O Congresso decidiu convocar uma Comissão que buscasse analisar, de maneira ampla, as causas dos conflitos sociais no campo, a demora na Reforma Agrária, as causas da violência, entre outros. Com esses objetivos, a CPMI foi instalada no início de 2004, sendo seu presidente o senador Álvaro Dias (PSDB-PR) e o seu relator o deputado João Alfredo (PT-CE).
A CPMI ouviu dezenas de personalidades que analisaram e depuseram sobre o objeto da Comissão. Estranhamente, os ruralistas fizeram uma articulação para quebrar o sigilo bancário de duas entidades autônomas, que têm apoiado as ações de Reforma Agrária do governo e do MST: a Anca (Associação Nacional de Cooperação Agrícola) e a Concrab (Confederação das Cooperativas de Reforma Agrária do Brasil Ltda). O presidente do STF, ministro Nelson Jobim, derrubou por liminar o pedido de sigilo. Posteriormente, o presidente da Comissão recorreu, e o ministro Gilmar Mendes, ex-advogado-geral da União na gestão de FHC, aceitou o pedido e manteve a quebra de sigilo da Concrab.
Mesmo mantendo a quebra de sigilo bancário, a ordem judicial era de que as informações ficassem restritas a CPMI. Estranhamente, o presidente da CPMI repassou à imprensa, numa clara tentativa de envolver o MST e de jogar a opinião pública contra o Movimento.
Vejam abaixo a nota à imprensa do relator da mesma comissão e tirem as suas conclusões:
Nota oficial do deputado João Alfredo, relator da CPMI, à imprensa
"No último domingo, dia 10 de outubro, os jornais Folha de S. Paulo e Correio Brasiliense publicaram matérias intituladas "MST movimentou R$ 30 mi em seis anos" e "MST no alvo da CPI da Terra", respectivamente, nas quais trazem a público informações fiscais e bancárias sigilosas da Confederação das Cooperativas de Reforma Agrária do Brasil - Concrab.
Tais informações estavam em poder da CPMI da Terra, da qual tenho a honra de ser o Relator. As duas reportagens fazem menção explícita ao RELATÓRIO PARCIAL DOS DADOS FISCAIS E BANCÁRIOS DA CONCRAB, elaborado pela Assessoria do Presidente da CPMI, Senador Álvaro Dias, cujas cópias foram distribuídas aos 24 membros da Comissão na última sexta-feira.
Escoradas no "Relatório Parcial", as reportagens promovem uma devassa na intimidade da CONCRAB, ao arrepio dos mais comezinhos princípios constitucionais que tutelam a vida privada.
Sobre este "documento", esta Relatoria tem a dizer que: 1. A Relatoria foi pega de surpresa tanto com o "Relatório Parcial" elaborado unilateralmente pelo Senador Álvaro Dias, quanto pelas reportagens que trazem a público informações que deveriam estar protegidas pela CPMI da Terra. 2. A sessão da CPMI que deliberou sobre os sigilos da Concrab, Anca e Senar apenas autorizou a transferência, e não a divulgação dos dados, e o próprio Ministro do STF, Gilmar Mendes, ao cassar a liminar anteriormente concedida, fez ressalva expressa de que as informações bancárias e fiscais da Concrab deveriam permanecer sob sigilo, cabendo à Secretaria e à Presidência da Comissão a guarda dos dados e a proteção da vida privada da entidade, sob pena de responsabilidade. 3. Direta ou indiretamente, a publicidade das informações fiscais e bancárias da Concrab são de inteira responsabilidade do Presidente da CPMI, o qual, usurpando funções da Relatoria, elaborou este simulacro de "Relatório Parcial", com o claro propósito de atacar o governo do Presidente Lula e de criminalizar a luta pela terra, o que, certamente, destoa dos propósitos de uma CPMI. Os Regimentos Internos do Congresso Nacional são categóricos em dizer: quem faz relatório é o Relator e não o Presidente. 4. As informações bancárias e fiscais da Concrab somente foram liberadas para análise após o STF cassar a liminar anteriormente concedida. Isso aconteceu apenas em 09.09.2004, em meio ao processo eleitoral. Daí que um Relatório sobre um tema dessa envergadura não teria condições de ser elaborado em menos de um mês, sobretudo num mês tumultuado como o último. 5. Pelo pouco que a Relatoria viu dos documentos, nossas avaliações e percepções diferem substancialmente das conclusões lançadas no "Relatório Parcial" do Senador Álvaro Dias. 6. O Relatório Parcial do Senador Álvaro Dias sugere que os convênios do Governo Federal e de organismos internacionais com a Concrab seriam destinados à "formação de lideranças do MST". Este relatório é demasiado genérico, subjetivista, que insinua uma série de questões mas não se preocupa em comprová-las. 7. Este "Relatório" evidencia a parcialidade com que o Presidente da Comissão trata do tema, vez que, além de não abordar a problemática da violência no campo - tão amplamente constatada pelas atividades da Comissão - passa ao largo dos dados fiscais e bancários do Senar - Serviço Nacional de Aprendizagem Rural, entidade notoriamente vinculada aos ruralistas. 8. Este não é um relatório da CPMI, posto que elaborado unilateralmente pelo Senador Álvaro Dias. Por este motivo, toda e qualquer responsabilidade pelo vazamento das informações fiscais e bancárias da Concrab é de inteira responsabilidade do Presidente da Comissão, Senador Álvaro Dias. Curioso notar que o "documento" foi entregue aos parlamentares apenas na sexta-feira, dia 08.10.2004, ao passo que a imprensa teve acesso no dia anterior, consoante informa a reportagem publicada na Folha de São Paulo. 9. Tristemente, esta Relatoria fica com a impressão de que a CPMI da Terra está se desvirtuando e poderá descambar para o mesmo pântano em que se meteu a CPI do Banestado. O que parece pretender o Presidente da Comissão é transformá-la na CPMI do Boné, proposta pelos ruralistas, com quem o Senador é extremamente articulado. Quem perde com isso é o Congresso Nacional e o povo brasileiro, que adia a oportunidade histórica de contribuir com a realização da reforma agrária.
A legitimidade do Congresso Nacional em promover Comissões de Inquéritos é albergada pela própria Constituição Federal. Entretanto, esta legitimidade é corroída quando a CPI desvirtua-se e, de procedimento de investigação, transmuda-se em instrumento de ataques ao governo e de criminalização dos movimentos sociais. Este é o real propósito do Senador Álvaro Dias ao elaborar este arremedo de "Relatório Parcial". A Relatoria não compactua com tal postura, razão pela qual contesta a legalidade, a legitimidade e a conveniência deste "documento".
Brasília, 12 de outubro de 2004 MST
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