresponsabilizante da direita que, sob o chapéu da troika, coloca não só as medidas que garantem os interesses do capital financeiro global como enfia lá aquelas que facilitam um reajustamento nos rendimentos e direitos a favor das camadas possidentes portuguesas. Outras, vezes, com a lógica saloia e nacionalista de uma tal "política patriótica", o PC - que se esqueceu de morrer, como diria Zizek - apenas impede a existência de uma direita fascista como a existente na Grécia. Salazar também tirou os patins a Rolão Preto.

Veja-se a estagnação política, a ausência de alternativas dos últimos 38 anos de eleições legislativas[2]. A única coisa que evolui através da história das eleições em Portugal, desde 1975, é o número dos que não votam nos partidos; e entre estes, não há diferenças sensíveis nas posições relativas. A História e a inferência estatística costumam falhar pouco nestas situações e nada indica que saia algo de substancialmente diferente de um próximo período de floclore eleitoral, com os mesmos protagonistas, o mesmo modelo de representação, idênticos media.

 

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