EUA querem incendiar a 'mudança de regime' na Síria

Comentário na rede Xinhua chinesa, em meados de abril, que previa que as diferenças entre  EUA e Rússia em torno da Ucrânia não se resolveriam "em pouco tempo" está-se revelando muito acertado e presciente.[1] A declaração do presidente Vladimir Putin na 2ª-feira, em que acolhe com simpatia o cessar-fogo anunciado por Kiev, pode e deve ser visto como inteligente tentativa para 'desescalar' a crise,[2] mas Washington absolutamente se recusa a ver as coisas por esse prisma.

De fato, Washington ridicularizou o movimento de Putin. A representante permanente dos EUA na ONU, Samantha Power, falou em tom de pouco caso sobre a declaração de Putin durante discussão sobre a Ucrânia no Conselho de Segurança na 3ª-feira; chamou-a de "pequena retórica de reconciliação"[3] desmentida pela ação em campo.

Dois dias depois, de Paris, o secretário de Estado dos EUA John Kerry praticamente deu um ultimato a Moscou. Disse que "é crítico para a Rússia mostrar nas próximas horas, literalmente, que estão se mexendo para ajudar a desarmar os separatistas, encorajá-los a desarmar-se, exigir que deponham armas e comecem a ser parte de um processo político legítimo."[4] Kerry 'avisou' que outra rodada de sanções está à espera, a menos que Moscou 'seja rápida' [Negritos meus].

Explicação plausível para esse surto de linha-duríssima poderia ser que os EUA estariam fazendo o 'policial durão' (enquanto a Alemanha faria o 'policial bonzinho'). Mas a Ucrânia é tema grave demais, para ser reduzido a esse tipo de tolice.

Cada dia mais claramente o que se está vendo é que os EUA não têm interesse algum em solução que surja "em pouco tempo", como a rede Xinhua previu. E por que não? Um fator é que sem a plena e empenhada cooperação da Rússia é impossível estabilizar a Ucrânia; mas por que a Rússia cooperaria numa empreitada que pode levar a Ucrânia a ser admitida nas fileiras da União Europeia e da OTAN?[5]

Dito de outro modo, o governo Obama está 'exigindo' que o Kremlin rasteje ajoelhado, sabendo perfeitamente que isso jamais acontecerá. O mais provável, portanto, é que os EUA estejam antevendo que a situação da Ucrânia só pode piorar. O cenário pode ser que o presidente Petr Poroshenko ordene ataque total contra o leste da Ucrânia, imediatamente depois de esgotado o prazo do cessar-fogo, nesse final de semana; é ação que provavelmente fracassará, e todas as posições em campo só endurecerão ainda mais.

Mas... pode haver método na loucura de Obama. Considere-se o seguinte. Interessa a Washington que Moscou se envolva, pelo maior tempo possível, na Ucrânia. O pantanal eurasiano impedirá que a Rússia tenha presença ativa em outras regiões - como, por exemplo, na Síria.

Afinal, parece que não errei muito quando escrevi, no início da semana, em meu blog, que "Obama tem esperanças de 'resolver' o Iraque e também a Síria".[6] Há notícias de que Obama apresentou ao Congresso proposta para armar rebeldes sírios. A lógica de Obama, como escrevi, é que Síria e Iraque seriam um mesmo poço, onde nadam os mesmos peixes.[7]

É verdade que, sim, Síria e Iraque são questões interconectadas (e esse era também provavelmente o objetivo geopolítico dos países que apoiaram o Estado Islâmico do Iraque e Levante, ISIL). Mas a parte realmente chocante é a argumentação de Kerry, como noticiada,[8] segundo a qual os EUA nada teriam contra rebeldes sírios combaterem contra o ISIL no Iraque, além da ardilosa 'afirmativa' de que a tribo do líder do ISIL Ahmad al-Jarba também se estende até o Iraque. Jarba, como se sabe, é protegido dos sauditas.

Em resumo, os EUA estão conseguindo envolver no conflito do Iraque, rebeldes sírios apoiados pelo sauditas. Dito de outro modo, os EUA e seus aliados do Golfo ampliarão o conflito sírio, para incluir nele também o Iraque. É a atual crise iraquiana, sendo 'acrescentada' à grande estratégia.

A viagem de Kerry, hoje, à Arábia Saudita trará mais informes sobre o que está acontecendo. Antes de ir a Jeddah, Kerry esteve com o ministro saudita de Relações Exteriores príncipe Faisal al-Saud em Paris, depois de confirmar que os franceses estão 'na jogada' da próxima saga Síria-Iraque. Faisal é linha-dura contra Síria (e Irã). Há notícias também de que o príncipe Bandar voltou repentinamente à liça. Viajou recentemente com o rei Abdullah, ao Cairo.

O que está fartamente claro é que a agenda de EUA-sauditas, de 'mudança de regime' na Síria, voltou ao centro do palco. Claramente Putin terá de disputar palmo a palmo a Síria. Mas como poderá abandonar a Ucrânia, tão vital para os interesses russos de longo prazo, para se dedicar outra vez à Síria? Obama sentiu que teria chegado a hora de levar a agenda de 'mudança de regime' na Síria até a conclusão. A audácia da esperança[9] de Obama é de tal ordem, que ele espera conseguir vencer o jogo de xadrez na Síria e na Ucrânia. *****

[1] http://news.xinhuanet.com/english/indepth/2014-04/17/c_133269554.htm

[2] http://blogs.rediff.com/mkbhadrakumar/2014/06/24/moscow-steps-back-on-ukraine/

[3] http://usun.state.gov/briefing/statements/228366.htm

[4] http://www.state.gov/secretary/remarks/2014/06/228458.htm

[5]http://www.reuters.com/article/2014/06/27/us-ukraine-crisis-eu-factbox-idUSKBN0F20RM20140627

[6] http://blogs.rediff.com/mkbhadrakumar/2014/06/24/obama-hopes-to-fix-iraq-and-syria-too/

[7] http://www.nytimes.com/2014/06/27/world/middleeast/obama-seeks-500-million-to-train-and-equip-syrian-opposition.html?_r=1

[8] http://www.dailystar.com.lb/News/Middle-East/2014/Jun-27/261835-kerry-arrives-in-saudi-for-iraq-and-syria-talks.ashx#axzz35wpLXtYK

[9] Referência ao título do livro de Obama,

http://www.livrariasaraiva.com.br/produto/1915567/a-audacia-da-esperanca/ [NTs].

 

Tradução: Vila Vudu

http://www.iranews.com.br/noticia/12290/eua-querem-incendiar-a-mudanca-de-regime-na-siria

 

MK Bhadrakumar, Indian Punchline

http://blogs.rediff.com/mkbhadrakumar/2014/06/27/us-to-rev-up-regime-change-in-syria/

 

 

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