Empreendedorismo sustentável WaiWai: um belo exemplo

Empreendedorismo sustentável WaiWai: um belo exemplo

Por Felipe Guimarães Reis

Artigo originalmente publicado na Folha BV

Os WaiWai que habitam as florestas do sul de Roraima vivem em dez comunidades espalhadas em duas Terras Indígenas, a WaiWai e a Trombetas Mapuera, localizadas nos municípios de Caracaraí, São João da Baliza e Caroebe, nas calhas dos rios Anauá e Jatapu.

A região sul do estado é famosa pela sua produção agropecuária, sendo a banana um dos carros-chefe. Os WaiWai não ficam de fora; além da farinha, são também grandes produtores de banana. Outro produto que tem destaque, conhecido de Caroebe a Rorainópolis, é a castanha da Amazônia (castanha do Pará), abundante nas florestas locais. Apesar de sua exploração gerar riqueza e emprego, a maior parte das matas está diminuindo devido à exploração de madeira e à abertura de fazendas e as castanheiras vão junto com elas.

Nos territórios WaiWai, demarcados e protegidos, a castanheira prospera e os indígenas aproveitam a floresta em pé para melhorar sua qualidade de vida. Esses povos utilizam essa espécie há muito tempo. Comem a semente, retiram o óleo, produzem alimentos derivados da castanha, e constroem artefatos, como o arco de caça. A castanheira é tão ligada à cultura WaiWai, que cocares e outros adereços são decorados com desenhos referentes à ela.

Algum tempo depois do contato com os não indígenas, há cerca de quatro décadas, os WaiWai observaram como aqueles homens conseguiam "furantã" (dinheiro) vendendo a planta que eles estavam tão acostumados a usar. E passaram a copiar a atividade. Além do uso tradicional, os WaiWai inauguraram uma nova fase na relação com a planta, mas sem deixar de lado suas tradições e costumes.

O extrativismo realizado pelos indígenas foi crescendo e chamou atenção para além dos territórios. Primeiramente, da Fundação Nacional do Índio (Funai), depois de órgãos de apoio ao desenvolvimento como a Embrapa, Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), Secretaria de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Seapa), Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) e Universidade Federal de Roraima (UFRR). Também atraiu compradores locais, conhecidos como atravessadores, que vão como formigas ao mel atrás das castanhas WaiWai na época da safra, tamanha a quantidade e qualidade da produção. Mais recentemente, em 2017, os indígenas passaram a receber apoio e assessoria do Instituto Socioambiental (ISA) para fortalecer a produção e a comercialização de castanhas, parceria que acontece até hoje com as associações WaiWai e a Funai.

A partir daí, em pouquíssimo tempo, os WaiWai se organizaram e conseguiram acessar novos mercados. A instalação de infraestrutura de armazenamento, o reforço e fortalecimento do uso das boas práticas de coleta e manejo da castanha, bem como o desenvolvimento e formação da administração da safra (associações regulamentadas na SEFAZ e na Receita Federal, controle financeiro, contabilidade etc) possibilitaram, tal qual um grupo empresarial, que os WaiWai fechassem negócios mais profissionais.

Eles assinaram contratos com a empresa Wickbold, de São Paulo, a maior fabricante de pães do Brasil e uma das maiores do mundo, com preços praticados em 2018, 2019 e 2020 que chegaram a quase três vezes o valor praticado no mercado local no sul do estado. O volume negociado é imenso. São dezenas de toneladas embarcadas em vários caminhões (e até carretas) que saem entre os meses de abril a agosto rumo a Manaus, onde são despachadas as cargas nos navios para outras regiões do Brasil.

As famílias WaiWai dessas duas terras indígenas estão bastante satisfeitas e orgulhosas do seu trabalho e o desenvolvimento continua. A cada ano que passa há um melhoramento na organização da safra da castanha. Além de promover sua cultura tradicional - as famílias podem passar até 3 meses coletando na floresta - a venda de castanha fomentou maior organização e articulação social, bem como maior monitoramento e uso dos territórios pelos WaiWai.

No entanto, não é apenas nessas terras que ficam as bênçãos da comercialização da castanha. Milhares de litros de combustível são usados; vários caminhoneiros são contratados; roupas, alimentos, ferramentas, equipamentos de caça e pesca, motos, motores de popa são comprados durante e após a safra pelos indígenas. Há um impacto econômico regional, principalmente nos municípios de Caroebe e São João da Baliza. Os comerciantes locais sabem que durante a safra de castanha dos WaiWai um dinheiro vai entrar no caixa.

Conhecendo um pouco mais essa história, percebemos que os WaiWai utilizam muito bem suas terras, que viabilizam a manutenção e o aumento da qualidade de suas vidas, de forma integrada à sociedade não indígena, apesar de manterem fortemente suas tradições. Eles não precisam ser iguais aos karaiwás para se desenvolverem. Um povo que dá o exemplo de bom uso das suas reservas com o empreendimento extrativista que pode ser reaplicado em outras terras indígenas ou reservas, onde também há um grande potencial do uso da floresta para o desenvolvimento de atividades lucrativas e sustentáveis.

* Graduado em Ecologia, Mestre em Silvicultura pelo INPA, assessor do Instituto Socioambiental (ISA) e atua junto aos WaiWai.

 

 

 

 

https://www.socioambiental.org/pt-br/blog/blog-do-rio-negro/empreendedorismo-sustentavel-waiwai-um-belo-exemplo

 

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