O PT está completando quase um quarto de século. Nasceu como um partido de esquerda, com forte presença da classe operária organizada, da Igreja progressista, da militância radicalizada e da inteligentsia engajada. Desse amálgama surgiu um partido socialmente forte porém eleitoralmente fraco, que nem por isso jamais deixou de participar do jogo eleitoral. Os grupos (poucos) que teimavam em apostar na subversão armada tiveram de se afastar, enquanto os primeiros parlamentares eleitos sofriam o diabo dos companheiros, por terem trocado o movimento de massa pelo convívio engravatado dos políticos burgueses.
Durante os 1980, o PT cresceu com o movimento operário e popular. Seus militantes fundaram a CUT e em seguida o MST. Há 20 anos, deslanchou a campanha pelas diretas já que levou às ruas milhões de pessoas. Em 1986, elegeu poucos constituintes, mas que lograram (ao lado de outros) tornar a Constituição de 1988 a mais avançada de nossa história. Bem típico do PT, recusamo-nos a assinar a Constituição e depois passamos 14 anos defendendo-a dos governos de direita.
Em 1988, o PT elegeu Luiza Erundina prefeita de São Paulo e Olívio Dutra de Porto Alegre. Com isso, o PT deixou definitivamente a oposição e o isolamento, que de certo modo havia se auto-imposto. Nestes municípios, assim como nos outros que viria a governar daí em diante, o PT se chocou com os seus representantes nas prefeituras. Os militantes esperavam que os companheiros no poder revolucionassem as cidades que governavam, dirigindo o gasto público apenas aos mais necessitados. O que os militantes ignoravam era que sem maioria parlamentar e grande apoio social, a almejada inversão de prioridades era impossível. Era imprescindível pactuar com outros partidos e interesses.
Este momento de mudança se completa pela vitória de Lula no primeiro turno e sua derrota no segundo, em 1989. A primeira oportunidade histórica de chegar ao poder nacional veio cedo demais. Não dera tempo para o PT assimilar as lições dos choques com os seus novos governos metropolitanos. Não obstante, tornou-se o principal partido de oposição, que disputou todas as eleições presidenciais seguintes com reais chances de ganhar. Quando, em 1992, o PT contribuiu para impedir Collor, poderia ter integrado o governo de Itamar. Se o tivesse feito, talvez o curso da história fosse outro, pois Itamar, depois de tentar resistir ao neo-liberalismo, guindou Fernando Henrique à Fazenda para estabilizar os preços, dando-lhe a oportunidade de governar o país por dois mandatos.
O governo de FHC abriu o mercado interno às importações asiáticas, barateadas pelo câmbio, e às aplicações de capitais especulativos externos. Em conseqüência, deixou que parte da indústria se arruinasse e outra se desnacionalizasse, e que o desemprego mais que dobrasse. Uma parte dos pobres melhorou com o fim da superinflação, uma parte da classe média assalariada foi arruinada. O desemprego em massa enfraqueceu o movimento operário (em que se apoiava o PT) e possibilitou a precarização das relações de trabalho. A maioria dos trabalhadores perdeu seus direitos legais.
O fracasso do neo-liberalismo propiciou ao PT sua segunda transformação histórica: admitiu alianças com partidos a sua direita e de direita mesmo e chegou ao governo da União com a eleição de Lula. O governo reflete a composição do Congresso, não sua própria composição partidária. Por isso, adotou parte da plataforma econômica dos adversários, compensando isso com políticas redistributivas e com a abertura do sistema financeiro aos pobres. Utiliza com maestria o prestígio internacional do Presidente para mudar a geografia comercial e política do mundo em favor da semi-periferia. Mas, leva longe demais a ortodoxia na macro-economia, o que prejudica a recuperação do crescimento e a realização de suas metas sociais. Negocia com os movimentos sociais e apóia a economia solidária, a reforma agrária, os povos indígenas, os quilombolas, os camponeses do semi-árido e os desnutridos.
Diante dessa nova guinada histórica, como se encontra o PT? Chocado, incerto sobre o que pensar, mas confiante que o governo encontrará meios de realizar suas metas. Como força dominante no governo, o PT tem peso para influir em seus rumos e nos do país. Para lográ-lo, penso que o PT deve se voltar à sociedade, ao movimento popular, para torná-lo consciente de seus interesses. A mudança da sociedade está sendo realizada por ela própria, como forma de enfrentar a pior crise social de sua história. Se a mudança avançar, o governo se colocará ao seu lado. Porem, se os movimentos se deixarem paralisar pela indecisão e o PT se empenhar unicamente na discussão do governo em vez de se lançar na luta no terreno econômico e social, corremos o perigo de perder mais uma oportunidade histórica.
Paul Singer, economista e militante histórico, é coordenador do programa Economia Solidária em Desenvolvimento, do Ministério do Trabalho.
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