Não vou repetir aqui declarações que fiz ou análises da própria imprensa sobre o programa de televisão do PT exibido na última quinta feira. Mas declaro-me fascinado com a estratégia que orientou esse programa e que tem pautado toda a comunicação do governo petista. Ela é, de certo modo, parecida, embora inversa, à do roteiro do admirável filme alemão "Adeus, Lênin!".
Nesse filme, recapitulando, uma senhora entra em coma antes da queda do muro de Berlim e desperta subitamente, tempos depois, quando a Alemanha já estava reunificada sob a democracia capitalista. Mas ela era comunista devota e sofreria um choque provavelmente fatal para sua precária saúde se tomasse conhecimento das mudanças havidas. Seu filho, então, procura ganhar tempo reinventando o passado: com videoteipe, monta noticiários diários de televisão, para levá-la a acreditar que ainda vivia na RDA de Honnecker, e controla as visitas dos amigos, além de instruí-los para colaborarem com a fantasia.
A estratégia de comunicação estilo Dudiken curiosamente reproduz a do roteiro de "Adeus, Lênin!", mas de forma inversa: enquanto no filme o passado era transformado em presente ilusório, no Brasil de hoje adultera-se o passado e se transforma um futuro de bons propósitos em presente ilusório.
Evidentemente, as possibilidades de sucesso dessa estratégia são algo menores do que a do jovem berlinense, pois é mais fácil uma pessoa viver dentro de um apartamento como se estivesse no passado do que um povo viver num país como se estivesse naquele futuro de bons propósitos, que não chega nunca e até parece afastar-se.
O exemplo talvez mais elementar do roteiro "Adeus, PT!" é a cândida recomendação feita no programa de TV de que o povo poderia informar-se sobre a obra extraordinária que o governo está fazendo por meio da internet! Outro é a insinuação de que a oferta de empregos vem crescendo aceleradamente no Brasil (quantos telespectadores sabem a diferença entre emprego formal e informal?). Ou, ainda, que o Bolsa-Família -nome diferente dado a programas de transferência de renda do governo Fernan do Henrique- duplicou o benefício às pessoas, apesar de que, entre 2002 e 2003, a verba para tais programas diminuiu. Tais exemplos são os mais elementares. O mais significativo, porém, da realidade inventada do escritor uruguaio Mario Benedetti continua sendo o Fome Zero, comemorado internacionalmente como um notável programa de erradicação da fome em nosso país e que não existe na prática.
Aliás, nem sequer em teoria, pois seu conceito mudou ao longo do tempo, e ainda está sendo debatido dentro do governo. A realidade inventada no Brasil convence cada vez menos as pessoas, mas seus efeitos negativos vão além da deterioração da imagem do governo junto à população. Há um círculo vicioso. Como a maioria dos integrantes do governo e do PT parecem também acreditar nela, tratam de reforçá-la, em vez de se prepararem e se disporem a enfrentar os problemas verdadeiros do país: a estagnação econômica, o desemprego e a vulnerabilidade externa, os retrocessos nas políticas sociais, o loteamento político de áreas sensíveis da administração pública federal e a ruptura da aura ética do governo e do PT. Preferem fugir para adiante.
PSDB Artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo 2004.05.10
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